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Boaventura: O tempo, a pandemia e a desigualdade

  Há diferentes maneiras de viver o tempo, durante uma crise civilizatória. Mas há distinções também em como as classes o encaram: em um mundo com futuro nebuloso, uns buscam ultrapassar o tempo – para outros, ele é um carro na contramão… As dificuldades em explicar, interpretar ou viver o tempo são diferentes versões da mesma dificuldade em lidar com o enigma do tempo. Esta dificuldade vem de longe. Já Santo Agostinho afirmava, “o que é então o tempo? Se ninguém me perguntar, eu sei. Se alguém me perguntar, eu não sei responder”. O tempo partilha com o corpo esta insondável característica de nada poder ser pensado sem ele e, no entanto, de ser ele próprio relativamente pouco pensado pela reflexão humanística ou científica. O tempo atual impõe-nos o enigma do tempo com uma acuidade que não pode ser ignorada. A pandemia abalou profundamente tanto as rotinas diárias como as expectativas e os planos de futuro e, consequentemente, as percepções do passado. Dizia Aristóteles que a memória e