Nos EUA, “divórcio grisalho” leva mais idosos a viverem sozinhos
No país, na faixa de pessoas com
65 anos ou mais, cerca de 16 milhões viviam sozinhos em 2022, três vezes mais
do que na década de 1960
Edith Heyck não esperava estar vivendo sozinha aos 72 anos. “Sempre
pensei que ficaria casada”, conta. “Fui criada para ser uma esposa e nunca
imaginei que estaria sozinha”.
Heyck, artista e gerente de parques em meio período em Newburyport,
Massachusetts, é um dos quase 38 milhões de adultos que vivem sozinhos nos
Estados Unidos, país no qual a proporção de lares onde vive apenas uma pessoa
atingiu um recorde, de acordo com dados do Censo. Ela também faz parte de uma
população que especialistas dizem que deve subir dramaticamente nas próximas
décadas.
2021 | LIVE
CNN
O número de americanos mais velhos que vivem sozinhos está em ascensão.
Nos EUA, na faixa de pessoas com 65 anos ou mais, cerca de 16 milhões viviam
sozinhos em 2022, três vezes mais do que na década de 1960.
Conforme os “baby boomers” (a geração nascida entre 1946 e 1964)
envelhecem, espera-se que esse número cresça ainda mais, trazendo grandes
questões sobre o futuro do país.
Há muitas razões para essa mudança na sociedade, incluindo os ganhos econômicos que as mulheres conquistaram ao entrar
no mercado de trabalho e as novas atitudes em relação ao casamento.
No entanto, um fator específico que alimenta o aumento do número de
idosos vivendo sozinhos pegou especialistas de surpresa quando eles o
encontraram pela primeira vez: o aumento nas taxas de divórcio entre adultos
acima de 50 anos.
“Ficamos impressionados com nossas descobertas”, comenta Susan L. Brown,
codiretora do Centro Nacional de Pesquisa Familiar e Matrimonial da
Bowling Green State University.
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Já faz uma década que a pesquisa de Brown popularizou o termo “divórcio grisalho” para descrever esse
fenômeno – algo que costumava ser uma raridade, mas agora se tornou muito mais
comum.
“Bem mais de um terço das pessoas que estão se divorciando agora têm
mais de 50 anos”, diz Brown. “Não podemos mais ignorar esse grupo”.
A “revolução do divórcio grisalho”
A surpreendente separação de Al e Tipper Gore,
ex-candidato democrata à presidência, que em 2010 anunciaram seus planos de
divórcio após 40 anos de casamento, levou Brown e um colega a investigar os
dados com uma pergunta que muitos americanos já se faziam: será que isso é
comum?
A pesquisadora não tinha certeza, mas estava cética. “Pode ser apenas um
fenômeno entre celebridades”, lembra-se de pensar.
Não era.
Brown e I-Fen Lin descobriram que, de 1990 a 2010, a taxa de divórcio
entre pessoas com mais de 50 anos nos Estados Unidos havia duplicado. Eles a
apelidaram de “a revolução do divórcio grisalho”.
A onda ainda está forte, tanto para celebridades quanto para pessoas não
famosas. Mais recentemente, em 2021, Bill e Melinda Gates foram parar no
noticiário quando anunciaram que estavam se divorciando após 27 anos de
casamento. Ao norte da fronteira do país, nesta semana o primeiro-ministro
canadense Justin Trudeau, 51 anos, anunciou que ele e sua esposa estavam se separando.
Embora as taxas de divórcio para a população geral estejam em declínio,
Brown diz que, “os mais velhos, a tendência é contrária”.
Para adultos com mais de 65 anos, a taxa de divórcio segue subindo.
“Ou seja, cada vez mais pessoas estarão envelhecendo provavelmente
sozinhas e fora de um casamento”, relata a pesquisadora.
Por que mais pessoas estão dando esse passo
A advogada Susan Myres diz que, para algumas pessoas, pode parecer
ilógico encerrar um casamento mais tarde na vida, especialmente quando a morte
pode estar mais próxima.
Mas, como especialista em divórcio em Houston com décadas de
experiência, ela ouviu muitas razões para clientes mais velhos se separarem.
“Uma cliente me disse: ‘eu não quero morrer ao lado daquele homem, estou
fora’”, conta Myres, observando que diferentes perspectivas sobre vacinas,
máscaras e política durante a pandemia parecem ter desempenhado um papel em
muitos casos recentes que foram parar no seu escritório de advocacia.
“Eu vi um aumento bastante acentuado de separações em casais maduros que
têm filhos adultos e provavelmente alguns netos”, diz.
De acordo com a advogada, algumas pessoas mais velhas que abrem o
processo de divórcio sentem que simplesmente se afastaram muito de seus
cônjuges, enquanto outras sofreram abuso ou descobriram transgressões
chocantes. Todos – incluindo alguns clientes na casa dos 80 anos – sentem que
os anos de vida que restam são preciosos demais para gastar com a pessoa
errada.
A linguagem que a advogada usa tenta ver o lado positivo da tendência.
Em vez de usar o termo “divórcio grisalho”, ou “gray” em inglês, ela prefere
fazer um trocadilho que a palavra “silver”, prata, em referência ao termo em
inglês “silver lining”, semelhante ao nosso “copo meio cheio” – dando a ideia
de um novo recomeço independentemente da idade.
A artista Heyck diz que se divorciou na casa dos 50 anos depois que o
filho fez 18.
Confrontada
com a instabilidade financeira após o seu divórcio, Edith Heyck, 72, ficou
entusiasmada em viver numa moradia para seniores, onde o seu aluguel é ajustado
para corresponder à sua renda. Em seu tempo livre, ela adora trabalhar em
projetos de arte e pintar murais na comunidade, como este / Cortesia Edith
Heyck.
“Minha união era mais um relacionamento de trabalho do que um casamento
completo”, diz. Heyck conta que estava emocionalmente pronta para ficar
sozinha.
Mas a transição financeira não foi fácil. Durante anos, ela lutou para
pagar as contas, dividindo a casa com amigas e dormindo na casa de conhecidos
até conseguir uma vaga numa moradia para sêniores que se ajustasse à sua renda.
“Sempre fui artista e vivia apertada financeiramente. Não tinha um plano
de aposentadoria, pois sempre pensei que viveria casada. Essa foi a grande
surpresa”, relata.
Dificuldades financeiras após o “divórcio grisalho” são um problema que
Brown diz que ela e outros pesquisadores têm estudado também.
Algumas pessoas tiveram uma queda significativa no padrão de vida – e
isso, somado ao fato de que as taxas de pobreza em geral tendem a ser mais
altas para os idosos, é preocupante.
“Eles estão repartindo o cofrinho da economia ao meio”, diz Brown.
“Nossos dados de pesquisa nos permitem acompanhar as pessoas por uma década ou
mais. Não vimos nenhuma evidência de recuperação significativa”.
Outra razão para viverem sozinhos
Algumas pessoas que passam pela separação nessa fase se casam novamente,
e algumas se mudam com um novo parceiro ou outros membros da família. Nos
primeiros anos após um “divórcio grisalho”, diz Brown, cerca de 50% das pessoas
acabam vivendo sozinhas.
Mas muitos idosos ou pessoas de meia idade que vivem sozinhas não
passaram pelo divórcio.
Alguns são viúvos, e uma parcela crescente nunca foi casada.
“Um dos fatores mais importantes ao olhar quantas pessoas vivem sozinhas
é analisar se elas podem se dar ao luxo de fazer isso”, diz a pesquisadora e
psicóloga Bella DePaulo. “Historicamente, as pessoas mais velhas, quando tinham
seguro social e de saúde e essas linhas de apoio para a estabilidade
financeira, podiam escolher viver sozinhas”.
DePaulo, que tem 69 anos e mora em Santa Barbara, Califórnia,
orgulhosamente declara que foi solteira a vida inteira. Há anos, ela vem
estudando pessoas solteiras e pressiona para que suas escolhas sejam levadas mais a
sério.
“Há muitos de nós que não enxergam o morar sozinho como algum tipo de
fardo, e sim abraçamos como algo que realmente amamos”, declara.
Viver sozinho, diz ela, não significa que você esteja solitário.
“Muitas pesquisas mostram que as pessoas solteiras são mais propensas a
manter contato com seus amigos, parentes e vizinhos do que as pessoas casadas.
É exatamente o oposto do estereótipo”, explica.
Mais baby boomers sozinhos e o que vem a seguir
O percentual de pessoas com mais de 65 anos que vivem sozinhas
manteve-se relativamente consistente nos últimos anos, pairando em torno do seu
nível atual de 28%. Mas, dado o grande tamanho da geração boomer, que inclui
pessoas com idades entre 59 e 77 anos, o número total de idosos que vivem
sozinhos está subindo, e espera-se que cresça ainda mais.
Especialistas dizem que isso pode ter consequências significativas em
comunidades de todo o país – especialmente se não for feito mais para fornecer
melhores serviços sociais.
“Quem vai cuidar deles à medida que envelhecem é uma grande questão, uma
vez que a maioria não está se casando novamente”, diz Brown.
Markus Schafer, professor associado de sociologia da Universidade Baylor
que estuda envelhecimento e saúde, chama o caso de “fenômeno bilateral”.
“Muitas pessoas realmente acham atraente ter autonomia, sem ter
picuinhas diárias sobre quem lava a louça ou onde é guardada a escova de
dentes”, diz o professor. “Por outro lado, pesquisas consistentes descobrem
que, embora muitas pessoas vivam bem sozinhas, elas relatam
níveis mais altos de solidão em todo o mundo, e isso é com
certeza mais pronunciado mais tarde na vida”.
Dadas as consequências bem documentadas e significativas para a saúde ligadas à
solidão e ao isolamento social, pesquisadores e defensores estão tentando
encontrar soluções para ajudar os americanos idosos a viver sozinhos antes que
seja tarde demais.
“Há muita inovação e dinheiro de startups para o desenvolvimento de
robôs de companhia, coisas como cães robóticos, o metaverso e a inteligência
artificial. É algo em ascensão no Japão”, conta Schafer. “Eles estão nos
mostrando como o futuro do envelhecimento pode ser aqui”.
Nos EUA, está claro que o futuro do envelhecimento envolverá mais
milhões de pessoas vivendo sozinhas, segundo Jennifer Molinsky, diretora da
Sociedade de Habitação e Envelhecimento do Centro Conjunto de Estudos de
Habitação da Universidade de Harvard.
As projeções do centro preveem que o número de famílias unipessoais
chefiadas por pessoas com mais de 75 anos irá subir nos próximos anos com o
envelhecimento dos boomers, ultrapassando os 14 milhões até 2038.
Para ela, mais opções de moradia são necessárias para que as pessoas
possam envelhecer com segurança, em vez de ficarem presas em grandes casas
unifamiliares.
“Muitas pessoas não estão alojadas com segurança, de forma acessível, em
locais que são bem atendidos por transporte ou serviços de saúde. Há muitas
necessidades, e isso precisa de mais atenção”, diz Molinsky.
O início de um novo capítulo
A artista Heyck diz que sabe muito bem a importância da habitação
acessível e também a dificuldade de encontrar uma.
“No dia em que completei 62 anos, fiz minha inscrição para uma casa
desse tipo. Levei quase cinco anos para sair da lista de espera”, relata.
No fim, ela conseguiu um lugar cobiçado em uma comunidade residencial
sênior, onde seu aluguel é ajustado para combinar com sua renda. Depois de
vários anos morando em um apartamento no local, Heyck diz que finalmente
encontrou a estabilidade que há muito procurava.
“Tenho uma sensação de segurança que eu nunca tive. Sinto que minha
conexão com minha comunidade e igreja me deu alegria e saúde”.
Recentemente, ela encontrou uma nova maneira de se conectar com seus
vizinhos.
Heyck
descobriu recentemente uma nova maneira de encontrar alegria e estabelecer
conexões com sua comunidade: fazer comédia stand-up. / Cortesia Edith Heyck.
Heyck começou a fazer comédia stand-up sobre suas experiências.
“Eu tive maridos e namorados suficientes para ter algo a dizer”, diz,
rindo.
“Sou uma septuagenária e ainda estou namorando. Isso sempre rende boas
risadas”.
Enquanto permanece romântica e tendo encontros, mesmo depois de vários
divórcios, Heyck diz que a facilidade e a emoção de viver sozinha nos últimos
anos deixou uma coisa clara.
Não importa quem ela encontre, ela não quer viver com ninguém novamente.
Nota: Este conteúdo foi criado originalmente em inglês.
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