Ao longo dessas duas décadas, boa parte das pessoas idosas morreu, em condições precárias e sem dignidade, sem conseguir nem mesmo se aposentar
Por: em 30/09;2023 Publicação:Portal do Envelhecimento
O Brasil é um país em
desenvolvimento no qual a população envelhece em situações de extremas
desigualdades, o que nos leva a afirmar, de pronto, que boa parte das pessoas
com 60 anos ou mais nem mesmo sabe quais são os direitos garantidos a elas pelo
Estatuto ou são cidadãos que não tem condições reais de exercê-los.
Ao longo dos 20 anos da
existência do Estatuto, a parcela da população de pessoas idosas no Brasil
dobrou, havendo estudos que comprovam que seremos um dos 64 países do mundo que
até o ano de 2050 terá, no mínimo, 30% de sua população composta por pessoas
com 60 anos ou mais e, ainda, que essa população até o ano de 2065 deverá
ultrapassar os 33%.
Essa população que “cresce” é a
prova viva (ainda que muitos não vejam com essa “vida toda”) que o
envelhecimento é fato, e um fato inegável, irreversível e que aumentará
notavelmente cada vez, na medida em que os anos passem.
Ao longo dos 20 anos do Estatuto
da Pessoa Idosa, muitas e significativas foram os avanços quando falamos dos
direitos das pessoas idosas, relembrando que até mesmo antes disso, a
Constituição Federal em vigor, promulgada aos 05 de outubro de 1988, foi a
primeira Constituição brasileira a trazer disposições de direitos às pessoas
idosas.
Ocorre que, mesmo com essas
garantias e essa realidade, perguntamos: será que podemos comemorar?
Antes de comemorar, ponderamos
que mais do que refletir é preciso agir. Precisamos de políticas públicas mais
eficientes, que considerem igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, e
de atitudes pessoais e coletivas mais inclusivas, protetivas e empáticas, para
se dizer o mínimo.
Não é possível que passemos os
próximos anos negando o envelhecimento, como se ele fosse uma questão que
pertence ao outro e não a cada um de nós, já que a alternativa ao
envelhecimento é a morte (sim, a menos que seja sua opção não envelhecer, você
morrerá antes disso, desculpe a má notícia).
As desigualdades sociais
precisam ser consideradas quando da elaboração de políticas públicas, já que os
direitos e as garantias precisam valer para todos, independentemente das
pessoas a exercê-los estarem em um grande centro ou em uma área periférica.
Isso, inclusive, é um dos fatores primordiais para que verbas públicas sejam
utilizadas de maneira mais assertiva, amparando os que realmente necessitam e
evitando rombos aos cofres públicos.
Cada cidadão precisa se
conscientizar, de fato, sobre como age e sobre como pensa a respeito do
envelhecimento e da velhice. São atitudes individuais que levam a uma mudança
de comportamento coletivo e a uma revisão de valores sociais.
A pessoa idosa não pode mais ser
desconsiderada, em desrespeito a todas as contribuições para o país que
efetivou ao longo de sua longeva existência. Não dá mais para se afirmar que,
quando satisfeitos alguns direitos a essa parcela da população, esses são os
mínimos existenciais.
A dignidade humana de todas as
pessoas idosas precisa ser vista e contemplada como o máximo existencial, e
todos nós precisamos, em conjunto, refletir e agir para que isso seja um fato
concreto.
A cultura de um povo não muda em
um período curto de tempo e estamos longe de acreditar nisso, mas com relação à
forma como a sociedade brasileira contempla a sua população idosa e o
envelhecimento, é preciso uma reflexão e uma ressignificação de atitudes sobre
o assunto.
Envelhecemos, expressivamente,
mas fizemos e fazemos isso negligenciando a velhice, silenciando pessoas idosas
e retirando de boa parcela de nossa população longeva os direitos dessas
pessoas a serem quem são.
Incontáveis são as condutas de
muitos que evidenciam um preconceito total e absoluto contra a idade de alguém,
já que muitas são as práticas discriminatórias em incontáveis cenários, em
atitudes maciças de etarismo/idadismo.
Os 20 anos do Estatuto da Pessoa
Idosa é um marco histórico de inegável importância, haja vista que ele é um
instrumento que garante uma proteção extremamente necessária para pessoas com
60 anos ou mais que ainda passam fome, que não tem acesso a saneamento básico,
que são analfabetas (em especial digitais), que são excluídas de tratamentos em
saúde porque muitos deles são considerados como desnecessários a elas e que são
vítimas de muitas outras ordens de violência, dentre tantos outros motivos que
impedem que seja, igualmente, um marco comemorativo.
A história é de grande
importância para que possamos aprender com ela, em especial a não repetirmos os
mesmos erros, e ela é sempre contada pelos vencedores.
Na história do Estatuto da
Pessoa Idosa, ao longo de seus 20 anos de existência, muitas são as clarezas
sobre os erros cometidos pela sociedade com relação à população longeva e,
infelizmente, por eles serem muitos, não é essa mesma parcela de pessoas que
pode contar a seu respeito.
Ao longo dessas duas décadas,
boa parte das pessoas idosas morreu, em condições precárias e sem dignidade
alguma, sem conseguir nem mesmo se aposentar, depois de anos de trabalhos, por
vezes em situações do que hoje chamam de empreendedorismo, mas que, na
realidade, eram decorrentes de atividades esporádicas, sem qualquer proteção
legal ou contribuição previdenciária efetiva porque comer e seguir a vida eram
mais importantes.
Outras tantas estão passando
privações inúmeras e seguem, em uma vida meramente biológica, em alguns cenários,
sem qualquer dignidade.
Muitos foram os Josés, as
Marias, os Joaquins, as Beneditas, os Antônios, as Aparecidas e tantos outros
brasileiros que não chegaram aos 01º de outubro de 2023 com vida ou são pessoas
que estão em situação de absoluta indignidade e que, por esses motivos, não
podem comemorar os 20 anos do Estatuto da Pessoa Idosa e nem mesmo contar a sua
história, ainda que sejam a parte mais bonita e importante dela.
Então, por suas memórias ou por
respeito às suas histórias, que possamos refletir e buscar por um
envelhecimento mais digno e mais humano, ainda que em consideração aos Enzos,
às Mariás, aos Luans, às Eloas, e a tantos outros brasileirinhos que ainda nem
sabem, mas um dia vão ouvir que são cidadãos de um país do futuro e que, quem sabe,
um dia, poderão comemorar as pessoas idosas que serão, ainda que contem sem
grandes festividades sobre como era com seus antepassados…
Leia também: Os idosos no mercado de trabalho https://www.portaldoenvelhecimento.com.br/idosos-no-mercado-de-trabalho-uma-demanda-crescente/
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