Exame, por David Cohen Publicado em 17/03/2018
The Longevity Economy:
Unlocking the World’s Fastest-Growing, Most Misunderstood Market (“A
economia da longevidade: desvendando o mercado em mais rápida expansão e mais
mal-entendido do mundo”, numa tradução livre) Autor: Joseph F. Coughlin Editora:
PublicAffairs Páginas: 352
————–
O mínimo que se pode dizer sobre a nossa visão da velhice é que
ela está… velha. E essa vista cansada não desemboca só em dificuldades para
quem tem mais idade. Ela leva ao desperdício de uma das maiores oportunidades
de negócios dos nossos tempos. O tamanho dessa oportunidade pode ser avaliado
em números. O Brasil tem cerca de 26 milhões de pessoas com mais de 60 anos,
50% a mais do que há uma década, de acordo com as estimativas do IBGE. Em 2030,
um quinto da população brasileira será idosa – se até lá ainda considerarmos
idosas as pessoas com mais de 60 anos.
O
envelhecimento populacional é um fenômeno mundial: em 2015, 617 milhões de
pessoas tinham mais de 65 anos. Três vezes a população do Brasil. No Japão,
mais de uma em cada quatro pessoas está nesta faixa etária. Na Alemanha,
Grécia, Itália, Portugal, Suécia, são mais de 20% dos cidadãos. É uma espécie
de revolução, para a qual o mundo está despreparado, apesar de ela estar em
andamento há décadas, graças à queda nos índices de natalidade e ao avanço nas
condições de vida.
O modo mais comum como se pensa neste envelhecimento é que ele irá
aumentar os gastos em geral das nações (com os cuidados para idosos), e reduzir
sua capacidade
produtiva (pela suposta menor disposição para o
trabalho). Por isso tantos se referem ao fenômeno como uma “bomba-relógio
demográfica”. Mas estas não são necessariamente as consequências inevitáveis do
envelhecimento, como demonstra Joseph Coughlin, professor de planejamento
urbano do Massachusetts Institute of Technology (MIT), no livro The
Longevity Economy: Unlocking the World’s Fastest-Growing, Most Misunderstood
Market (“A economia da longevidade: desvendando o mercado em
mais rápida expansão e mais mal entendido do mundo”, numa tradução livre).
Coughlin é fundador e diretor do AgeLab, no próprio MIT, uma
organização de pesquisas devotada a estudar as interações entre idosos e o
mundo dos negócios. Seu principal argumento é que a noção de velhice que temos
– mesmo a velhice dourada, devotada ao lazer – rouba das pessoas a partir de certa
idade uma parcela de seu propósito, de seu bem-estar emocional. E camufla a
maior oportunidade de negócios que as empresas têm para explorar. Segundo a
consultoria Boston Consulting Group, em 2030 as pessoas acima de 55 anos serão
responsáveis por 50% do crescimento dos gastos de consumidores desde 2008 nos
Estados Unidos. No Japão, serão 67%; na Alemanha, 86%.
Quer uma evidência visual deste avanço nos gastos dos idosos?
Basta olhar os estacionamentos dos shopping-centers. Até alguns anos atrás,
havia quatro ou cinco vagas para idosos perto dos elevadores. Hoje, na maioria
dos shoppings, há dezenas delas.
Apesar dos crescentes gastos dessa parcela da população, as
empresas têm feito muito poucos esforços para atrair seu interesse. Nos Estados
Unidos, menos de 15% das companhias tem qualquer estratégia específica para os
mais velhos. E menos de 10% das verbas de marketing se destinam ao público
acima de 50 anos.
Esses números, que Coughlin apresenta em seu livro, só fazem
sentido ante a crença de que os velhos querem ser jovens para sempre, e mantêm
preocupações de jovens (por isso ficariam até felizes em pegar carona no
marketing dirigido primordialmente à faixa dos 18 aos 49 anos). Se essa tese
estiver correta, é um triste sinal para a humanidade. A tal da melhor idade
(um eufemismo que na verdade significa ocaso) seria uma eterna corrida para
ficar no mesmo lugar. Uma corrida não para ganhar, mas para perder o mais
lentamente possível. Mas será assim a vida real? As pessoas não aprendem nada
ao longo dos anos, elas anseiam pelo mesmo tipo de paixão de quando tinham 15
anos, seus problemas são os mesmos?
Se
o que caracteriza a velhice é a falta de juventude, faria algum sentido a
declaração do ministro das Finanças do Japão, Taro Aso, de que os velhos deviam
“se apressar e morrer”. Afinal, a hostilidade em relação aos velhos deriva da
noção de que eles são um grande custo, um fardo a carregar. Mas mesmo no Japão,
cuja língua tem até uma palavra especial para o homicídio de idosos (Ubasute, o
ato de levar um parente doente ou idoso para o alto de uma montanha e deixá-lo
lá), a realidade é menos drástica do que parece. De acordo com historiadores, o
Ubasute é mais uma lenda do que uma prática real. E o fardo das pessoas idosas
não é assim tão pesado. O custo de saúde no país atinge cerca de 10% do PIB,
menos que a média de outros países avançados (nos EUA, a cifra é 17%). De
acordo com Coughlin, essa nossa noção da velhice não é natural. Ela foi
construída. E se foi construída, pode ser modificada.
A construção da velhice
Historicamente,
diz Coughlin, em diversas culturas e épocas, o envelhecimento era uma experiência
individual, não uma idade predeterminada e não com as mesmas regras para todos.
Foi na segunda metade do século 19 que isso começou a mudar, com o surgimento
dos planos de pensão, dos asilos e de outras instituições destinadas
exclusivamente aos idosos. Não é que os velhos tivessem vida fácil. Em várias
culturas, sim. Especialmente nas sociedades iletradas e tradicionais, pessoas
idosas representavam a memória, o apego à própria identidade e aos costumes.
Não à toa, o Senado era formado por anciões. Assim como os conselhos de tantas
tribos ao longo da história humana.
Nos
tempos modernos, porém, a tradição perdeu terreno para o progresso. O novo
passou a valer mais que o antigo. E o antigo podia ser consultado em livros. Os
velhos perderam status. No século 19, considerava-se que uma pessoa se tornava
velha quando sua “energia vital” começava a chegar ao fim. Acreditava-se,
então, que os seres humanos vinham ao mundo com uma reserva de energia vital,
mais ou menos como uma bateria. Sexo e diversões em geral ajudavam a gastar
mais rapidamente essa reserva.
Os médicos tinham um
nome para essa fase da vida: o período climatérico, associado aos cabelos
brancos, à menopausa, às rugas, a sensações de fraqueza. Mesmo o revolucionário
Sigmund Freud afirmou, em 1904, que as pessoas “perto ou além dos 50 anos não
têm a plasticidade e os processos psíquicos dos quais depende a terapia”
psicanalítica. Estava, em suma, rejeitando clientes para a sua linha
terapêutica – algo que tantas empresas andam fazendo.
O
termo “geriatria” foi cunhado em 1909, e os primeiros livros sobre geriatria
são de 1914. Em poucos anos, a velhice se tornou um problema a ser resolvido.
Por essa época começaram a tomar forma os asilos para velhos. Nos séculos
anteriores, os velhos ficavam com suas famílias. Quando isso não era possível,
iam para asilos – onde ficavam ao lado de bêbados e criminosos.
Também
começava a se espalhar a ideia da aposentadoria. Originária da Alemanha,
criação do homem-forte do país, Otto von Bismarck, em 1889, a aposentadoria
originalmente começava aos 70 anos.
Anos
depois, estabeleceu-se em vários países a idade de 65 anos.
Os
planos de pensão de empresas nasceram um pouco antes. Em 1875, a American
Express Company, então uma empresa de correios, estabeleceu um sistema de
pensão privado. Em 1910, dezenas de
empresas
haviam aderido à prática.
No início do século 20,
a velhice havia se transformado, de uma questão individual a ser tratada pela
família, em uma fase da vida, com data marcada para começar, e com instituições
próprias para lidar com o assunto.
Aposentadoria: prêmio e castigo
Esse
afastamento cada vez mais compulsório do mundo do trabalho se dava com a
contrapartida de uma promessa de uma vida de lazer e contemplação. A tal da
“melhor idade”. Para sustentar esse ócio contava-se com duas coisas: uma
economia em expansão, que podia ser pródiga na distribuição de benesses, e uma
expectativa de vida relativamente curta. Dava-se muito, mas por pouco tempo.
Nenhuma
dessas condições existe hoje, e o debate sobre previdências em geral, no mundo
todo, é camuflado por ideologias e posições políticas, mas é antes de qualquer
coisa uma questão aritmética. A não ser para alguns privilegiados e outros
tantos previdentes, capazes de manter seu padrão de vida sem trabalho por
muitos anos. Para estes, o sonho da aposentadoria se cumpriu.
Não
o ócio criativo. O ócio ocioso, mesmo.
E este é um dos pontos mais interessantes que Coughlin não chega a elaborar, mas deixa claro: a aposentadoria é uma dessas armadilhas da vida, como a obesidade ou o vício em séries de TV: atingir nossos desejos nem sempre é o melhor para nós. No caso da aposentadoria, o trabalho é um fator de identidade, de auto-respeito, de propósito. Ainda mais hoje em dia, em que a vida comunitária foi esvaziada e a vida familiar se esvaiu (as grandes famílias viraram famílias nucleares). No paraíso da melhor idade, as pessoas são principalmente consumidoras. E quando Coughlin pergunta quais os avanços tecnológicos para essa faixa, diz ouvir sempre as mesmas respostas: remédios melhores, robôs para cuidar dos velhos.
Não há dúvida de que são avanços
importantes. Mas restringem a velhice a um problema a ser resolvido. E há
vários estágios intermediários, entre o vigor da juventude e a completa
dependência. É isso o que poucas empresas estão enxergando, diz ele. Estão
perdendo não apenas a oportunidade de atender a um público crescente, mas ao
público todo. Seu argumento é que produtos bons para os idosos são em geral
bons para todos. Um exemplo é o microondas, criado a princípio para esse
público, mas que conquistou a sociedade como um todo. Outro exemplo é o
smartphone: a possibilidade de alterar o tamanho das letras e dar comandos por
voz inclui os idosos sem ser condescendente.
Se dar mais oportunidades de consumo
seria um avanço, a verdadeira solução para a questão da idade seria…
esquecê-la. Pelo menos no que diz respeito ao mercado de trabalho. Os velhos
hoje têm demonstrado que querem trabalhar. Para começar, o mítico obstáculo da
tecnologia tem sido transposto pela nova velha geração. Em 2000, só 14% dos
americanos idosos usava a internet; esse número quadruplicou. Mas o preconceito
impede maiores avanços. Em 2010, de 114 companhias que receberam investimentos
em estágio inicial, metade foi para empreendedores de 35 a 44 anos. E os jovens
com menos de 35 anos receberam duas vezes mais investimentos que os acima de
45. Considerando-se que metade das startups nos EUA é fundada por gente de mais
de 45 anos, fica claro que a idade pesa na cabeça dos investidores.
O nível de empreendedorismo entre os
mais velhos quase dobrou desde meados da década de 1990, de acordo com a
Fundação Ewing Marion Kauffman, de 14,8% para 25,8% em 2014. E os mais velhos
têm a mais alta taxa de empreendedorismo por oportunidade (em oposição ao
empreendedorismo por necessidade). Coughlin é um otimista. Ele acredita que,
com a chegada à velhice da geração do baby boom americano, várias barreiras
serão rompidas. Porque a geração mais transformadora da história vai “lutar por
trabalho, buscar romance, ter ambição social, contribuir com a cultura”.
Tomara que ele esteja certo, e que este
fenômeno seja mundial. Seria a liberação de mais uma força econômica – e um
ótimo exemplo para tantos jovens cuja maior ambição é se aposentar antes dos
50.
Comentários
Postar um comentário