'As gerações que agora estão chegando à velhice não vão tolerar a escandalosa discriminação, infantilização e exclusão que observamos todos os dias na vida cotidiana'
A especialista Mayte Sancho dispensa
apresentações em nosso país e talvez, agora, um pouco menos no resto do
planeta, já que acaba de ser designada como uma das 50 líderes mundiais do
'Envelhecimento Saudável 50', iniciativa da Década das Nações Unidas para o
Envelhecimento Saudável que procura dar a conhecer exemplos inspiradores nesta
área. Com esta desculpa, falámos-lhe da sua paixão, do seu trabalho:
'Dediquei a minha vida profissional e a minha actividade voluntária a idosos,
mas gostei tanto que não valorizo como
algo extraordinário'
Pergunta.- Você foi recentemente reconhecido como um dos 50 líderes mundiais da iniciativa 'Healthy Aging 50'. O que esse reconhecimento internacional significou para você?
Resposta.- Uma honra verdadeira e
inesperada que, francamente, não creio merecer. Dediquei a minha vida
profissional e a minha atividade de voluntariado aos idosos, mas gostei tanto
que não valorizo como algo extraordinário. É uma sorte poder viver daquilo que você ama.
P.- É muito interessante constatar que
esta iniciativa busca 'exemplos inspiradores' no campo do envelhecimento
saudável. Você acha que estamos no caminho certo? As medidas tomadas
são suficientes?
R.- O caminho é longo e tortuoso, mas
caminhamos para uma mudança radical na consideração da velhice. A perceção
social dos idosos continua a ser indesejável, carregada de estereótipos que não
reconhecem a heterogeneidade deste grupo populacional, que integra gerações
muito distintas. A título de exemplo, centenas de milhares de pessoas
pertencem a este grupo – na maioria mulheres –, que cuidam de suas mães e pais
que também fazem parte do mesmo grupo. Diferentes perfis e problemas em um
grande grupo de cidadãos cada vez mais heterogêneos.
P.- Outro aspecto que se persegue nesta
Década é oferecer um atendimento integrado e centrado nas pessoas. Como
diretor científico do Instituto Matia, você teve um papel fundamental na
promoção da transformação do modelo assistencial...
R.- Bem, contribuí, junto com Fundações
como Pilares ou especialistas como Teresa Martínez, para desenhar um modelo que
hoje se denomina ecossistêmico, com um forte compromisso com a comunidade e a
territorialização das áreas de intervenção, promovendo a perfil profissional do
gestor de caso, essencial para coordenar todos os cuidados envolvidos em cada
caso: famílias, serviços de saúde e sociais, produtos de apoio, comércio local,
setor de emprego e assistência, voluntariado, mundo associativo, etc. Mas
este é um caminho em permanente construção, cheio de resistências porque
implica aquilo a que se chama 'mudança cultural', o que assusta um pouco.
P.- Embora seja verdade que se avançou
muito quando se fala em atenção integral centrada na pessoa, o que é necessário
para que a mudança realmente aconteça?
R.- Falar de cuidados integrados e
centrados na pessoa é uma tarefa enorme, sobretudo pelas mudanças de funções,
pela necessidade de rever o sistema de serviços sociais básicos (ou Cuidados
Primários), o seu modelo e outras questões complexas de
competência. Também pela evidência de que esse modelo requer mais
profissionais e, consequentemente, mais financiamento. Avançamos e algumas
questões não são mais discutidas. Infelizmente, a tragédia do Covid-19 trouxe
à tona deficiências de todos os tipos e, em algumas comunidades autônomas, a
evidência de que o social e o da saúde caminham em caminhos paralelos e que é
muito difícil se encontrarem.
P.- Em relação ao atendimento
domiciliar, a pandemia trouxe à tona algumas deficiências. Você acha que a
lembrança daquela situação vai lembrar das necessidades que devem ser atendidas
ou vai acabar sendo esquecida como uma lembrança ruim?
R.- Tenho muito medo de que a pandemia
já esteja esquecida e não vejo uma vontade determinada de enfrentar as mudanças
necessárias para que as pessoas possam continuar dignamente em seu ambiente,
mesmo quando precisam de muito apoio e cuidado. O serviço de apoio ao
domicílio não está adaptado a situações de pessoas que necessitem de apoio 24
horas por dia. Os serviços públicos dão as costas ao setor do emprego e
assistência, que é o que realmente está resolvendo muitos milhares de
casos. Continuamos a apostar num sistema baseado no cuidado não remunerado
(na sua maioria mulheres) apesar da sua imparável incorporação no mundo do
trabalho. Estão a surgir perfis profissionais provenientes de outros
sectores, como o da assistência pessoal, que se poderiam adaptar muito melhor a
situações de dependência significativa. A dependência hoje precisa de muito
apoio de diversos setores, públicos sobretudo, mas também privados, do terceiro
setor, do meio familiar, do tecido social... em seu lugar, no sentido mais
amplo do termo. Porque sabemos que o cuidado implica a sustentabilidade da
vida. Mas não é muito perceptível...
P.- Os idosos de hoje estão longe desse
grupo de algumas décadas atrás. Na sua opinião, a oferta de serviços e
recursos que você recebe tem se adaptado a esse novo perfil?
R.- Obviamente não. Mas iria um
pouco mais além dos serviços e focaria no papel social dos idosos condenados a
um certo ostracismo a partir dos 60 anos, faltando mais 30 anos e sem
identificar uma função social que os permita ser considerados primeiros-
cidadãos de classe, categoria, com direitos e obrigações. Por outro lado, observamos
certo crescimento de posturas críticas e acusatórias em relação aos idosos,
enquanto consumidores de gastos sociais. É tempo de abrir canais de
comunicação, troca de apoios e transferências entre idades e gerações e um
diálogo aberto que identifique espaços em que possamos compartilhar
responsabilidades, obrigações e também direitos.
P.- A indesejada solidão dos idosos
está se tornando cada vez mais proeminente. Há experiências que estão
sendo realizadas em algumas cidades que parecem ter bons resultados. Qual
é a sua percepção?
R.- Sem dúvida. Existem muitas
intervenções e estratégias para lidar com a solidão, mas muito pouca evidência
científica sobre sua eficácia. Cito 'Grandes Amigos', porque além de fazer
parte dessa fundação, acredito que trabalhamos a partir de um quadro conceitual
que se afasta das abordagens teatrais e assistenciais caritativas, para
promover o acompanhamento das pessoas a partir de uma relação afetiva
horizontal. Realmente fazemos muitos amigos, grandes e não grandes, de
qualquer idade. Já se sabe, a ação voluntária beneficia muito as pessoas
que a praticam. Todos nós ganhamos.
P.- Os dados sobre discriminação por
idade podem ser equiparados à discriminação de gênero ou até
superá-la. Que barreiras terão de ser quebradas para começar a combater
esta situação?
R.- Talvez o mais importante seja o
baixo e pejorativo valor social da velhice. Não é um estágio de vida
desejado, o que é compreensível até certo ponto. Claro que o problema é
que se não chegarmos a esta fase é que saímos mais cedo, e isso também não
agrada. No entanto, as gerações que agora chegam à velhice não vão tolerar
a escandalosa discriminação, infantilização e exclusão que observamos todos os
dias na vida cotidiana. Talvez esta década abra definitivamente um
movimento ME TOO entre as pessoas que estão envelhecendo. E todos aqueles
que defendem uma sociedade democrática igualitária, gentil com qualquer um de
seus cidadãos.
Comentário do Blog: Use o link da fonte para a leitura do texto original, em espanhol. Aqui, usamos o Trdutor Google. Fonte: http://www.entremayores.es/spa/
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