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MAYTE SANCHO CASTIELLO / PSICÓLOGA-GERONTÓLOGA - excelente entrevista

'As gerações que agora estão chegando à velhice não vão tolerar a escandalosa discriminação, infantilização e exclusão que observamos todos os dias na vida cotidiana'

A especialista Mayte Sancho dispensa apresentações em nosso país e talvez, agora, um pouco menos no resto do planeta, já que acaba de ser designada como uma das 50 líderes mundiais do 'Envelhecimento Saudável 50', iniciativa da Década das Nações Unidas para o Envelhecimento Saudável que procura dar a conhecer exemplos inspiradores nesta área. Com esta desculpa, falámos-lhe da sua paixão, do seu trabalho: 'Dediquei a minha vida profissional e a minha actividade voluntária a idosos, mas gostei tanto que não valorizo ​​como algo extraordinário'


Emma Vicente MS 
14-11-2022 See More

Pergunta.- Você foi recentemente reconhecido como um dos 50 líderes mundiais da iniciativa 'Healthy Aging 50'. O que esse reconhecimento internacional significou para você?

Resposta.- Uma honra verdadeira e inesperada que, francamente, não creio merecer. Dediquei a minha vida profissional e a minha atividade de voluntariado aos idosos, mas gostei tanto que não valorizo ​​como algo extraordinário. É uma sorte poder viver daquilo que você ama.

P.- É muito interessante constatar que esta iniciativa busca 'exemplos inspiradores' no campo do envelhecimento saudável. Você acha que estamos no caminho certo? As medidas tomadas são suficientes?

R.- O caminho é longo e tortuoso, mas caminhamos para uma mudança radical na consideração da velhice. A perceção social dos idosos continua a ser indesejável, carregada de estereótipos que não reconhecem a heterogeneidade deste grupo populacional, que integra gerações muito distintas. A título de exemplo, centenas de milhares de pessoas pertencem a este grupo – na maioria mulheres –, que cuidam de suas mães e pais que também fazem parte do mesmo grupo. Diferentes perfis e problemas em um grande grupo de cidadãos cada vez mais heterogêneos.

P.- Outro aspecto que se persegue nesta Década é oferecer um atendimento integrado e centrado nas pessoas. Como diretor científico do Instituto Matia, você teve um papel fundamental na promoção da transformação do modelo assistencial...

R.- Bem, contribuí, junto com Fundações como Pilares ou especialistas como Teresa Martínez, para desenhar um modelo que hoje se denomina ecossistêmico, com um forte compromisso com a comunidade e a territorialização das áreas de intervenção, promovendo a perfil profissional do gestor de caso, essencial para coordenar todos os cuidados envolvidos em cada caso: famílias, serviços de saúde e sociais, produtos de apoio, comércio local, setor de emprego e assistência, voluntariado, mundo associativo, etc. Mas este é um caminho em permanente construção, cheio de resistências porque implica aquilo a que se chama 'mudança cultural', o que assusta um pouco.

P.- Embora seja verdade que se avançou muito quando se fala em atenção integral centrada na pessoa, o que é necessário para que a mudança realmente aconteça?

R.- Falar de cuidados integrados e centrados na pessoa é uma tarefa enorme, sobretudo pelas mudanças de funções, pela necessidade de rever o sistema de serviços sociais básicos (ou Cuidados Primários), o seu modelo e outras questões complexas de competência. Também pela evidência de que esse modelo requer mais profissionais e, consequentemente, mais financiamento. Avançamos e algumas questões não são mais discutidas. Infelizmente, a tragédia do Covid-19 trouxe à tona deficiências de todos os tipos e, em algumas comunidades autônomas, a evidência de que o social e o da saúde caminham em caminhos paralelos e que é muito difícil se encontrarem.

P.- Em relação ao atendimento domiciliar, a pandemia trouxe à tona algumas deficiências. Você acha que a lembrança daquela situação vai lembrar das necessidades que devem ser atendidas ou vai acabar sendo esquecida como uma lembrança ruim?

R.- Tenho muito medo de que a pandemia já esteja esquecida e não vejo uma vontade determinada de enfrentar as mudanças necessárias para que as pessoas possam continuar dignamente em seu ambiente, mesmo quando precisam de muito apoio e cuidado. O serviço de apoio ao domicílio não está adaptado a situações de pessoas que necessitem de apoio 24 horas por dia. Os serviços públicos dão as costas ao setor do emprego e assistência, que é o que realmente está resolvendo muitos milhares de casos. Continuamos a apostar num sistema baseado no cuidado não remunerado (na sua maioria mulheres) apesar da sua imparável incorporação no mundo do trabalho. Estão a surgir perfis profissionais provenientes de outros sectores, como o da assistência pessoal, que se poderiam adaptar muito melhor a situações de dependência significativa. A dependência hoje precisa de muito apoio de diversos setores, públicos sobretudo, mas também privados, do terceiro setor, do meio familiar, do tecido social... em seu lugar, no sentido mais amplo do termo. Porque sabemos que o cuidado implica a sustentabilidade da vida. Mas não é muito perceptível...

P.- Os idosos de hoje estão longe desse grupo de algumas décadas atrás. Na sua opinião, a oferta de serviços e recursos que você recebe tem se adaptado a esse novo perfil?

R.- Obviamente não. Mas iria um pouco mais além dos serviços e focaria no papel social dos idosos condenados a um certo ostracismo a partir dos 60 anos, faltando mais 30 anos e sem identificar uma função social que os permita ser considerados primeiros- cidadãos de classe, categoria, com direitos e obrigações. Por outro lado, observamos certo crescimento de posturas críticas e acusatórias em relação aos idosos, enquanto consumidores de gastos sociais. É tempo de abrir canais de comunicação, troca de apoios e transferências entre idades e gerações e um diálogo aberto que identifique espaços em que possamos compartilhar responsabilidades, obrigações e também direitos.

P.- A indesejada solidão dos idosos está se tornando cada vez mais proeminente. Há experiências que estão sendo realizadas em algumas cidades que parecem ter bons resultados. Qual é a sua percepção?

R.- Sem dúvida. Existem muitas intervenções e estratégias para lidar com a solidão, mas muito pouca evidência científica sobre sua eficácia. Cito 'Grandes Amigos', porque além de fazer parte dessa fundação, acredito que trabalhamos a partir de um quadro conceitual que se afasta das abordagens teatrais e assistenciais caritativas, para promover o acompanhamento das pessoas a partir de uma relação afetiva horizontal. Realmente fazemos muitos amigos, grandes e não grandes, de qualquer idade. Já se sabe, a ação voluntária beneficia muito as pessoas que a praticam. Todos nós ganhamos.

P.- Os dados sobre discriminação por idade podem ser equiparados à discriminação de gênero ou até superá-la. Que barreiras terão de ser quebradas para começar a combater esta situação?

R.- Talvez o mais importante seja o baixo e pejorativo valor social da velhice. Não é um estágio de vida desejado, o que é compreensível até certo ponto. Claro que o problema é que se não chegarmos a esta fase é que saímos mais cedo, e isso também não agrada. No entanto, as gerações que agora chegam à velhice não vão tolerar a escandalosa discriminação, infantilização e exclusão que observamos todos os dias na vida cotidiana. Talvez esta década abra definitivamente um movimento ME TOO entre as pessoas que estão envelhecendo. E todos aqueles que defendem uma sociedade democrática igualitária, gentil com qualquer um de seus cidadãos.

Comentário do Blog: Use o link da fonte para a leitura do texto original, em espanhol. Aqui, usamos o  Trdutor Google. Fonte: http://www.entremayores.es/spa/

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