Começo este artigo com uma indagação: Por que nossa sociedade insiste em não perceber que envelheceu?
No direito de Família, tratamos do Divórcio, da União Estável, da União Monoparental, criamos um Estatuto para a criança e para o adolescente, tratamos dos reflexos do concubinato, mudamos a Adoção, extinguimos a diferença entre os filhos legítimos ou ilegítimos... porém, em nada avançamos no Direito do Idoso?! Por quê? Com o passar dos anos o velho deixa de fazer parte da família? Seus direitos têm apenas cunho previdenciário?
Obviamente, o idoso continua sendo parte da família, e deve ser estudado no campo do Direito que cuida desta Instituição. Seus direitos básicos não devem ser diferenciados, pois esta é uma das maiores formas de discriminação que pode ocorrer. Assim, se os direitos de uma pessoa não se modificam a medida que ela envelhece, a questão é de preservação da identidade, independentemente da idade que esta pessoa tenha. Vale dizer, que não se trata de paternalismo ou protecionismo, ao contrário, trata-se de manutenção de direitos, direitos estes que não devem ser expropriados de ninguém, apenas com base num critério etário, pois como se sabe, velhice não é sinônimo de incapacidade civil!
Infelizmente, não vamos tratar neste artigo da necessidade de resgate da cidadania do idoso, pois pelo que podemos observar, o idoso nunca teve realmente sua cidadania garantida. Trata-se, portanto, de garantir a construção da cidadania do idoso. Construção sim! Porque o idoso nunca foi realmente considerado cidadão capaz de exercer plenamente sua autonomia...
José Geraldo de Brito Filomeno definiu muito bem o que vem a ser cidadania: " Poderíamos conceituar cidadania como a qualidade de todo ser humano, como destinatário final do bem comum de qualquer Estado, que o habilita a ver reconhecida toda gama de seus direitos individuais e sociais, mediante tutelas adequadas colocadas à disposição pelos organismos institucionalizados, bem como a prerrogativa de organizar-se para obter esses resultados ou acesso àqueles meios de proteção e defesa."
Com efeito, o conceito moderno de
cidadania é muito mais amplo que nossa herança do latim "civis,
is" que significa cidadão ou "civilis”
e que nos deu civil, (do
cidadão ou da cidade). No
início da civilização romana a única preocupação era o gozo dos direitos civis
e políticos, ou seja, o status dos
homens (não das mulheres) perante a sociedade política, e assim mesmo a chamada
"liberdade de participação" era restrita principalmente as
"cúrias" e "centúrias", que eram assembleias convocadas
para a escolha dos antigos reis. No entanto, a autonomia que sintetiza as
garantias e direitos individuais e sociais por extensão, era-lhes totalmente
desconhecida. Consequentemente, havia uma segregação absoluta entre os que
detinham o chamado "status
civitatis romanus" e os e as outras pessoas sem esse almejado
privilégio.
Podemos, então, entender cidadania
como o ato de comprometer-se com os valores universais da Liberdade e da Vida
condicionados pela Igualdade. Este compromisso implica em reconhecer a
humanidade como grupo social e considerar as relações humanas como relações de
reciprocidade. (O sábio Socrátes antecipando-se mais uma vez ao seu tempo,
afirmava a quem lhe perguntasse: " Não sou de Atenas, nem da Grécia, mas
do mundo.")
A cidadania pressupõe o desenvolvimento de valores éticos que se objetivam nas seguintes virtudes cívicas: solidariedade, tolerância, justiça e valentia cívica, engendradas na relação da vida pública e vida privada.
A legitimidade social destas virtudes significa a constituição de cidadãos que apoiam a construção de um mundo sociopolítico mais justo, onde a dominação e a submissão sejam superadas.
Cidadão é aquele que luta para que todos sejam cidadãos, é aquele
que participa, que conquista a autonomia, que não é tutelado.
A cidadania não é uma interação primária e por isso é adquirida no convívio e precisa ser cultivada; supõe valores éticos e implica em redução de espaços individuais para oportunizar ao outro ocupar um espaço que é de todos. A expressão cidadania está hoje em toda a parte, num certo sentido, isso é positivo porque demonstra que a expressão ganhou espaço na sociedade, mas por outro lado, existe a necessidade emergente de delimitar seu significado. Neste ponto, encontramos a ética!
Podemos então criar uma relação interessante: a ética, enquanto conjunto de princípios que norteiam o comportamento da sociedade, tem que absorver um novo paradigma em relação ao idoso. Ou seja, entre os princípios que regem a sociedade, deve existir o respeito ao idoso no sentido mais amplo que for possível. Esta "nova ética" será capaz de garantir o espaço social que o idoso merece, e que não lhe pode mais ser negado. Neste momento, seremos capazes de reconhecer a cidadania do Idoso, e a partir desta inserção social, abriremos nossos horizontes no sentido de nos prepararmos para o ciclo natural da vida e então, talvez, será mais fácil reconhecer que começamos a envelhecer no momento em que nascemos...
No Brasil, como em vários outros países do mundo, os idosos não
exercem sua cidadania, ao contrário, na etapa da velhice existe um processo de
expropriação de autonomia. Para Anthony Giddens a autonomia de ação está
intrinsecamente relacionada à emancipação, que significa liberdade e condição
de se relacionar com as pessoas de modo igualitário. Sendo assim, a autonomia é
fundamental para o exercício da cidadania.
No caso específico do idoso a dimensão de liberdade e consequentemente, o exercício da cidadania, depende da criação de condições favoráveis à manutenção de seu poder de decisão, escolha e deliberação. Tais condições serão efetivadas quando a sociedade perceber que precisa mudar seu comportamento em relação ao envelhecimento... se a ética é um conjunto de princípios que norteiam as ações humanas, ela é um instrumento capaz de garantir ao idoso o respeito aos direitos sociais, espaços de participação política e inserção social.
A ética é, portanto, uma reflexão crítica sobre a moralidade. Mas
ela não é puramente teoria. A ética é um conjunto de princípios e disposições
voltados para a ação, historicamente produzidos, cujo objetivo é balizar as
ações humanas. Ela existe como uma referência para os seres humanos em
sociedade, de modo tal que a sociedade possa se tornar cada vez mais humana.
Sob a forma de uma atitude diante da vida cotidiana, a ética pode
e deve ser incorporada pelos indivíduos, capaz de julgar criticamente os apelos
acríticos da moral vigente. Mas a ética, tanto quanto a moral, não é um
conjunto de verdades fixas, imutáveis. Ela se move, historicamente, se amplia e
se adensa. Para entendermos como isso acontece na história da humanidade, basta
lembrarmos que, um dia, a escravidão foi considerada " natural"!
No Brasil, temos motivos de sobra para nos preocuparmos com a
ética. O fato é que em nosso país assistimos a uma degradação moral acelerada,
principalmente na política.
O tipo de desenvolvimento econômico vigente no país tem gerado
estruturalmente e sistematicamente situações práticas contrárias aos princípios
éticos: gera desigualdades crescentes, gera injustiças, rompe laços de
solidariedade, reduz ou extingue direitos, lança populações inteiras a
condições de vida cada vez mais indignas. Ou seja, a classe dos excluídos está
cada vez maior, dentre esses, temos os idosos. A sociedade brasileira está
despreparada para receber a população crescente de idosos, afinal, o aumento da
média de vida do brasileiro ainda não foi assimilado pela própria população.
Infelizmente, como afirma Simone de Beauvoir, a classe dominante adota a posição cômoda de não considerar os velhos como homens: "se lhe ouvíssemos a voz, seríamos obrigados a reconhecer que é uma voz humana." Na etapa da velhice, é comum observarmos que as pessoas que cercam o idoso, frequentemente têm atitudes que contribuem para que ele vá perdendo a sua autonomia. Uma das piores formas de exclusão do idoso é seu isolamento em casa ou seu asilamento e na maioria das vezes a família, seguida pela sociedade e o Estado, aparece como principal responsável pela expropriação da autonomia do idoso. A família, sob o pretexto de cuidar do bem-estar do seu idoso, de protegê-lo e poupá-lo, alija-o das decisões e tira sua liberdade de escolha chegando a decidir o que ele deve comer e vestir.
Frequentemente a família assume a administração dos bens do idoso,
que podem ser muitos ou simplesmente a aposentadoria, desfaz sua casa e cria
uma forma de dependência cada vez maior. Como consequência, o idoso torna-se um
dependente, perde a autonomia e não controla nem mesmo seu próprio dinheiro. Ele
passa a ter que justificar seus gastos, passa a ser controlado... alguns reagem
a essa expropriação de autonomia, outros, no entanto, sentem-se frágeis demais
para mudar a situação e tomar novamente as rédeas da própria vida...
Portanto, assim como a ética não é um produto que possa ser
elaborado, o envelhecimento não pode ser visto apenas como um tempo linear,
segundo o qual contamos dias, meses e anos, mas o tempo interno em que
recolhemos nossas experiências. Um tempo vivido. Um tempo que pertence a cada
um é intransferível.
O que ocorre é que muitas pessoas têm dificuldade em perceber que
a velhice é mais que uma simples sequência de anos e acontecimentos. A vida do
idoso não se resume ao tempo de sua juventude, não se resume às suas
lembranças. A vida do idoso continua e sua história pessoal se cruza com as
histórias de outras pessoas, independentemente da idade. Assim, "o homem não está no tempo é o tempo que está no homem."
O tempo deve ser repensado quando falamos de princípios éticos e
quando falamos de envelhecimento. Precisamos, enquanto estudiosos do direito de
família, sair da concepção popular de tempo para podermos conceber que ele se
comunica com o sujeito humano e com seus princípios éticos e morais. O tempo
não é apenas um processo real, é também uma sucessão de
eventos, há um futuro e um passado que estão em um estado de preexistência
eterna e de sobrevivência.
O tempo, à medida que é vivido pelas pessoas, é capaz de modificar princípios éticos, à medida que as próprias pessoas sofrem mudanças... o quê já dissemos, a escravidão já foi considerada legal, moral e até ética. Mas o passado e o futuro retiram-se, movem-se para a subjetividade numa busca, não de sustentação real, ao contrário, de possibilidade de ser, que esteja de acordo com a natureza das pessoas e os sinais da época. Desta forma, a escravidão passou a ser vista com outros olhos; de legal, passou a tolerável, depois ilegal, até chegar a ser inconcebível nos dias atuais.
Podemos dizer que os princípios éticos surgem à medida que novas
situações são colocadas diante da sociedade. Uma sociedade que não tem velhos,
não se preocupa com eles! Mas à medida que essa sociedade envelhece, passa a
perceber que uma conduta precisa ser estipulada... Os cidadãos envelheceram,
mas continuam querendo exercer sua autonomia, no entanto, a sociedade (e a
própria família), só enxerga o outro como velho e não a si própria.
Neste sentido, enquanto a sociedade não se identificar como
"envelhecida" ou "envelhescente" ela não conseguirá deixar
de considerar o velho uma categoria à parte. Tanto é assim que quando se decide
sobre o Estatuto Econômico do idoso, parece que eles pertencem a uma espécie
estranha: os velhos não têm as mesmas necessidades nem os mesmos sentimentos
dos outros homens e. portanto, basta conceder-lhes uma miserável esmola para
que a sociedade se sinta desobrigada em relação a eles.
Os economistas e legisladores credenciam essa cômoda ilusão quando
deploram o peso que os " não ativos" representam para os
"ativos" como se estes últimos não fossem futuros "não
ativos" e como se não estivessem assegurando seu próprio futuro ao
instituir o amparo aos idosos.
É chegada a hora da ética brasileira, enquanto conjunto de valores
e princípios que norteiam as ações da sociedade, reconhecer a necessidade e a
obrigação de respeito aos direitos dos idosos. Não há mais espaço para a
omissão. Não há mais como deixar de entender que aquele homem que envelhece
continua existindo e manifestando os mesmos desejos, os mesmos sentimentos, as
mesmas reivindicações de quando era jovem.
Por que os idosos escandalizam? Neles, o amor e o ciúme parecem
odiosos ou ridículos, a sexualidade repugnante, a violência irrisória. Eles têm
que dar o exemplo de todas as virtudes e de eterna serenidade? A serenidade não
deve ser confundida com conformismo da infelicidade.
Segundo Simone de Beauvoir, a imagem que a sociedade propõe ao idoso é a do sábio aureolado de cabelos brancos, rico em experiência e venerável, que domina de muito alto a condição humana; se dela se afasta, cai no outro extremo: a imagem que se opõe à primeira é a do velho louco que caduca e delira e de quem as crianças zombam. De qualquer maneira, por sua virtude ou sua abjeção, o velho situa-se fora da humanidade. Pode-se, portanto, sem escrúpulo, recusar-lhe o mínimo julgado necessário para levar uma vida de homem.
É evidente que o exercício da cidadania pelo idoso, varia bastante
de um país para o outro, em função de fatores como as tradições culturais
(impondo um maior respeito aos mais idosos, como é o caso do Japão, as
condições econômicas do país, que permitem um mais amplo e completo serviço de
assistência social a exemplo da Suécia e da França. Mas o Brasil já é
civilizado o suficiente para reconhecer a falta de ética que tem caracterizado
o tratamento dado à velhice e suas consequências naturais.
A maneira como se equaciona a questão previdenciária, também afeta
a questão da cidadania do idoso. Uma melhor renda aos aposentados (os
aposentados europeus, em geral, percebem uma renda significativamente elevada)
pode garantir o exercício da autonomia, uma vez que eles não dependem de
terceiros para manterem-se com dignidade. Neste sentido, o Brasil tem um marco
inicial em relação à construção da cidadania na velhice: a Constituição Federal
de 1988 desencadeou um debate que contou com a participação de aposentados
empenhados na luta por suas reivindicações.
Inaugurou-se assim, por parte dos idosos, uma notória atitude de
organização e reivindicação de direitos, que foi amplamente divulgada pelos
meios de comunicação e que lhes deu visibilidade social. A auto-organização é,
portanto, essencial para a garantia de seus direitos, unidos eles podem exercer
maior pressão à sociedade e ao Estado.
Segundo A. O. Hirschman o governo não se preocupa com a saída
maciça da política, pelo contrário, a indiferença dos cidadãos lhe é
interessante, pois sair da política, ou seja, não exercer sua cidadania e seu
direito de escolha, significa uma aceitação indireta do tipo de
governabilidade. Somente o próprio cidadão se prejudica quando não exerce sua
cidadania.
O Envelhecimento, Cidadania e Ética; o encontro dessas vertentes me remete a uma única palavra: RESPEITO! Falar de envelhecimento é falar da vida, do natural processo de viver, iniciado com o nascer biológico, a partir do qual nos tornamos todos envelhescentes. Esse é o curso natural da existência humana.
A ONU estabelece como critério para o envelhecimento, no decorrer
do curso cronológico da vida, o ingresso nos 60 anos. No entanto a velhice é um
processo individual.
O maior empecilho em relação ao reconhecimento da
identidade-cidadã na velhice é que o Brasil ainda não percebeu que não é mais "o país do
futuro", de vinte ou trinta anos atrás. Nessa época, a
expectativa de vida era relativamente pequena, em virtude das péssimas
condições sanitárias, de falta quase que total de saneamento básico, da saúde pública
extremamente deficiente, da desinformação, do atraso na medicina, das
altíssimas taxas de natalidade. A expectativa de vida nas grandes cidades,
dotadas de melhores recursos e geralmente com melhor infraestrutura sanitária e
melhor rede hospitalar, mal se avizinhava dos sessenta anos de idade, sendo
que, concomitantemente, em alguns lugares mais atrasados e mais pobres,
notadamente no Nordeste, essa expectativa situava-se abaixo dos quarenta anos
de idade. Nessas condições, facilmente se compreende que não houvesse, em nosso
País, ao contrário de vários países do chamado Primeiro Mundo (cuja população
há muito já se encontra envelhecida), grandes preocupações com as pessoas
idosas, exceto no que se refere à tradicional questão previdenciária, voltando-se
as atenções, principalmente, para as pessoas mais jovens, ainda em condições de
produzir em sua máxima capacidade.
No entanto, esse panorama mudou! E diversos fatores que
contribuíram para essa mudança, tais como o desenvolvimento da medicina, com a
descoberta da cura ou da prevenção de várias doenças antes mortais, a expansão
dos serviços básicos de saneamento a uma maior faixa da população, a melhoria
das condições no serviço de saúde pública (embora ainda muito abaixo do
desejável), a melhoria das condições de higiene, a adoção de campanhas de informação e a
redução das taxas de natalidade. Mas, foge ao âmbito deste pequeno trabalho a
análise de como se deu a contribuição de cada um desses fatores mencionados ou
mesmo qual deles teve maior importância. O que nos interessa é constatar que,
como consequência imediata de todos esses elementos apontados, o Brasil deixou
de ser um País com imensa predominância de jovens!
De fato, a redução dos nascimentos e o aumento espantoso da
expectativa de vida média, fizeram com que a idade média da população
brasileira desse um grande salto, ao ponto de se poder apontar, como fez
Wladimir Martinez, que "o fato de
as pessoas estarem vivendo mais é o dado demográfico e sociológico mais
importante do final do século XX"
O grande problema é que não estava o Brasil preparado para as consequências desse súbito aumento nas expectativas de vida, que fez surgir uma geração de pessoas velhas, ainda aptas a trabalhar em uma idade na qual, até então, normalmente se esperava que já estivessem mortas ou sem qualquer condição para o trabalho, mas para as quais não havia qualquer vaga de trabalho disponível. E mais, essas pessoas surgiram em grande número, provocando aumento geométrico nos gastos necessários para que fossem amparadas pela previdência social.
Em paralelo, outros fatores, que não podem ser desprezados,
contribuíram sobremaneira para o agravamento do problema. Em primeiro lugar, a
vida longeva expõe de modo mais cruel e acentuado a fragilidade dos mais
idosos, revelando-os incapazes de se defender e de se manter com suas próprias
forças e tornando-os excessivamente dependentes da família, que com isso lhes
vai perdendo o respeito. Em segundo lugar, o inacreditável progresso
tecnológico dos últimos anos fez com que fosse desprezada, em sua maioria, a
experiência acumulada pelos mais velhos ao longo de décadas e décadas de
trabalho. Aquelas habilidades adquiridas na labuta diária, que até então vinham
sendo artesanalmente transmitidas de geração para geração, de pai para filho ou
simplesmente para empregados mais novos da mesma empresa, de uma hora para
outra não serviam para mais nada, eis que as decisões que antes dependiam da
habilidade e dos segredos da profissão passaram a ser tomadas por um programa
de computador, no mais das vezes limitando-se o trabalhador a apertar algum
botão ou a realizar alguma outra tarefa igualmente mecânica e repetitiva. Com
tudo isso, os idosos foram, cada vez mais numerosos, perdendo o espaço social
que lhe era atribuído. Em paralelo, como sói ser evidente, foi o idoso perdendo
a sua autoestima.
Além de tudo o que acima se apontou, a previdência social foi
planejada e implementada para um país, como já mencionamos acima,
essencialmente jovem, no qual havia várias pessoas jovens trabalhando e contribuindo
para o sistema, em relação a cada um trabalhador que, atingindo a idade legal,
vinha a se aposentar. Nas condições em que a nossa previdência foi
implementada, inicialmente teve condições de sobreviver ao desvio de suas
receitas para outras finalidades, aos ataques de pessoas mal-intencionadas que
durante anos assaltaram os cofres públicos, criminosamente desviando os
recursos previdenciários. Só que, com o já mencionado envelhecimento da
população, a situação rapidamente se inverteu, por isso que agora temos,
aproximadamente, duas pessoas trabalhando para cada uma que, aposentada,
percebe os benefícios previdenciários, enquanto continua o próprio governo
federal a desviar os recursos previdenciários para outras finalidades. O
resultado desta falta de ética política só poderia ser o da total falência no
nosso sistema previdenciário, como ora acontece, sendo que os principais
reflexos – e aqui fazemos a ligação do tema com o assunto do nosso trabalho –
se fazem sentir exatamente quanto aos idosos, a quem só é possível destinar uma
pensão de valor geralmente miserável e sem possibilidades de lhes estender
outros e maiores benefícios.
Com uma aposentadoria insuficiente, a grande maioria dos idosos brasileiros torna-se dependente dos "favores" (ou reconhecimento, o que é raro!) de seus familiares. Essa dependência financeira é mais uma contribuição para a perda da autonomia na velhice. E mesmo que o Código Civil Brasileiro estabeleça, no artigo 397, que o direito à prestação alimentar é recíproco entre pais e filhos, a família (e porque não dizer a sociedade), não reconhece que o idoso tem o direito de ser sustentado quando seus vencimentos não são suficientes para uma vida digna. Mais uma vez, verifica-se a falta de ética no tratamento ao idoso. Se a família – célula mater da sociedade - não é ética em relação aos seus parentes envelhecidos, obviamente, a sociedade não será!
Precisamos de um conceito de cidadania multigeracional, em virtude do qual se convida a cada geração que dê forma ao mundo público, considerado sempre como um mundo contínuo, que existia antes do nascimento das gerações e seguirá existindo depois da morte. Os legados às gerações futuras são de responsabilidade coletiva dos cidadãos de hoje, e envolvem desde o capital natural, o meio ambiente, o capital físico, infraestrutura, instalações e equipamentos, o capital financeiro, poupança, o capital social, instituições e estruturas e o capital cultural, os valores, princípios e conceitos que se transmite de uma geração a outra.
É preciso entender que se as pessoas tendem a envelhecer, em atividade ou não, com qualidade de vida ou não, é necessário voltar a preocupação para as necessidades delas. Assim, desde as normas de construção de edifícios e o transporte coletivo, passando pelos produtos e pelo lazer, tudo deve ser feito de modo que qualquer cidadão possa ter acesso. Não se pode codificar o exercício da cidadania! As pessoas idosas e também os deficientes físicos, devem ser incluídos na vida social e essa deve ser a preocupação básica da família, da sociedade e do Estado.
Outro fator que merece ser realçado, por sua importância, é questão cultural, vale dizer, precisamos urgentemente buscar uma mudança da mentalidade social. Em outras palavras, o que acontece é que a sociedade brasileira simplesmente não foi educada para prestar o devido respeito às pessoas idosas. A cultura do país não tem entre um de seus pilares a reverência aos seus antecessores, como acontece por exemplo no Japão, e ao mesmo tempo também não temos em nosso País a assistência estatal eficiente, como sói acontecer em países como a Alemanha e a Itália. Dois exemplos deixarão claro como a questão é, acima de tudo, cultural, sendo que a antropologia é capaz até mesmo de revelar algumas situações curiosas: os esquimós, durante algum tempo, adotaram uma solução radical, e só alimentavam seus velhos enquanto esses não atrapalhavam o deslocamento do grupo através das vastas paisagens geladas. Mas quando o velho ficava muito fraco para caminhar, era abandonado numa tempestade de neve ou sacrificado pelo próprio filho, em um rito cerimonial. Por outro lado, na antiga Escandinávia, se um ancião não mais conseguia trabalhar, comprovava a sua debilidade diante de um conselho da comunidade, e a partir daí lhe era garantido o direito de passar seis dias em cada uma das casas do grupo local, sendo que todos se revezavam para bem alimentá-lo e para tratá-lo como um hóspede importante. Para estes lados do novo mundo, contudo, o respeito aos idosos sempre foi menor. De fato, os estudos comprovam – e aqui mais uma vez se realça o fator cultural – que os idosos sempre foram mais respeitados no Japão e na Europa, e menos respeitados na América, em comparação com o resto do mundo.
Dessa forma, reiteramos que o Brasil precisa definir – e com
urgência – uma conduta ética (tais palavras deveriam ser sinônimas, mas não
são), desenvolvendo mecanismos de assistência ao idoso, sendo certo que tais
mecanismos deverão se iniciar com uma ampla política de conscientização da
população, em relação aos direitos da 3ª idade à uma velhice digna. Aliás, nas
emissoras de televisão frequentemente se veem campanhas contra o trabalho
infantil, contra a poluição das praias, contra o sexo sem preservativo. Não se
discute, aqui – mesmo porque fugiria totalmente à temática desenvolvida – a
importância de cada uma dessas campanhas. No entanto, não se pode deixar de
questionar o seguinte: porque não é feita, também, uma campanha que esclareça a
população sobre a necessidade do tratamento adequado aos idosos, que tente
reduzir os índices de violência contra essas pessoas e, principalmente, que
sirva para conscientizar os idosos que eles também têm direitos, que também são
cidadãos como qualquer outro, e não cidadãos de segunda classe.
A construção da cidadania do idoso
é fundamental para o desenvolvimento de um país mais justo. A ética, como já
discutimos anteriormente, tem que agregar o princípio do respeito à autonomia
dos que envelhecem. A sociedade tem que mudar seu comportamento em relação ao
idoso, pois uma sociedade consciente dos direitos daqueles que envelhecem é
capaz de mobilizar o Estado para regulamentar e garantir o espaço social
reservado aos velhos e envelhescentes.
Neste ponto, temos que ressaltar que o Direito é um fenômeno
eminentemente social, mas é certamente, um fenômeno inconcluso. Assim, nunca se
pode dizer que o sistema jurídico de um povo está fechado. Sempre haverá
necessidade de novas leis a regerem novos eventos sociais.
A cidadania do idoso pode ser considerada um dos maiores avanços a
serem obtidos pela sociedade, não há como ignorar que o idoso precisa continuar
exercendo suas escolhas e continuar sendo titular de direitos e deveres perante
a sociedade. Sem embargo, temos que reconhecer o Direito Constitucional e o
Direito Previdenciário têm ao menos levantado a questão do Direito do Idoso,
mas infelizmente o Direito de Família não tem acompanhado tais avanços.
Percebemos então, um ciclo doentio causado pela omissão do Direito
de Família, na questão do envelhecimento: a família moderna não é mais nuclear e,
portanto, deixou de ter significado político ou social de grupo. Deixou de ser,
igualmente, unidade econômica, que produzia para o próprio consumo. A economia
doméstica foi praticamente eliminada pela economia de mercado, só se fala em
coesão quando fundada em interesses materiais. Em consequência dessa evolução,
a família moderna contrai-se e ganha novo sentido, mas não se anula como célula
da sociedade. O Estado deve intervir à medida em que a família se modifica,
para protegê-la e impedir que ela se desintegre. Se o estado intervém, a
família continua existindo. O reconhecimento da importância social da família
induz o legislador a atribuir cunho imperativo à maioria dos preceitos do
Direito de família, emprestando a vários destes princípios o caráter de ordem
pública. Contudo, quando se trata do envelhecimento, o que se nota é a ausência
do Estado... essa ausência provoca a crise da família, que não tem como cuidar
dos seus integrantes envelhecidos. A aposentadoria é ínfima e não sustenta as
necessidades básicas dos que aposentam. A saúde pública é um caos e por isso os
planos privados de saúde têm mercado garantido e não sofrem com a concorrência
estatal. No fim deste ciclo, percebe-se que o idoso fica a mercê da caridade
alheia, seus direitos não são reconhecidos e sua autonomia é expropriada pela
família que o mantém. O Estado o ignora como detentor de direitos e a família o
desvaloriza enquanto a sociedade tenta livrar-se de qualquer obrigação,
imputando ao Estado (fecha-se o ciclo) toda a responsabilidade que na verdade
deveria ser dividida entre esses três polos:
" I – A família, a sociedade e o Estado têm o dever de
assegurar ao idoso todos os direitos da cidadania, garantindo sua participação
na comunidade, defendendo sua dignidade, bem-estar e o direito à vida;
II – O processo de envelhecimento diz respeito a sociedade em
geral, devendo ser objeto de conhecimento e informação para todos;"
Portanto podemos afirmar que o Estado, através do Direito, precisa reconhecer os novos paradigmas da sociedade. Afinal, a família não é mais só formada pelo casamento, ela adquiriu novas formas e tem agora integrantes que envelheceram e não morreram, ao contrário, continuam tentando assumir a plenitude de sua cidadania e lutando para preservar seu espaço social. e ao Direito brasileiro reconhecer que o idoso não é um cidadão de segunda classe, mas uma pessoa mais bem dotada cronologicamente. A sociedade e a família, consequentemente, precisam entender o envelhecimento de seus integrantes como uma evolução e não como um peso! Quando reconhecermos o potencial de nossos membros idosos, passaremos a lutar para que o Direito os reconheça como cidadãos. E finalmente, uma vez que os idosos tenham sua cidadania reconhecida e garantida, será possível dividir entre a Família, o Estado e a Sociedade, a responsabilidade e o prazer de cuidar daqueles que estão envelhecendo.
Quando estivermos neste grau de evolução, estaremos conquistando o
nosso próprio espaço no futuro e resguardando a nós mesmos um envelhecimento digno.
Neste momento, poderemos nos identificar como uma sociedade ética,
que reconhece todos os ciclos da vida e os preserva sem distinção. A criança, o
adolescente, o adulto e o idoso têm o mesmo espaço social e o mesmo direito ao
respeito, respeito esse entendido na sua forma mais ampla.
Enfim, no caso do segmento social dos idosos em nossa sociedade, a
cidadania não tem que ser resgatada ou recuperada, tem que ser construída, uma
vez que a população não chegou a vivenciar melhores condições de existência. Trata-se,
portanto de um processo evolutivo de construção dos direitos dos idosos a
partir do acesso ao espaço público, fundamentado na consciência social (o
reconhecimento desses direitos) e na liberdade de pensamento conjugadas à ação.
Segundo Miguel Reale "As
normas éticas não envolvem apenas um juízo de valor sobre os
comportamentos humanos, mas culminam na escolha de uma diretriz considerada
obrigatória numa coletividade. Da tomada de posição axiológica resulta a
imperatividade da via escolhida, a qual não representa assim mero resultado
numa decisão, arbitrária, mas é a expressão de um complexo processo de opções
valorativas, na qual se acha, mais ou menos condicionado, o
poder que decide."
É imperativo,
emprestando a expressão usada pelo mestre, que a sociedade passe a reconhecer o
idoso como cidadão que é. A atribuição da identidade-cidadã do idoso é o único
resultado possível entre as opções valorativas da sociedade. Não se permite
mais a omissão em relação ao envelhecimento, suas consequências e suas
necessidades.
E, se ainda vivemos em uma sociedade obcecada pela ideia do novo
que desqualifica a memória e banaliza do velho, chegamos ao tempo da
intolerância! Se queremos realmente proteger aquele que envelheceu, temos que
assegurar que sua cidadania não diminui a medida que os anos passam. Temos que
garantir que sua velhice será tratada com ética.
Concluo este artigo enfatizando que a velhice é uma construção
cultural, cujo conceito está relacionado com época vivida (em 1900 a
expectativa de vida da mulher era de 33.7 anos e um homem de 50 anos já era
considerado velho) e por esse motivo, os valores éticos da sociedade têm que
acompanhar a evolução dos tempos.
Não podemos continuar a ignorar que somos um país formado por
quase 15% de cidadãos com mais de sessenta anos. Precisamos nos conscientizar
que não somos mais um país de jovens, somos um país que está envelhecendo.
Devemos nos apoderar desta realidade fática o quanto antes e assegurar nossa
própria velhice, assegurando os direitos dos que já envelheceram.
A ética que foi negada aos idosos dos séculos passados, deve
nortear o relacionamento entre a sociedade e os idosos deste início de século.
Garantir os direitos dos que estão envelhecendo agora é um dever que não
podemos passar para as gerações futuras, já adiamos o reconhecimento da
cidadania do idoso por muito tempo, e se não podemos redimir os erros cometidos
no passado, pelo menos podemos impedir que eles continuem a acontecer.
- Bibliografia
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- Assuntos relacionados - Direito
ConstitucionalOrdem
Social
- Sobre a autora: Pérola
Melissa Vianna Braga
- Advogada, professora universitária, mestre em Direito Civil pela PUC/SP.
- Como
citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)
- BRAGA, Pérola Melissa Vianna. Envelhecimento, ética e cidadania. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 6, n. 52, 1 nov. 2001. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2389. Acesso em: 31 mai. 2022.
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