Comentário do Blog: Reencontrei este artigo que estava muito bem guardado e com informações que pediam para ficar disponíveis. Publicado em 2012, e atualíssimo. Ei-lo aqui e boa leitura.
1 - Introdução
Se formos analisar do ponto de vista cronológico, uma pessoa é considerada idosa a partir dos 60 anos. Porém se isso for visto com base em outros fatores ainda é possível encontrar idades além desta, uma vez que nos países desenvolvidos, as condições de vida propiciam uma maior longevidade com maior qualidade, o que acaba por retardar o processo de envelhecimento.
Biologicamente falando a senilidade começa a partir do declínio de certas características físicas. Este declínio está relacionado ao desgaste do organismo como um todo, desde o sistema imune até a estrutura óssea, muscular, a capacidade de se processar determinadas substâncias, e a própria função cerebral pode ficar diminuída. O que é importante destacar é que ser idoso não significa ser doente. Quando dizemos que poderá eventualmente culminar em determinada doença, queremos dizer que isso pode demorar mais ou menos para acontecer, e que não acontece necessariamente com todos os indivíduos.
Mesmo que envelhecer e morrer seja experiências vitais e comuns de cada ser, são peculiares a cada época, cultura e lugar na história da humanidade. O envelhecimento hoje é tema de interesse mundial tendo em vista o aumento de idosos, já que as expectativas de vida hoje são bem maiores que na antiguidade devido aos recursos tecnológicos utilizados pela medicina nas suas terapias contra as patologias.
A religiosidade e a espiritualidade são temas de destaque com esta nova realidade, pois, observa-se uma valorização das crenças e dos ofícios espirituais por parte do público idoso que sentem a necessidade de se manterem inseridos neste contexto. É como se a religião os mantivesse vivos e socialmente ativos.
Apesar de ser novo, o termo bioético se instalou nos campos de estudos e das ciências envolvidas com bastante força, porém, é bom salientar de sua importância nos processos de pesquisa, uma vez que é necessário ter discernimento ético para escolhermos este ou aquele método que não firam a dignidade do ser humano no processo de aquisição de mais conhecimento e que lhes proporcionem sempre mais perspectivas de qualidade de vida e felicidade de viver.
O processo de envelhecimento é algo que acompanha a todos desde o nascimento. O que torna a velhice tão difícil de ser aceita é que esta é a fase em que a vida mais se aproxima do seu final, chegando a ser vista como sinônimo de morte para algumas pessoas. Mas devemos lembrar que a morte não é privilégio dos idosos. É preciso compreender a velhice, sem eufemismos, como qualquer outra fase da vida – parte de um processo natural e próprio de cada ser.
2 – Desenvolvimento
A finitude é inerente à condição de um ser vivo. Pode ser aplicada a um ser inanimado. Quanto mais se vive a senilidade se manifesta nos indivíduos, o tempo não perdoa quem quer que seja. Por sermos finitos nossas ações se esgotam na morte biológica do ser. Isso causa angustia, uma vê que de forma consciente e ou inconsciente temos em nos o desejo e as expectativas na infinidade, isso se dar devido nossa criação ser à imagem e semelhança de um Deus divino e eterno.
“O tempo acompanha a humanidade de muitas formas. A arqueologia revela que o homem, ainda nas suas formas as mais primitivas, já buscava um entendimento do tempo, enquanto desenvolvia a consciência de que se encontrava sob os feitos do próprio tempo. A compreensão do tempo tornou-se assim uma tarefa permanente para a humanidade, que até hoje não foi concluída” (Py e Trein pag. 1353)
Em termos simples podemos definir a finitude como algo que está fixada no corpo físico, ou seja, na cotidianidade da aventura humana e a infinitude como algo que atravessa o imaginário, nas ilusões do desejo humano de ser eterno. Isso se dar devido ao fato de amarmos a terra e suas maravilhas, nossa prole, amigos e tudo que nos rodeia em forma de natureza. A espiritualidade também nos deixa marcas de um universo infinito, e que todo tempo que se vive ainda é pouco para tantas maravilhas e bênçãos de um criador que é eterno.
“O tema da finitude, articulado ao envelhecimento, nos convida a uma profunda reflexão, pois esse estudo nos leva até as fronteiras da vida, ao encontro dos nossos velhos e dos nossos mortos; à recusa da nossa velhice e da nossa própria morte. Aguça-nos a interpelação mais íntima, enquanto sujeitos desejantes e sempre frustrados na satisfação imaginada. Oscilando na incerteza, e mergulhados na dúvida, somos impelidos a procurar, em nossos estudos, uma compreensão desses fenômenos vitais que pautam nossa existência.” (Py e Trein pag. 1353)
Os idosos acumulam anos e isso é parte concreta de sua existência no tempo é no espaço. Ser alguém é você se colocar na vida num processo dinâmico. È por isso que nascemos, crescemos, criamos consciência de nossa existência, casamos, procriamos, temos netos, e nesta face da somos idosos, com uma bagagem imensa de experiências. E todos os acontecimentos que fomos acumulando ao longo nos anos, nos fazem gente, nos faz existir para nos e para os outros, assim, passamos a ter uma melhor compreensão de nos mesmos e da vida e do ele representa de fato para nós. Desta maneira encaramos de forma saudosa e positiva o nosso processo de envelhecimento e vemos que as coisas valem a pena, que somos importantes e que mesmo fragilizados ainda se pode ter dignidade na vida. Todo o sentido da vida está na questão do futuro que nos aguarda: se não sabemos o que queremos, então não podemos saber o que somos.
“[...], envelhecer requer autopossessão e integração, como qualquer outro estágio da vida, tal como a adolescência, a juventude ou a idade adulta. A velhice terá um sentido no fim somente se a vida tiver um sentido no seu todo. O inevitável é que, nos últimos anos, existe uma perda, diminuição dos talentos e das capacidades. Deve-se encontrar um novo sentido para de vida que sustente tal experiência, uma ressignificação. Frequentemente entendemos a velhice como direcionada para a morte, mas não devemos esquecer que ela é também direcionada para o crescimento” (Pessini, pag. 154)
A vida pode e deve ser contemplada em todo o seu ciclo e não nos martirizarmos com o fato de que um dia iremos envelhecer, pois, isso acontecerá de fato com todos. Cada estágio que a vida nos apresenta tem suas glórias, batalhas, superações e recuos, e não é diferente na velhice, é apenas mais uma jornada a ser vivida e termos consciência disso nos ajudará a enfrentar seus dilemas e desafios com a cabeça erguida de sempre.
Na era contemporânea em que vivemos, onde um arsenal de tecnologia nos dão conforto e ocupações jamais vistas em décadas passadas, o homem se ver muitas fezes ocupado demais para dedicar tempo em cuidar de uma população envelhecida que só aumenta dia a dia. Sendo assim ver-se muitos idosos sem amparo familiar adequado no suprimento de suas necessidades muitas vezes tidas como básicas. Ai surge uma pergunta reflexiva: Será que não mais conseguimos nos enxergar nossa semelhança nestes idosos? Amanha seremos um deles e certamente não queremos menos do que vamos necessitar. É urgente que nos enxerguemos na pessoa idosa, por termos visão e prática de solidariedade, humanizando-nos sempre neste sentido, e por assim agirmos estaremos mostrando madureza, respeito e dignidade para com estes que tanto já fizeram por nós.
“No mundo ocupado com a complexidade e a sofisticação do quantitativo de questões em ascensão e urgência contínuas, a concretização do alongamento da vida se contrapõe à carência das condições de qualidade de vida e da valorização simbólica da velhice. Esse contexto acirra a resposta defensiva do ser humano, expressa numa recusa a identificar-se e reconhecer-se na sua atualidade de homem velho ou de mulher velha. Sobressaem os mecanismos de negação da realidade da velhice, que se revelam nos níveis pessoal e social. Essa situação demonstra a origem e o produto, a um, só tempo, do medo da velhice fundido no medo da morte. Medo lincado no horror e na repulsa, sentimentos de que o meio sociocultural se utiliza para forjar, no indivíduo, o trabalho psíquico de representação negativa da velhice, ao longo do seu processo de identificação.” (Py e Trein pag. 1355)
Muitas emoções se colocam a flor da pele para estes que agora entram num contexto de mudanças significativas. De repente a pessoa se ver entrar num processo de degeneração física, social, emocional, familiar, psíquica e espiritual e tudo isso lhe traz saudosas lembranças dos feitos e a temida expectativa do desconhecido e cheia de mitos que é a velhice propriamente dita, é como se de uma hora para outra o cordão umbilical da chamada “vida” se rompesse para sempre e que agora sim, a morte será uma triste companheira.
“Para pensar a finitude e a infinitude na perspectiva do envelhecimento humano, fomos buscar fundamentos para o tempo e encontramos a ruptura do tempo. Em meio às crises que vivemos, triunfa a transição entre o desmoronamento da realidade e o desmoronamento de uma outra, vivida no dilaceramento e no alívio pelo que vamos perdendo, contrapondo-se à ameaça e a esperança no novo que nos vem invadindo. A ruptura do tempo é de outrora da supremacia do homem sobre o mundo físico, a biologia e a história, supremacia que rege o processo de transição para um tempo que é outro.” (Py e Trein, pag. 1357)
Ter conhecimento e consciência que a vida possui seus estágios pré-determinados que iniciam com o nascimento e culmina com a velhice e morte, nos dão suporte necessário para enfrentar estes desafios condicionados ao organismo humano. Morte e vida são companheiros que não se separam, mas isso não significa que devemos ser escravos na morte e não vivermos plenamente. Na verdade entender isso de fato é que nos proporciona vivermos mais e melhor nos preparando por assim dizer para morrer com dignidade.
“A realidade nos vai escapando, na negação advinda da manipulação do tempo que provoca os sinais de envelhecimento do corpo. A ação do tempo já é passível de ser aplacada pela engenhosidade da tecnologia virtual; e não conseguimos imaginar até onde podemos chegar, embaladas pelo arsenal de protelação da velhice e, por extensão, da morte.” (Py e Trein, pag. 1357)
É importante reconhecermos os idosos como nossos mestres e diz que, para que isso aconteça de fato é preciso ter sabedoria. É preciso não ser negantes do nosso próprio processo de envelhecer que dar-se início no nosso nascimento e que muitas vezes em nome de um orgulho que se mostrará fraco no futuro, viramos as costas para aqueles que nos pedem auxílio e no futuro será nós a assumir este papel de apelação.
“O processo de envelhecer é a gradual plenificação do ciclo da vida. Ele não precisa ser escondido ou negado, mas deve ser compreendido, afirmado e experimentado como um processo de crescimento pelo qual o mistério da vida lentamente nos revela. Sem a presença dos idosos poderíamos esquecer que estamos envelhecendo. Eles são os nossos profetas, eles nos lembram de que o que vemos tão claramente neles é um processo do qual todos, sem exceção, participamos. Muito já se escreveu sobre o idoso, sobre seus problemas físicos, mentais, afetivos, espirituais.” (Pessini, pag. 159)
Portanto, é nossa a tarefa em ajudar os idosos a assumirem seu papel na sociedade que é o que ser nossos mestres, já que estes possuem experiências que não temos, restaurando assim os laços de comunicação muitas vezes distanciados entre as gerações. E também sermos seladores de sua integridade moral e física.
“Cuidar dos idosos significa, antes de tudo, entrar em contato com o nosso próprio processo de envelhecimento: sentir a dimensão do tempo, realidade nos constituindo como ser, e estar consciente dos movimentos do ciclo da vida.” (Pessini, pg. 160)
Para entendermos a respeito da discussão sobre a religião, religiosidade e espiritualidade, vejamos os conceitos básicos destes termos: Religião é o sistema organizado de crenças, práticas, rituais e símbolos designados para facilitar o acesso ao sagrado, ao transcendente (Deus, força maior, verdade suprema ...). Religiosidade é o quanto um indivíduo acredita, segue e pratica uma religião. Pode ser organizacional (participação na igreja ou templo religioso) ou não-organizacional (rezar, ler livros, assistir programas religiosos na televisão) e a espiritualidade é uma busca pessoal para entender questões relacionadas à vida, ao seu sentido, sobre as relações com o sagrado ou transcendente que podem ou não levar ao desenvolvimento de práticas religiosas ou formações de comunidades religiosas.
“Religiosidade é uma das formas de expressão da espiritualidade. Espiritualidade vem do latim spiritus, que significa “sopro”, em referência ao sopro da vida. [...]. Também tem sido caracterizado como a capacidade de ter fé, amar e perdoar, adorar, ver além das circunstâncias e de transcender o sofrimento [...]. Espiritualidade é uma reflexão sobre o significado da vida. Religiosidade e espiritualidade são conceitos diferentes, mas apenas recentemente os pesquisadores começaram a considerar as dimensões da espiritualidade separadamente das crenças e dos comportamentos religiosos, criando instrumentos diferentes para avaliá-las. Embora ter uma religião não seja unanimidade entre as pessoas, é grande o número de indivíduos que têm espiritualidade [...]. Enquanto a espiritualidade remete a uma reflexão sobre, a religiosidade, a religiosidade remete a uma relação com. Essa relação pode ser com Deus ou com uma entidade ou um ser superior diferentemente nomedo.” (Sommerhalder e Goldstein, pag. 1307)
As necessidades espirituais são próprias dos seres humanos e pelo que se observa existe uma tendência de se manifestar em alguns casos à medida que se aproxima a finitude. O bem-estar espiritual protegeu as pessoas do desespero do fim da vida e em algumas situações agem como paliativos depressivos ou patologias físicas. Por isso a abordagem espiritual não dever ser negligenciada, pois, ela tem se mostrado auxiliadora no processo de envelhecimento e morte.
“A epidemiologia da religião tem demonstrado a validade da religiosidade e da espiritualidade como tópicos de pesquisa. Os estudiosos estão questionando o motivo, tentando identificar os caminhos biocomportamentais ou psicossociais mediante os quais as práticas religiosas e espirituais promovem a saúde ou evitam doenças. Entre os mecanismos explanatórios que as pesquisas procuram investigar, estão:
- Promoção de comportamentos e estilos de vida relacionados à saúde quando por exemplo as religiões proíbem ou desencorajam o consumo de álcool e fumo, o que diminuiria o risco de doenças e aumentaria o bem-estar.
- Provimento de suporte social – e, muitas vezes, instrumental – por parte das comunidades religiosas, estimulando o sentimento de irmandade, de auxílio mútuo, de amor fraterno, o que proporcionaria mais relacionamentos interpessoais e sensação de pertencimento a um grupo. Isso ajudaria a diminuir o estresse a atuaria como um recurso de enfrentamento eficaz, uma vez que indivíduos com menos contatos sociais e maior instabilidade emocional têm maiores probabilidades de contrair doenças e de mortalidade [...].
- Satisfação da necessidade fundamental de percepção de que a vida tem significado, de que é algo mais do que simplesmente estar um instante fugaz no universo, modificando a percepção de situações estressantes ou eventos traumáticos. Além disso, a religião promove a esperança de que, no fim, tudo estará bem.” (Sommerhalder e Goldstein, pag. 1312)
3 – Considerações
Como foi pontuado no decorrer deste trabalho, a discussão e reflexão sobre bioética nos traz a tona ideias relacionadas a um resgate da vida humana e de seus valores que engloba todo seu ciclo de vida, em especial na face de senilidade aonde muitas vezes vem sendo deixado de lado. Fala também sobre o respeito fúnebre, pois todos têm direto de uma morte digna e os momentos pré-morte devem ser bem assistidos, longe de dor e constrangimento. Isso vai além da dimensão física-biológica, inclui também as dimensões sociais, relacionais, cósmicas e ecológicas, uma vez entendendo que o ser humano é parte de um todo universal.
Sendo o indivíduo um ser finito, que passa por estágios que culmina no envelhecimento e morte, ele deve ser poupado de dor e sofrimento. Os métodos paliativos devem ser empregados assegurando assim conforto permanente. Jamais negar a este ser as relações interpessoais no qual inclui o apoio familiar, o de profissionais e dele próprio, pois a sua condição moribunda não lhe tira o direito de estar a par de tudo que esta acontecendo ao seu redor e consigo mesmo.
Não permitir que as questões modernas da contemporaneidade faça uma ruptura das relações humanas, físicas, biológicas e histórica pela ação do homem. Humanizarmos e sermos sensíveis ao ser finito que se despede na vida são os recados mais forte que bioética nos traz neste trabalho.
Hoje como se sabe, a gerontologia possui maior condição de enxergar os assuntos pertinentes ao processo de envelhecimento. Neste aspecto inclui-se a religiosidade e a espiritualidade que muito tem contribuído para a melhoria da qualidade de vida dos idosos. Entender isso é uma forma de emancipação, já que os envolvidos no processo passam a ter uma maior e significativa participação da vida social em suas comunidades, o que repercute de forma saudável na vida da pessoa senil.
Mesmo que ainda haja um longo caminho a percorrer, estudos como este vêm a somar na luta sobre o resgate da dignidade humana na terceira idade como muito se praga no campo da bioética.
4 – Referencias
Pessini , Leo, Bioética, Envelhecimento Humano e Dignidade no Adeus à Vida – capitulo: 15
Py, Ligia e Trein, Franklin Finitude e Infinitude: Dimensões do Tempo na Experiência do Envelhecimento - capitulo: 144
Sommerhalder, Ginara e Goldstein Lucila L., O Papel da Espiritualidade e da Religiosidade na Vida Adulta e na Velhice – capitulo: 139.
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