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Instituições religiosas, direitos e diversidade sexual: invenções da relação na contemporaneidade

Um convite, um tema e Prazo para submissão: 15 de março de 2022

Por; Marcelo Natividade, Universidade Federal do Ceará; Carlos Lacerda, Centro Universitário Maurício de Nassau - MaceióSandra Duarte de Souza, Universidade Metodista de São Paulo

Em 24 de outubro de 2020, um posicionamento do Papa Francisco chamou atenção da opinião pública: “As pessoas homossexuais têm direito de estar em uma família. Elas são filhas de Deus e têm direito a uma família. Ninguém deve ser impedido ou tornado infeliz por isso. O que precisamos criar é uma lei sobre as uniões civis.”. Com essa fala, registrada pelo cineasta italiano, Evgeny Afineevsky, em filme exibido no Festival de Roma, ele deu explícito apoio à união homoafetiva e aos direitos LGBTI+. Será que a notícia pode ser interpretada como um avanço, fissura nas estruturas ideológicas do cristianismo, diante de séculos de posturas institucionais francamente hostis e LGBTfóbicas? Que mudanças estariam em curso no tradicionalismo cristão e suas percepções da diversidade sexual decorridas duas décadas do século XXI?

No Brasil, igrejas cristãs são, em grande parte, reprodutoras de discursos heteronormativos, sustentados pela incisiva interdição da homossexualidade, da bissexualidade e da diversidade de gênero nas práticas rituais e no universo sagrado e também manifesta na obstrução dos direitos LGBTI+ pelas bancadas religiosas. A presunção da universalidade da heterossexualidade, sob a visão de uma humanidade inteiramente “heterossexual”, ainda é a regra. Contudo, ventos de transformação se observam no cenário nacional e global com: o surgimento de igrejas específicas LGBTI+; debates sobre a criação de núcleos da diversidade dentro das congregações e sobre a ordenação de pessoas não heterossexuais; a criação de movimentos laicos inclusivos no catolicismo, dentre outras ações.

Acerca das agremiações religiosas específicas LGBTI+ no Brasil, a mídia noticiou entre os anos 1990 e 2000 o seu aparecimento. Através de pesquisas etnográficas, realizadas no decorrer da primeira década deste século, foi possível identificar um complexo mosaico de possibilidades teológicas, ritualísticas e de entendimento sobre o gênero e sexualidades dissonantes dentro dessas igrejas. Tais possibilidades podem ser, em um esforço metodológico de construção de tipos ideais, divididas sob dois aspectos: do diálogo com o campo mais hegemônico do pentecostalismo cujas práticas religiosas inclusivas edificam modelos normativos de santificação da homossexualidade; e da linguagem da desconstrução, aproximação com os movimentos sociais e os setores mais progressistas da sociedade. Necessariamente, não são divisões estanques. Tais modelos, portanto, podem coexistir em uma mesma denominação, apontando a complexidade, os conflitos, disputas e contradições que permeiam esses novos espaços religiosos. De todo modo, tais pesquisas colaboraram com o processo de compreensão das teias de poder elaboradas dentro desses locais, possibilitando, igualmente, o rompimento com visões de mundo que tendem a homogeneizar tais experiências religiosas.

Este tipo de iniciativa é viável em um dado campo de possibilidades, um cenário contemporâneo em que acontecem avanços nas demandas dos movimentos feministas e LGBTI+ que incluem questões dos direitos sexuais e reprodutivos mas também colocam em foco o tema da “liberdade religiosa”, a luta por igualdade e equidade de direitos, a defesa da laicidade do Estado e a atuação contra preconceitos e discriminação de gênero, sexual e racial. Por outro lado, essas mudanças no cenário cultural e político mais amplo reverberam em dinâmicas de pluralização e renovação das práticas religiosas, possibilitando invenções e disputas em torno das moralidades em diferentes tradições, observando o pluralismo religioso brasileiro. Observa-se, então, a ampliação e diversificação dos espaços de acolhida da diversidade sexual para além dos tradicionais ambientes das religiões de matriz africanas e suas cosmologias mais abertas e ambivalentes quando o assunto é sexo e gênero.

Nos últimos anos, a LGBTfobia religiosa foi objeto de contrariedade com a tomada de algumas posições dissidentes. A Igreja Presbiteriana e a Igreja Batista norte-americanas editaram documentos que flexibilizam as regras e incluem a homossexualidade como um tipo de conduta e identidade compatível com a vida religiosa e suas doutrinas. Enquanto a Igreja Presbiteriana americana aprovou em convenção o “casamento gay”, passando a defini-lo “entre duas pessoas independente de sexo e gênero”, a Igreja Batista no mesmo país, reviu sua constituição, de modo a permitir oficialmente a filiação de fiéis homossexuais. No Reino Unido, a Igreja Metodista em sua Conferência de 1993 declarou que: “reconhece, afirma e celebra a participação e o ministério de lésbicas e homens gays na igreja”. Tais fatos instigam a revisão de posições institucionais, o que se tornou objeto de interesse acadêmico a que se volta esse dossiê.

Estudos e pesquisas que acompanham tais processos interseccionam os campos da teologia, da filosofia, da história, das Ciências sociais da Religião e dos saberes da psicologia e psicanálise. Este volume receberá artigos que se dedicam à descrição e análise de tais inovações, sendo trabalhos teóricos como etnográficos, incluindo o olhar para novas práticas religiosas no meio urbano e suas relações com o tema da inclusão homoafetiva; as suas repercussões no debate público sobre direitos sexuais e reprodutivos da diversidade sexual; as relações entre sexualidade, gênero e espiritismo na atualidade, com especial atenção aos cultos afro-brasileiros; as abordagens da questão nas religiões orientais; os nexos entre doutrinas, posições públicas, textos sagrados e diversidade sexual e de gênero na atualidade e em diferentes contextos; as novas teologias que emergem da experiência LGBTI+, a assistência social das igrejas cristãs às pessoas LGBTI+. Espera-se reunir trabalhos que ajudem a elucidar avanços e retrocessos nos direitos dos coletivos LGBTI+ na sua relação com as respostas das instituições religiosas. Interessa particularmente colocar em debate, através dos trabalhos selecionados a relação das tradições religiosas com temas da diversidade sexual, incluindo o casamento igualitário, o processo transexualizador; a dita “cura gay”, as famílias homoafetivas e seus métodos reprodutivos; fenômenos de transparentalidade; feminismos e igrejas inclusivas; o controle das práticas sexuais pelas pastorais do sexo dessas igrejas; bem como o surgimento de movimentos religiosos extremistas que reavivam posturas de intolerância e ódio às diversidades sexuais e de gênero.

Fonte: https://www.metodista.br/revistas/revistas-ims/index.php/MA/index



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