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O envelhecer e o racismo no Brasil

 Quando você me vir caminhando, tropeçando, não analise e entenda errado. Porque cansaço não é igual à preguiça e nem todo adeus é uma partida. Continuo a mesma pessoa que era antes, com um pouco menos de cabelo e um queixo menor, muito menos pulmões e muito menos fôlego, mas ainda tenho sorte de poder inspirar”.  Maya Angelou, Sobre Envelhecer, Poesia Completa.

 Por Manuela Hermes de Lima

Há um ano a Organização Mundial da Saúde declarava a pandemia, alertando sobre os perigos da propagação do vírus SARC-Cov-2 e sua letalidade, enumerando os grupos considerados como de risco, assim compreendidas pessoas idosas e àquelas com comorbidades.


Algumas terminologias são utilizadas para fazer referência às pessoas com mais de 60 anos, categorizadas e incluídas no rol de pessoas idosas. Em razão do termo pejorativo e até dos estereótipos construídos em torno de expressões como velho/a, melhor idade, terceira idade, adotaremos a expressão pessoa idosa no presente artigo.


No Brasil já são mais de 20 milhões de pessoas idosas e, em 2050, a estimativa é de que 60 milhões de pessoas tenham 64 anos, apontando os dados fornecidos pelo IBGE um aumento de três anos na expectativa de vida de uma pessoa nascida no país em 2019 (76,6 anos) e, em relação à pessoa idosa, um aumento de 8,3 anos entre 1940 a 2019, no entanto, a expectativa de vida da população negra ainda é menor comparada com a branca. Estudos já apontam as repercussões da alta taxa de óbito e descontrole da pandemia no país como ameaça no campo da longevidade.


À medida que o vírus avançava pelo país em 2020, projetava-se com lentes de aumento as desigualdades socioeconômicas no país, sobretudo da população negra, emergindo uma maior suscetibilidade orgânica das pessoas negras idosas, marcadas pelo racismo estrutural e institucionalizado no país.


Pesquisa realizada em 2020 pelo Núcleo de Operações e Inteligência em Saúde (NOIS), organizada por Pesquisadores da PUC-Rio constatou o óbito por Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) confirmadas para COVID-19 de 55% dos pretos e pardos em todas as faixas etárias, e maior óbito de pessoas negras idosas à medida que a idade aumentava, evidenciando um desequilíbrio de renda, escolaridade e acesso aos serviços básicos de saúde e sanitários entre as pessoas analisadas.


Na semana em que foram divulgados pelo Ministério da Saúde os dados sobre o número de pessoas vacinadas em todo país e microdados, com índice de vacinação em pessoas negras inferior ao de pessoas brancas, evidencia-se que as pessoas negras idosas seguem excluídas e têm suas vidas mais comprometidas pela dinâmica imposta pelo racismo. Assim, as pessoas brancas idosas no Brasil representam no Brasil seis a cada dez idosos com idade entre 80 e 99 anos.


Recentemente, pesquisa realizada em diversos estados e cidades, incluindo Salvador, com população estimada em 82,1% de pessoas negras, registrou decréscimo na natalidade, nos anos de 2018 e 2019, indicando a diminuição no nascimento de crianças negras que, associado a múltiplos fatores, sinaliza que população brasileira e, portanto, as pessoas negras, estão envelhecendo.


Ainda tratando da cidade de Salvador, chamou atenção o fato de que, iniciada a vacinação, logo nas primeiras semanas, o noticiário local informava sobre a imunização das pessoas nonagenárias e octagenárias, e seguia mostrando as filas intermináveis nos bairros nobres enquanto noutro ponto reservado à vacinação, numa área periférica da cidade, em que concentra maior número de pessoas negras, quase nenhum idoso/a apareceu, e não se verificava qualquer fila. 


Envelhecer faz parte das etapas de um ciclo biológico na trajetória humana. Envelhecemos diariamente, desde que nascemos, num processo inevitável. 


Sobre o lugar de reverência das pessoas idosas e modelo de sociedade, (SOMÉ, Sobonfu, 2003) narra a centralidade dos anciãos do povo de Dagara, na África Ocidental, então responsáveis pela pela tomada de decisões, destino da comunidade, valorização da pessoa idosa e o respeito à sabedoria ancestral.

Fonte: http://www.justificando.com/2021/03/30/manuela-hermes-de-lima-o-envelhecer-e-o-racismo-no-brasil/

Sugestão de leiturahttps://www.metropoles.com/materias-especiais/populacao-negra-enfrenta-desafios-para-garantir-longevidade









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