Na coluna desta semana para a seção “Como chegar bem aos 100” da Folha de São Paulo, Dr. Alexandre Kalache conclama a sociedade civil a conhecer e lutar por seus direitos, resistindo. (ILC Brasil)
Sociedade civil é privada de sua cidadania plena com extinção de conselhos de direitos
Quando sua voz é calada, quando seus direitos não são respeitados, quando os princípios de cidadania plena são descartados, você não pode viver bem idade alguma —muito menos chegar bem aos 100.
Quem defende seus direitos? Você conhece seus direitos? Você luta por eles?
Eu tive muitas experiências profissionais gratificantes ao longo dos 45 anos dedicados ao tema da longevidade. Mas talvez a maior delas foi ter participado da 2ª Conferência Nacional de Direitos das Pessoas Idosas, em 2009.
Não por ter proferido a aula magna na sessão de abertura, mas pela experiência em si. Era a sociedade civil atuante e responsável. A voz das pessoas idosas se fazendo ouvida. Nada para nós, sem nós.
Em um sistema democrático, um valor maior é a participação da sociedade no controle das ações do Estado. Quem faz isso é a sociedade civil organizada. Como? Participando de instâncias de defesas de direitos. No caso da população idosa, os conselhos de defesa de direitos da pessoa idosa.
Nunca havia presenciado a atuação da sociedade civil de forma tão vibrante. Delegações de todo o país chegaram a Brasília preparadas. Nos meses anteriores, conferências estaduais e regionais tinham se debruçado sobre as questões que consideravam mais relevantes. Todos ali estavam conscientes da responsabilidade de estarem representando seus pares.
Assim, eu deveria ter me sentido honrado e feliz por ter sido convidado pelo atual Conselho Nacional de Direito das Pessoas Idosas (CNDI) como conferencista magno na abertura da última conferência regional, do Sudeste, preparatória para a Conferência Nacional em setembro. No entanto, feliz não estou.
Muitos conhecem meu compromisso com a causa da defesa de direitos que asseguram um envelhecimento digno. Em 2019, por decreto presidencial, os Conselhos de Direitos foram extintos, entre eles o CNDI. O colegiado, democraticamente eleito para a gestão 2018-2020, foi destituído.
De 28 conselheiros, o número foi reduzido a seis; metade deles, do lado governamental, pertencentes à mesma pasta: o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. Outros ministérios, relevantes na promoção de nossos direitos, foram afastados.
Aos demais três, representantes da sociedade civil, foi suprimida (a qualquer um deles) a possibilidade de assumir a presidência do conselho, hoje estritamente reservada ao secretário Antonio Costa, estranho à área, empossado sem qualquer diálogo com a sociedade civil pela ministra Damares Alves. De cima para baixo.Por isso, ao recusar o convite,
manifesto meu sentimento de profunda tristeza. Não bastassem a pandemia e as centenas de milhares de mortes preveníveis de
idosos por ela causadas. Triste também, pois a conferência virtual excluirá a
participação de pessoas sem condições de participar, por conta da exclusão
digital.
Suas vozes estão sendo caladas.
Assim, não me reconheço neste lugar ilegítimo de fala, em que falta a escuta.
Se aceitasse o convite, o que diria aos meus pares?
Chegaremos bem aos cem, sem que
nos seja restituído o bem mais precioso, a plena cidadania?
Comentários
Postar um comentário