A ciência e a educação ocidentais foram construídas sobre uma base analítica, que tende a dividir o conhecimento para compreender os fenômenos. A partir dessa perspectiva mecanicista formaram-se compartimentos isolados que, embora tenham afinidades, desenvolveram métodos diferentes que não se comunicam. As escolas e universidades divididas em séries, departamentos, cursos e disciplinas são um bom exemplo disso. O pensamento complexo, por sua vez, é um paradigma que tenta mostrar o “tecido comum” que une todos os saberes. O filósofo francês Edgar Morin é atualmente um dos maiores expoentes desse paradigma.
Para Morin, esta divisão dos saberes chegou a tal ponto que a própria a ciência tornou-se incapaz de pensar cientificamente a si mesma, pois não consegue mais encontrar as conexões entre suas várias ramificações.
A mesma coisa ocorre com a educação, que não consegue mais dar conta da crescente complexidade de um mundo ultraconectado e multidimensional que se modifica em grande velocidade. Assim, os estudantes não conseguem entender “para que servem” as disciplinas que não lhes agradam ou que “nunca irão utilizar”.
Edgar Morin – o tecido comum que une os saberes
Se durante a Era Moderna a divisão dos saberes foi útil para o entendimento do mundo, hoje ela é um problema. Por esse motivo o trabalho de Edgar Morin tem exercido importante influência na educação contemporânea, sobretudo no que concerne à insuficiência e incompletude do ser humano.
Em se tratando de estruturas ou fenômenos de baixa complexidade, como o funcionamento de uma máquina simples, conhecer cada uma de suas partes equivale à noção do todo.
Nestes sistemas, os efeitos são muitas vezes oriundos de poucas causas, possíveis de serem identificadas. Essas estruturas são repetitivas, reversíveis, confiáveis, lineares.
Porém, quando tratamos de fenômenos biológicos, cognitivos e sociais, dotados de grande complexidade e envolvendo emoções e sentimentos, o raciocínio linear não dá conta de sua compreensão. Não apenas a ciência, mas também a política e a economia atuais são exemplos desses sistemas complexos.
Nesses casos, o todo é bem maior do que a soma das partes, e a interação entre elas é que dá sentido ao fenômeno. A complexidade desses fenômenos requer uma abordagem que leve em conta seus elementos e, principalmente, a interação entre eles.
O paradigma clássico, baseado na análise, na dicotomia, na causalidade simples e no raciocínio linear não consegue mais abarcar essa complexidade. Por isso Edgar Morin enfatiza a urgência de adotar uma visão que enfatize não apenas as partes do fenômeno, como também as relações existentes entre essas partes.
Trata-se de uma visão panorâmica, mas sem se perder a noção dos detalhes e das interações. Essa concepção, denominada pensamento complexo, impacta também os processos educacionais.
Percebe-se nessa definição a importância das trocas estabelecidas entre os sistemas, o que possibilita a observar cada um como uma estrutura aberta em constante inter-relação com os demais. Dessa forma, um estudante poderá contemplar as relações entre biologia, literatura, história, matemática, química e outras.
Essa nova perspectiva dá ao estudante (e também ao pesquisador, cientista ou mesmo ao diletante) uma visão de sistemas complexos, e não mais a ideia de que cada disciplina (ou saber) está isolada e sem comunicação com outras.
Isso resulta não apenas em uma visão do todo, mas também em uma compreensão mais profunda de cada disciplina como multidisciplinares e interdependentes.
Quando traçamos relações com outras coisas que sabemos e com nossa própria experiência, isso torna o aprendizado mais rico e sofisticado. Quando começamos a pensar desta forma, ocorre então o pensamento complexo de que fala Edgar Morin, ou seja, passamos a ver o tecido comum que une todos os saberes.
O pensamento complexo entre os filósofos antigos
Apesar do pensamento complexo ser uma abordagem contemporânea para solucionar a crescente complexidade dos saberes, ele não é necessariamente uma novidade. Muitos filósofos da antiguidade já percebiam que todos os conhecimentos tinham essa conexão que os unia de forma orgânica.
Pitágoras, por exemplo, não via diferença entre música, filosofia e matemática. E Aristóteles investigava temas distintos, como política, poesia, física, medicina, psicologia, história, lógica, astronomia, ética, história natural, matemática, retórica e biologia.
Mente e aprendizagem
O pensamento complexo é uma abordagem que pode nos ajudar a compreender o funcionamento da mente humana, que opera com complexidade e imprevisibilidade. Por esse motivo, os sistemas complexos (como a mente) são definidos como sistemas caóticos.
A própria compreensão da mente, apesar do avanço da neurociência, ainda é problemática devido à separação dos saberes. Alguns questionamentos filosóficos e científicos sobre esse tema, como o problema da consciência, ainda são um terreno nebuloso e misterioso.
Dessa forma, é razoável supor que a aprendizagem, que está relacionada com a mente e trabalha com processos que atuam de forma integrada, necessite de uma abordagem complexa. No passado, muitos filósofos e pensadores realizaram suas descobertas traçando relações entre assuntos diversos.
Em outras palavras, assim como a mente é um sistema complexo e caótico, a aprendizagem também é. Por esse motivo, dividir e separar os saberes em disciplinas — sem buscar a relação comum entre eles — pode ser algo que foge da própria natureza da mente humana.
Autor: Alfredo Carneiro
Sugestões de leitura
- Cérebro – investigações filosóficas e científicas
- Filosofia da Mente: o problema da consciência
- As rotinas criativas dos grandes pensadores
Referências Bibliográficas
- Edgar Morin. Ciência com consciência. Lisboa: Publicações Europa América, 1994.
- Edgar Morin. Introdução ao pensamento complexo. Lisboa: Instituto Piaget, 1995.
- Edgar Morin. A Cabeça Bem Feita. Rio de Janeiro: Editora Bertrand, 2003
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