Tanto no trabalho como na vida pessoal, a técnica da escuta ativa ganha cada vez mais relevância. Ajuda a compreender melhor o outro, não julgar e mostrar empatia.
Até um ano atrás, Paula G. nunca tinha ouvido falar de escuta ativa. Tinha 41 anos e havia tido a sua primeira filha 16 meses antes. “Cheguei a este conceito através de uma conhecida minha, enfermeira, que estava muito ligada a questões de criação dos filhos. Participei de um congresso sobre educação e lá conheci Celia Tejealas, que falou de escuta ativa, e em outubro me inscrevi num dos seus cursos”, recorda. Paula, funcionária de um banco, sentia a necessidade de mudar algo na forma como se relacionava. “Notei que ponho uma etiqueta numa pessoa e sempre a trato sob esse guarda-chuva, faço julgamentos. A primeira parte da escuta ativa é se livrar dos preconceitos, procurar uma comunicação que aproxime ao invés de afastar”, explica. Descobriu que esta habilidade “serve para ver como você se comunica com as pessoas, para fuçar”, e, reconhece, isso a ajudou.
“Os
benefícios que a escuta ativa oferece são variados. Em primeiro lugar, quando
sentimos que nos ouvem e nos compreendem estamos facilitando a livre expressão
de nossos sentimentos. Em segundo lugar, é um modo de transmitir ao
interlocutor que demonstramos interesse por ele. Além disso, quando uma pessoa
se sente compreendida ocorrem alterações benéficas no estado emocional, com
repercussões sobre o cérebro e a saúde mental”, afirma o neuropsicólogo José Antonio
Portellano Pérez, professor titular da Faculdade de Psicologia da
Universidade Complutense de Madri. A escuta ativa, também chamada escuta
empática, é uma técnica desenvolvida pelo psicólogo norte-americano Carl Rogers
nos anos sessenta e aplicada habitualmente em campos como a psicoterapia, mas
que ganha cada vez mais terreno em âmbitos como o profissional, o educacional e
o das relações pessoais cotidianas. Mas por que é importante conhecê-la e
praticá-la? “Porque é a única maneira de
se comunicar realmente. Trata-se de um processo psicológico
complicado, que envolve mobilizar habilidades fundamentais, como a atenção, o
interesse, o esmero, o respeito, a observação, a compreensão e a motivação”,
resume a filósofa e pedagoga Consuelo
Santamaría Repiso.
Para Santamaría, esta técnica “é uma porta aberta à confiança
mútua, já que é parte do respeito e do desejo de vislumbrar o ponto de vista do
outro a fim de entendê-lo, algo que convida à autenticidade e à busca por
soluções de uma maneira adequada, e reduz os erros de interpretação que sempre
levam ao conflito”. A pedagoga observa que não se trata de algo novo, e sim de
uma atitude que esquecemos em meio à pressa do dia a dia. “Como dizia Plutarco,
‘Para saber falar é preciso saber escutar’”, salienta a pedagoga, que considera
esta habilidade mais relevante do que nunca numa sociedade como a atual,
dominada por um imediatismo que tem nas redes sociais o seu melhor exemplo.
“Opinar sem critério é um sinal de insensatez, defender ideias sem refletir
sobre elas é uma estupidez, tratar de persuadir sem argumentos é um
despropósito”, sentencia.
O professor Portellano concorda: os canais de comunicação
abertos pelas redes sociais servem para amplificar a
repercussão de qualquer opinião. “Isto
facilita que as pessoas mais vulneráveis e imaturas sejam influenciadas
excessivamente por determinadas informações e, igualmente, as personalidades
narcisistas encontram nas redes sociais um mecanismo para se projetar e se
sentirem reforçadas”, diz. “Prepondera o afã de falar sobre a necessidade de
que nos ouçam”, acrescenta o especialista, enfatizando que justamente por isso
a escuta ativa adquire um maior protagonismo “como forma de frear o excesso de
ego de muita gente que quer acima de tudo ser ouvida, mas sem precisar ouvir”.
Manter o foco, apesar da fadiga pandêmica
A fadiga pandêmica se materializa muitas vezes em problemas de atenção: longas conversações telefônicas das quais não retemos detalhes concretos, sucessivas reuniões pelo Zoom em que prioridades se diluem, conversas com amigos que são imediatamente esquecidas… E, neste contexto excepcional, a escuta ativa pode ser uma boa ferramenta para prevenir as possíveis consequências nocivas sobre a saúde mental, diz Portellano. “A incomunicação forçada a que fomos submetidos durante o confinamento e as dificuldades de interagir com outras pessoas geraram um claro desgaste psicológico em muita gente, associado a um aumento da ansiedade e dos sentimentos de desproteção. Os déficits cognitivos como problemas de memória, distração e dificuldade de manter a concentração não se devem a alterações neurológicas, e sim aos efeitos do estresse crônico causado pela pandemia”, argumenta.
Justamente para estudar os processos de comunicação, tomada de
decisões e comportamento surgiu, em abril de 2018, o Centro de Escuta Ativa da
Universidade Francisco de Vitoria, na região de Madri. Sua
diretora, Consuelo Valbuena, constata que durante a pandemia muitas
inseguranças se manifestaram: “Quem não sentiu que está sendo ouvido
incorretamente quando a pessoa com quem você fala por videoconferência está,
por exemplo, com a câmera desligada? Ou quando a pessoa com quem você fala não
olha para o monitor, pois provavelmente está aproveitando para adiantar um
trabalho pendente? Quando interagimos, os outros tendem a nos avaliar e a
elaborar impressões sobre nós. E, se não levarmos em conta que as
videoconferências não são uma representação fiel da realidade à qual estamos
habituados, de nada adiantará nos portarmos bem ou a forma como falamos: a
pessoa à nossa frente poderá perceber algo totalmente diferente do que tentávamos
transmitir e elaborar uma impressão radicalmente diversa da que buscamos
passar”. Para Valbuena, “é essencial ouvirmos, mas começando por nós, porque
temos muitos ruídos ao nosso redor e dentro de nós mesmos”.
A origem da criação do Centro de Escuta Ativa na UFV é parte dessa corrente, explica sua diretora: “Nossa missão é a pesquisa e o desenvolvimento da escuta ativa como elemento que contribua, tanto na docência como na gestão universitária, para a tomada de decisões centrada na pessoa”. Para Valbuena, “dentro das organizações, trata-se de um elemento fundamental na gestão de equipes e em processos de mudança organizacional; e, no âmbito da educação, tem um impacto direto sobre a aprendizagem do aluno e é um elemento de grande relevância no modelo de aprendizagem colaborativo e no desenvolvimento de atitudes cruciais, como a curiosidade”. Por isso, sustenta Portellano, o desenvolvimento desta habilidade deveria ganhar peso também no mundo escolar: “No contexto da inteligência emocional, a escuta ativa é um mecanismo excelente para melhorar a maturidade pessoal, assim como a saúde mental. Treinar as crianças para que aprendam técnicas de escuta ativa seria um eficaz recurso para fomentar a maturação emocional dos alunos”.
Para se iniciar na escuta ativa
- Não fazer comentários desnecessários. É melhor deixar que o
interlocutor fique à vontade e fale de forma fluida.
- Resumir periodicamente o que o interlocutor acaba de dizer, que
é um método eficaz para que ele tenha consciência de estar sendo escutado.
- Não interromper nem formular julgamentos sobre o que ouvimos.
- Fazer perguntas relevantes para esclarecer a informação. Desta
maneira, o interlocutor toma consciência de que sentimos interesse pelo que ele
quer nos comunicar.
- Colocar-se na pele do interlocutor, não nos centrar em nossos
sentimentos ou opiniões.
- Manter um contato visual adequado. Cara a cara, para demonstrar que estamos sinceramente interessados no que é dito, com uma postura corporal distendida e relaxada.
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