Pular para o conteúdo principal

A vida dos idosos negros também importa

 Grupo é o mais afetado em um momento em que o país acumula uma série de crises

Novembro é o mês em que parte da população entende a necessidade de pensar na consciência, no corpo, nas condições de vida e na identidade das pessoas negras no nosso país.

E é justamente nesse mês que o presidente da República transfere para cidadãos e cidadãs o fracasso do Estado no enfrentamento de uma sindemia, além de uma pandemia.

Sindemia pelo fato de ser um acúmulo de diversas crises: sanitária, política (em que impera o negacionismo), econômica (crescente número de desalentados e desempregados), conflitos raciais (isolamento e distanciamento não foram capazes de amenizar as práticas violentas contra grupos sociais desprivilegiados) e a Covid-19.

São essas crises que simbolizam as marcas do racismo, pois são as pessoas negras as mais afetadas. Estamos lutando pelo direito de respirar, parafraseando o filósofo camaronês Achille Mbembe, e os idosos negros talvez sejam o grupo a quem esse direito é mais proibido de vivenciar.

No contexto da Covid-19, a população idosa negra pode apresentar todos os fatores de risco cientificamente comprovados para maior adoecimento e óbito: pele escura, idosa e com comorbidades.

Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) apontam que negros somam 48% da população idosa brasileira —mais de 3 milhões de pessoas idosas pretas e 12,5 milhões de pessoas idosas pardas.

Historicamente, trata-se de um grupo cuja trajetória é marcada por racismo, machismo, capacitismo (a discriminação por alguma deficiência), idadismo (discriminação por ser uma pessoa velha) e outras discriminações associadas ao local de residência por conta das dificuldades de acesso a serviços, por si já insuficientes.

Some-se a isso as condições de trabalho que desrespeitam suas capacidades físicas e reformas previdenciárias que fazem da aposentadoria um sonho inacessível.

O envelhecimento ativo prega a boa saúde, a aprendizagem ao longo da vida, a participação e a segurança. Para a maioria das pessoas negras, essas são aspirações distantes.

As condições socioeconômicas construídas a partir de iniquidades raciais levam a um envelhecimento precoce e ruim. Mesmo quando uma enfermidade é identificada, a possibilidade de um tratamento eficaz é remota.

A aprendizagem ao longo da vida já é privilégio de poucos, que dirá para pessoas idosas negras. E o que dizer de segurança quando violências ocorrem dentro e fora de casa? Quantas mortes precoces de filhos, filhas, cônjuges e amigos levando à solidão e à insuficiência de redes de apoio e de afeto?

Nesse mês de novembro, é preciso resgatar a ancestralidade, o respeito e a admiração aos mais velhos e mais velhas que a cultura afro-brasileira sempre enalteceu. Essas qualidades não podem ser perdidas dentro de uma sociedade em que impera um capitalismo selvagem, que cria como padrão o corpo do homem branco e jovem.

Se hoje somos um Brasil repleto de belezas culturais e de pessoas ávidas por liberdade de viver e crescer, estejamos certos de que foram as pessoas negras que criaram tantas belezas e moldaram nossos sonhos futuros.

Respeito a nossos Pretos Velhos e nossas Pretas Velhas. Suas vidas também importam. Hoje e para sempre!

Comentário do Blog: Estamos no mês de maio de 2021 e continuamos com as mesmas inteções e discursos, por parte do Governo.

Alexandre da Silva - Professor e PhD da Faculdade de Saúde Pública da USP, membro do ponto focal de questões raciais no Centro Internacional da Longevidade no Brasil (ILC-BR)​
Fonte: www.geledes.org.br/

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O Dente-de-Leão e o Viva a Velhice

  A belíssima lenda do  dente-de leão e seus significados Segundo uma lenda irlandesa, o dente-de-leão é a morada das fadas, uma vez que elas eram livres para se movimentarem nos prados. Quando a Terra era habitada por gnomos, elfos e fadas, essas criaturas viviam livremente na natureza. A chegada do homem os forçou a se refugiar na floresta. Mas   as fadas   tinham roupas muito chamativas para conseguirem se camuflar em seus arredores. Por esta razão, elas foram forçadas a se tornarem dentes-de-leão. Comentário do Blog: A beleza  do dente-de-leão está na sua simplicidade. No convívio perene com a natureza, no quase mistério sutil e mágico da sua multiplicação. Por isso e por muito mais  é que elegi o dente-de-leão  como símbolo ou marca do Viva a Velhice. Imagem  Ervanária Palmeira   O dente-de-leão é uma planta perene, típica dos climas temperados, que espontaneamente cresce praticamente em todo o lugar: na beira de estrada, à beira de campos de cultivo, prados, planícies, colinas e

‘Quem anda no trilho é trem de ferro, sou água que corre entre pedras’ – Manoel de Barros

  Dirigido pelo cineasta vencedor do Oscar, Laurent Witz, ‘Cogs’ conta a história de um mundo construído em um sistema mecanizado que favorece apenas alguns. Segue dois personagens cujas vidas parecem predeterminadas por este sistema e as circunstâncias em que nasceram. O filme foi feito para o lançamento internacional da AIME, uma organização de caridade em missão para criar um mundo mais justo, criando igualdade no sistema educacional. O curta-animação ‘Cogs’ conta a história de dois meninos que se encontram, literalmente, em faixas separadas e pré-determinadas em suas vidas, e o drama depende do esforço para libertar-se dessas limitações impostas. “Andar sobre trilhos pode ser bom ou mau. Quando uma economia anda sobre trilhos parece que é bom. Quando os seres humanos andam sobre trilhos é mau sinal, é sinal de desumanização, de que a decisão transitou do homem para a engrenagem que construiu. Este cenário distópico assombra a literatura e o cinema ocidentais. Que fazer?  A resp

Poesia

De Mario Quintana.... mulheres. Aos 3 anos: Ela olha pra si mesma e vê uma rainha. Aos 8 anos: Ela olha para si e vê Cinderela.   Aos 15 anos: Ela olha e vê uma freira horrorosa.   Aos 20 anos: Ela olha e se vê muito gorda, muito magra, muito alta, muito baixa, muito liso, muito encaracolado, decide sair mas, vai sofrendo.   Aos 30 anos: Ela olha pra si mesma e vê muito gorda, muito magra, muito alta, muitobaixa, muito liso muito encaracolado, mas decide que agora não tem tempo pra consertar então vai sair assim mesmo.   Aos 40 anos: Ela se olha e se vê muito gorda, muito magra, muito alta, muito baixa, muito liso, muito encaracolado, mas diz: pelo menos eu sou uma boa pessoa e sai mesmo assim.   Aos 50 anos: Ela olha pra si mesma e se vê como é. Sai e vai pra onde ela bem entender.   Aos 60 anos: Ela se olha e lembra de todas as pessoas que não podem mais se olhar no espelho. Sai de casa e conquista o mundo.   Aos 70 anos: Ela olha para si e vê sabedoria, ri

Não se lamente por envelhecer

  Não se lamente por envelhecer: é um privilégio negado a muitos Por  Revista Pazes  - janeiro 11, 2016 Envelhecer  é um privilégio, uma arte, um presente. Somar cabelos brancos, arrancar folhas no calendário e fazer aniversário deveria ser sempre um motivo de alegria. De alegria pela vida e pelo o que estar aqui representa. Todas as nossas mudanças físicas são reflexo da vida, algo do que nos podemos sentir muito orgulhosos. Temos que agradecer pela oportunidade de fazer aniversário, pois graças a ele, cada dia podemos compartilhar momentos com aquelas pessoas que mais gostamos, podemos desfrutar dos prazeres da vida, desenhar sorrisos e construir com nossa presença um mundo melhor… As rugas nos fazem lembrar onde estiveram os sorrisos As rugas são um sincero e bonito reflexo da idade, contada com os sorrisos dos nossos rostos. Mas quando começam a aparecer, nos fazem perceber quão efêmera e fugaz é a vida. Como consequência, frequentemente isso nos faz sentir desajustados e incômodos

A velhice em poesia

Duas formas de ver a velhice. Você está convidado a "poetizar" por aqui . Sobre o tema que lhe agradar. Construiremos a várias mãos "o domingo com poesia". A Velhice Pede Desculpas - Cecília Meireles, in Poemas 1958   Tão velho estou como árvore no inverno, vulcão sufocado, pássaro sonolento. Tão velho estou, de pálpebras baixas, acostumado apenas ao som das músicas, à forma das letras. Fere-me a luz das lâmpadas, o grito frenético dos provisórios dias do mundo: Mas há um sol eterno, eterno e brando e uma voz que não me canso, muito longe, de ouvir. Desculpai-me esta face, que se fez resignada: já não é a minha, mas a do tempo, com seus muitos episódios. Desculpai-me não ser bem eu: mas um fantasma de tudo. Recebereis em mim muitos mil anos, é certo, com suas sombras, porém, suas intermináveis sombras. Desculpai-me viver ainda: que os destroços, mesmo os da maior glória, são na verdade só destroços, destroços. A velhice   - Olavo Bilac Olha estas velhas árvores, ma