Pular para o conteúdo principal

Os homens também envelhecem

 É comum ouvir mulheres reclamando sobre o que seria uma injustiça básica da natureza, aquela que faz com que os homens “envelheçam melhor”. Por *Ivan Martins -Editor-executivo de ÉPOCA 

 Mas a batalha deles contra o tempo não é a da aparência

Elas olham para os nossos cabelos brancos, para as rugas ao redor dos nossos olhos, e concluem que essas coisas nos caem bem – as mesmas coisas que, nelas, são percebidas como sinais detestáveis da passagem do tempo.

Na condição de um sujeito que começa a ficar grisalho e que só enxerga as rugas ao redor dos próprios olhos quando põe óculos de leitura, eu gostaria de dizer algumas coisas sobre esse assunto.

A primeira é: obrigado. Obrigado às mulheres por serem generosas e encontrarem charme nos sinais de decadência que nos assustam.

A gente olha no espelho e fica contrariado com o que vê, mas o olhar de vocês, de alguma maneira, sinaliza que está tudo bem – que ainda somos desejáveis, embora já não sejamos jovens.

Acontece que envelhecer não tem apenas dimensão social e tampouco se trata de uma mudança apenas de aparência. É uma experiência pessoal e íntima.

Cada um sabe a idade que tem, embora os outros possam não perceber ou não se incomodar. Ter 40 anos e aparência de 30 não é o mesmo que ter 30 anos. Interiormente é diferente – e ainda bem que é. Nem imagino como seria ter 30 anos para sempre. Ou ter qualquer idade para sempre. Ou viver para sempre. A palavra “sempre” é contrária ao que nos faz humanos.
Lidar com a passagem do tempo, portanto, é algo que cada um de nós tem de fazer sozinho – e os homens fazem isso muito mal.

A imprensa nos conta e a experiência confirma que há muitas mulheres obcecadas em manter uma aparência juvenil depois que a juventude ficou para trás. Mas os homens, embora mais relaxados com a própria aparência, também travam a seu modo uma batalha perdida contra o tempo. Uma batalha subjetiva.

Boa parte dos homens insiste em resistir aos efeitos da idade. Quer sentir-se jovem e agir como jovem até o fim. Há uma recusa obstinada em aceitar o limite do tempo e a declinar dos papéis de protagonista. O sujeito quer ser o galã eterno da novela da vida dele. Não aceita o papel de pai ou de avô.

Lembro de um amigo mais velho, recém-passado dos 70, me dizendo, na mesa de um almoço de jornalistas, que às vezes sonhava em recomeçar com uma nova mulher. Uma mulher de uns 30 anos… O que me espantou (penalizou, na verdade) é que ele imaginasse a sua felicidade ligada a uma situação tão improvável. Era óbvio que se recusava a aceitar a idade que tinha.

Outro dia, folheando o jornal, deparei com a foto de duas crianças novinhas, filhas de um sujeito rico e famoso que já bateu nos 60 anos. As imagens eram incongruentes: de um lado, um homem meio caído; de outro, o frescor das crianças. Fiquei me perguntando o que levara o sujeito a repetir, às portas da terceira idade, uma experiência que a natureza recomenda ter mais cedo. E concluí que ele não tinha ideia melhor do que fazer com a própria existência. Talvez tenha tido razões sentimentais, mas, como programa de vida, a reprodução tardia me parece uma droga. A vida deveria ser invenção, não repetição.

A verdade é que os homens, a despeito dessas bravatas biológicas, são tão inseguros quanto as mulheres quando se trata de envelhecer. E provavelmente mais perdidos. Se a aparência enlouquece as mulheres, a vitalidade é a obsessão masculina. Sobretudo aquela vitalidade… Com o agravante de que o cara não pode sair por aí anunciando que está com problemas. Os homens não falam disso abertamente. Ou melhor, falam, para mentir uns aos outros. Este é o país dos Romários e dos Ziraldos, gente que, sabidamente, nunca broxou. A angústia masculina é solitária, enquanto a da mulher é pública.

O medo da impotência masculino não é apenas físico, ele é também simbólico. É o medo de ser superado. Se o pesadelo feminino é a mulher de 20 anos, bonita e sedutora, o do homem é o jovem rebelde e audaz. Ele ameaça o lugar do cidadão maduro, que reage ao risco com rabugice, amargura, preconceito contra os que chegam. Ele se torna sentencioso e professoral, agressivo em defesa do seu status deslizante: eles são bárbaros, não sabem nada, não estudam nada, não se preocupam. Desde a Grécia antiga os velhos se queixam da ignorância, da incompetência e da insensibilidade dos jovens – mas nos últimos 3000 anos o mundo avançou, não retrocedeu.

Nelson Rodrigues, numa demonstração desavergonhada de suas aflições íntimas, aconselhou aos jovens, “envelheçam”. Poderia ter completando: “uma vez que eu não posso rejuvenescer”. Ele terminou a vida envolvido com mulheres muito mais jovens e tinha alucinações de ciúme dignas dos seus personagens mais grotescos.

No mundo perecível dos homens, excessivamente material e físico em relação ao mundo das mulheres, a perda da vitalidade equivale à perda de poder – nos sentimos ameaçados pela força e pela violência dos mais jovens. E isso angustia.

Há uma passagem num romance do sul-africano J.M. Coetzee, acho que em Desonra, na qual um personagem comenta que, até os 50 anos, ele tinha facilidade em se aproximar das mulheres e obter sexo. Elas eram atraídas por ele naturalmente. Depois dos 50 algo começou a mudar até que o seu poder de sedução quase se extinguiu.

É isso. Não acontece apenas com as mulheres. Não dói menos nos homens. Não é mais fácil para eles. Talvez demore um pouco mais, mas chega da mesma forma – e os homens, acreditem, não estão preparados. Embora não pareça. Embora a generosidade das mulheres nos proteja. Fonte: Revista Época. Disponível Aqui, 09/06/2010  Fonte para o Blog: www.portaldoenvelhecimento.com.br/
Comentário do Blog: Passaram já dez anos e ainda pouco se fala do homem que envelhece ou do homem velho.  Eis que o SESC DF nos traz , neste dia 13 de abril de 2021 uma Live sobre o homem e a velhice. Vejamos a apresentação:
 Live do Sesc - o envelhecimento masculino - O processo de envelhecimento pode trazer muitas dúvidas e até mesmo medos, especialmente quando o assunto não é muito discutido, como o envelhecimento masculino. Quais os papéis sociais do homem idoso? Quais percepções ele tem sobre gênero? Como garantir um envelhecimento saudável? Esses e outros questionamentos serão abordados na live especial promovida pela coordenação de Assistência Social do Sesc-DF. A transmissão ocorrerá na terça-feira (16), às 17h, no Youtube do Sesc-DF (youtube.com/sescdf). O tema será abordado pelo professor Vicente de Paula Faleiros, que é assistente Social, doutor em sociologia e professor Emérito da UnB, e a mediação será feita pelo assistente social do Sesc-DF Paolo Sousa. De acordo com Sousa, a ideia é promover um debate com a comunidade. “Será uma conversa sobre cuidados com a saúde, envelhecimento saudável e ativo e uma reflexão importante sobre igualdade de gênero”.
Live Envelhecimento masculino
Convidado: Prof. Vicente de Paula Faleiros (Assistente Social, doutor em sociologia e professor Emérito da UnB).     Mediador: Paolo Sousa (Assistente Social do Sesc-DF).  Dia: 13/04/2021   horário: 17h   Local: Canal do Youtube do Sesc-DF (youtube.com/sescdf).







Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O Dente-de-Leão e o Viva a Velhice

  A belíssima lenda do  dente-de leão e seus significados Segundo uma lenda irlandesa, o dente-de-leão é a morada das fadas, uma vez que elas eram livres para se movimentarem nos prados. Quando a Terra era habitada por gnomos, elfos e fadas, essas criaturas viviam livremente na natureza. A chegada do homem os forçou a se refugiar na floresta. Mas   as fadas   tinham roupas muito chamativas para conseguirem se camuflar em seus arredores. Por esta razão, elas foram forçadas a se tornarem dentes-de-leão. Comentário do Blog: A beleza  do dente-de-leão está na sua simplicidade. No convívio perene com a natureza, no quase mistério sutil e mágico da sua multiplicação. Por isso e por muito mais  é que elegi o dente-de-leão  como símbolo ou marca do Viva a Velhice. Imagem  Ervanária Palmeira   O dente-de-leão é uma planta perene, típica dos climas temperados, que espontaneamente cresce praticamente em todo o lugar: na beira de estrada, à beira de campos de cultivo, prados, planícies, colinas e

‘Quem anda no trilho é trem de ferro, sou água que corre entre pedras’ – Manoel de Barros

  Dirigido pelo cineasta vencedor do Oscar, Laurent Witz, ‘Cogs’ conta a história de um mundo construído em um sistema mecanizado que favorece apenas alguns. Segue dois personagens cujas vidas parecem predeterminadas por este sistema e as circunstâncias em que nasceram. O filme foi feito para o lançamento internacional da AIME, uma organização de caridade em missão para criar um mundo mais justo, criando igualdade no sistema educacional. O curta-animação ‘Cogs’ conta a história de dois meninos que se encontram, literalmente, em faixas separadas e pré-determinadas em suas vidas, e o drama depende do esforço para libertar-se dessas limitações impostas. “Andar sobre trilhos pode ser bom ou mau. Quando uma economia anda sobre trilhos parece que é bom. Quando os seres humanos andam sobre trilhos é mau sinal, é sinal de desumanização, de que a decisão transitou do homem para a engrenagem que construiu. Este cenário distópico assombra a literatura e o cinema ocidentais. Que fazer?  A resp

Poesia

De Mario Quintana.... mulheres. Aos 3 anos: Ela olha pra si mesma e vê uma rainha. Aos 8 anos: Ela olha para si e vê Cinderela.   Aos 15 anos: Ela olha e vê uma freira horrorosa.   Aos 20 anos: Ela olha e se vê muito gorda, muito magra, muito alta, muito baixa, muito liso, muito encaracolado, decide sair mas, vai sofrendo.   Aos 30 anos: Ela olha pra si mesma e vê muito gorda, muito magra, muito alta, muitobaixa, muito liso muito encaracolado, mas decide que agora não tem tempo pra consertar então vai sair assim mesmo.   Aos 40 anos: Ela se olha e se vê muito gorda, muito magra, muito alta, muito baixa, muito liso, muito encaracolado, mas diz: pelo menos eu sou uma boa pessoa e sai mesmo assim.   Aos 50 anos: Ela olha pra si mesma e se vê como é. Sai e vai pra onde ela bem entender.   Aos 60 anos: Ela se olha e lembra de todas as pessoas que não podem mais se olhar no espelho. Sai de casa e conquista o mundo.   Aos 70 anos: Ela olha para si e vê sabedoria, ri

Não se lamente por envelhecer

  Não se lamente por envelhecer: é um privilégio negado a muitos Por  Revista Pazes  - janeiro 11, 2016 Envelhecer  é um privilégio, uma arte, um presente. Somar cabelos brancos, arrancar folhas no calendário e fazer aniversário deveria ser sempre um motivo de alegria. De alegria pela vida e pelo o que estar aqui representa. Todas as nossas mudanças físicas são reflexo da vida, algo do que nos podemos sentir muito orgulhosos. Temos que agradecer pela oportunidade de fazer aniversário, pois graças a ele, cada dia podemos compartilhar momentos com aquelas pessoas que mais gostamos, podemos desfrutar dos prazeres da vida, desenhar sorrisos e construir com nossa presença um mundo melhor… As rugas nos fazem lembrar onde estiveram os sorrisos As rugas são um sincero e bonito reflexo da idade, contada com os sorrisos dos nossos rostos. Mas quando começam a aparecer, nos fazem perceber quão efêmera e fugaz é a vida. Como consequência, frequentemente isso nos faz sentir desajustados e incômodos

A velhice em poesia

Duas formas de ver a velhice. Você está convidado a "poetizar" por aqui . Sobre o tema que lhe agradar. Construiremos a várias mãos "o domingo com poesia". A Velhice Pede Desculpas - Cecília Meireles, in Poemas 1958   Tão velho estou como árvore no inverno, vulcão sufocado, pássaro sonolento. Tão velho estou, de pálpebras baixas, acostumado apenas ao som das músicas, à forma das letras. Fere-me a luz das lâmpadas, o grito frenético dos provisórios dias do mundo: Mas há um sol eterno, eterno e brando e uma voz que não me canso, muito longe, de ouvir. Desculpai-me esta face, que se fez resignada: já não é a minha, mas a do tempo, com seus muitos episódios. Desculpai-me não ser bem eu: mas um fantasma de tudo. Recebereis em mim muitos mil anos, é certo, com suas sombras, porém, suas intermináveis sombras. Desculpai-me viver ainda: que os destroços, mesmo os da maior glória, são na verdade só destroços, destroços. A velhice   - Olavo Bilac Olha estas velhas árvores, ma