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Fratelli Tutti - a leitura de um documento para a humanidade

Comentário do Blog: José Henrique N. Eisenmann escreveu um artigo sob o título "Meu entendimento do capítulo III da Encíclica Fratelli Tutti do Papa Francisco" que aqui transcrevo com muito prazer e, ao mesmo tempo, preenchendo uma lacuna da qual havia me distanciado. A exceção da citação do Rosseau  que menciona ' o homem",  na minha leitura do todo, mentalmente,   substitui a palavra homem por pessoa(s) ou ser humano. No link, ao final, o link para a integra da Encíclica Fratelli Tutti. 

Capítulo III – Pensar em gerar um mundo aberto.

“O homem é um animal social, portanto, deve viver em sociedade”, Jean-Jacques Rousseau. O ser humano só terá vida plena se tiver uma relação biunívoca de amor com outros seres humanos, e está relação não deve ficar restrita à sua família, grupo, estado ou nação, devendo ser geral e abrangente. Cada um de nós deve transcender a si mesmo numa abertura aos outros, seja quem forem estes outros.

Um homem pode ter todas as virtudes e ser bem reconhecido por elas, mas se estas virtudes não estiverem embasadas no amor, este homem nada valerá. O amor implica algo mais do que uma série de ações ou atitudes benéficas. As famílias, grupos, comunidades, estados e nações deveriam tratar-se  de forma mutuamente acolhedora, cuidando-se uns dos outros. Em cada grupo, sociedade e nações existem os não amados, os deficientes, os idosos, os sem condições básicas, os de outras raças, os pobres de espírito e os ignorantes além de muitos outros não relacionados, pois são tantos e de difícil identificação.

Um outro problema é a nossa percepção, a nossa natureza egocêntrica de ter vistas somente para os nossos sócios, ou seja, aqueles que pertencem ao nosso grupo, onde todos tem características semelhantes, no modo de pensar, na forma de agir, nos desejos, visões de mundo e característica financeiras, isolando completamente os outros que não se enquadram nessas características. Assim, não consideramos esses outros como iguais ou semelhantes a nós, não dispensando nenhuma consideração a eles, e muito menos o verdadeiro amor fraterno que todos tem direito.

Todos nós temos a tendência de considerar o mundo dividido em extratos sociais diferenciados, colocando-nos em um determinado extrato visando sempre alcançar o próximo e mais alto, e não considerando os extratos inferiores, que nos atrapalham e prejudicam o tempo e as ações para a nossa escalada. Todo o ser humano tem direito de viver com dignidade e desenvolver-se integralmente, e ninguém, pessoa, sociedade ou nação pode negar este direito fundamental. Todos o possuem, mesmo quem é pouco eficiente porque nasceu ou cresceu com limitações. É óbvio que isto não diminui a sua dignidade imensa de pessoa humana, que se baseia, não nas circunstâncias, mas no valor do seu ser. Se não tivermos em mente e em ações este princípio elementar, não há futuro para a fraternidade nem para a sobrevivência da humanidade.

A encíclica cita ainda outros diversos problemas oriundos da falta de amor entre os homens, como a ética não adequada utilizada frequentemente nas relações internacionais, a questão dos bens do território que não podem ser negados àqueles que tem necessidade e vem de outros lugares mais problemáticos, os aspectos da propriedade privada que só pode ser considerada como um direito natural secundário, e também a questão da dívida externa, que deve ser paga mas sem comprometer a existência e o crescimento dos mais pobres.

O conteúdo deste capítulo me fez lembrar de uma citação do padre John Main, já falecido e que foi diretor da Comunidade Mundial de Meditação Cristã. De forma prática e baseado em sua experiência e vivência na meditação, ele dá uma outra conotação ao mandamento mais importante citado por Jesus, que diz: “Amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a ti mesmo” Padre John dizia algo como: Se você não se amar, não poderá amar ao próximo, e não amando ao próximo não amará a Deus, principalmente porque você não O vê e não tem contato físico com Ele. No século III, um dos patriarcas, (padres do deserto) chamado Evágrio Pôntico, sentindo em seu amago formulou algo parecido dizendo: “Se queres conhecer a Deus, aprende primeiramente a conhecer a ti mesmo!” Sem o autoconhecimento corremos sempre o perigo de nossos pensamentos acerca de Deus serem meras projeções (1). Em face a isso não será possível gerar um mundo aberto, se cada um de nós não for capaz de nos amarmos verdadeiramente, para com isso amarmos o próximo, e naturalmente amarmos a Deus.

A encíclica cita muitas observações e verdades de como o mundo deve mudar, dizendo que a capacidade de amar deve ter dimensão universal, que devemos sair de si mesmo para encontrar os outros, mas apesar de apresentar com clareza todos os nossos problemas gerados pela falta de amor, ela não diz como fazer isso. Em face a isso perguntaria: “nós realmente nos amamos?”. “Sabemos o que é amar a si mesmo?” Creio que a resposta imediata seria: é claro que eu me amo. Entretanto tenho certeza que nós não sabemos o que realmente é amar-nos, ou amar a si mesmo.

De uma maneira bem simples amar a si mesmo é fazer de tudo para que nada nos prejudique, no âmbito físico, emocional, dispostos a aceitar autocríticas de nossos defeitos, nos rendendo às manifestações de nossos sentimentos, conhecendo e respeitando os nossos limites, admitindo o tempo necessário para as mudanças de nossos comportamentos, conscientes de que nunca seremos perfeitos, mas procurando melhorar sempre. Se não aceitarmos que somos imperfeitos, nunca conseguiremos nos amar, e, portanto, não haverá a possibilidade de autoconhecermos. Frequentemente nossas ações, pensamentos, julgamentos e inferências estão fundadas em nosso ego, que apresenta uma deformação, um desequilíbrio que orienta e define nossas ações, pensamentos, julgamentos e inferências, levando em consideração exclusivamente os nossos interesses, nem sempre percebidos.

O ego nos induz a querer ter sempre mais, a ser o melhor e o mais notável, a não ter obstáculos em nossas vontades, ações e pareceres, em poder sempre dirigir e orientar aos outros, não se submete e não guarda a humildade, o ego induz a nossa fala antes da dos outros, não aceita derrotas e fórmula novos argumentos para superar o que foi negado.

Quando nos amamos, vivemos em um estado pleno de ser, e não de ter. Nesse estado somos capazes de compreender que nem sempre nossos desejos são realizados, aceitando-os de bom grado, e não nos sentindo inferiores por força disso. Admitimos diante das tribulações que tudo tem seu próprio tempo para acontecer, e que este tempo não é governado por nós, não criando revoltas, mágoas ou desistências, aceitando as consequências mesmo com alguma tristeza, mas entendendo a situação e mantendo a paz interior. Aqueles que se amam não permitem que coisas ou pessoas subtraiam a paz, mesmo quando há ofensas. Praticam a aceitação da situação sem reagir, pois, são responsáveis pelo próprio bem-estar físico, moral e espiritual. Amar a si mesmo pressupõe não julgar a si e menos ainda aos outros, praticar a manutenção da paz, e gostar de sua própria companhia, não dependendo de ninguém para sentir-se bem, alegre e feliz.

Portanto, se queremos “Pensar e gerar um mundo aberto” devemos aprender a praticar o Amar a Si Mesmo, que induzirá a amarmos aos outros, amarmos o estranho no caminho e consequentemente amar a Deus. Aceite-se completamente com suas qualidades e imperfeições, viva intensamente o tempo presente, pare de reclamar dos acontecimentos e pessoas, respeite o seu tempo e dos acontecimentos de bom grado, esforce-se para mudar aquilo que é necessário, não se compare aos outros, preocupe-se com os problemas de hoje e deixe os demais para depois e finalmente cuide-se mais.– Livro de Anselm GrÜn – “O Céu Começa em Você” Editora Vozes

http://www.vatican.va/content/francesco/pt/encyclicals/documents/papa-francesco_20201003_enciclica-fratelli-tutti.html.

 



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