Os temas que levam brasileiros a pedir ajuda na pandemia e por que estar triste é tão comum
Coronavírus transformou rotina de atendimentos do centro de valorização à vida; "Nunca foi tão importante falar sobre suicídio", diz voluntário à BBC News Brasil.
"Nunca foi tão importante falar sobre suicídio", diz Batista à BBC News Brasil por telefone, em referência aos impactos da pandemia do novo coronavírus na saúde mental das pessoas.
Segundo o voluntário, estudos apontam que cerca de 35 milhões de brasileiros em algum momento da vida
pensarão no assunto, por diversos motivos. Com o novo coronavírus, ele conta, o
perfil destes homens e mulheres ganha novos contornos.
A voz de Batista é tranquila, amigável e todo tempo ressalta a importância de atos simples. Escutar. Falar. Entender.
A entrevista que duraria 15 minutos acaba se estendendo por mais de uma hora. O papo flui com serenidade.
"Pensar em
suicídio faz parte da vida. Agora, pensar em suicídio não significa
necessariamente pensar em morte", ele diz, tranquilizando aqueles que se
veem em situação de desespero. "É pensar que às vezes a vida está muito
difícil. E, então, não ver sentido na vida."
Aí entra o poder
muitas vezes subestimado do diálogo sem julgamentos.
"Quando você
consegue desabafar em um ambiente de compreensão, de acolhimento, sem crítica,
sem julgar, sem condenar, muito menos desvalorizar o que a pessoa está fazendo,
ela se alivia. Ela tem um olhar para o seu interior e pode ver seus recursos
para lidar com situações que não são nada fáceis. O voluntário atende a todas
as ligações com a maior importância. A pessoa que nos procura é a protagonista.
Nós não avaliamos o tamanho da dor. Uma história que pode parecer simples para
alguém para aquela pessoa é de suma importância."
À reportagem Batista
descreve a matéria-prima de seu trabalho. "Conversar é saber ouvir e poder
falar. Ouvir é estar atento. Nunca foi tão importante saber ouvir e se
aproximar de quem está sofrendo. Entender que as pessoas estão sofrendo."
Da ansiedade pelo fim da pandemia que não chega aos novos conflitos domésticos que o coronavírus trouxe, Batista relata como as mudanças de comportamento impostas pela doença se refletem nos chamados ao CVV em diferentes temas. Confira a seguir os principais:
Em maior ou menor grau, famílias em todo o mundo estão passando muito mais tempo juntas em tempos de coronavírus.
Hiperconvivência em casa - "A convivência nos lares (mudou): nas famílias saíam a esposa e o marido para trabalhar, o filho ou a filha, para estudar, e de repente eles estão convivendo agora muito mais próximos. E os sentimentos ficam muito mais presentes", diz Batista.Assim, a interação que antes se restringia às manhãs e noites, em muitos casos, passa a ocupar todo, ou quase todo, o dia. Muitas vezes em lares pequenos, apertados, sem opção de "fuga".
"Assim começam a surgir tensões." Se isso afeta você ou pessoas próximas, aponta o especialista, tente não se preocupar: nada mais comum.
"É preciso que haja um rearranjo de tarefas e funções, que antes eram mais ou menos estruturadas e agora precisam ser rediscutidas", diz Batista.
Por exemplo, quem faz a comida. Quem lava a louça. Quem cuida dos mais novos ou dos pets. Quem faz faxina. "No caso das mulheres, além das vezes do trabalho profissional, elas muitas vezes têm também o trabalho da casa. Isso se acumula. É preciso negociar uma nova redistribuição de tarefas."
O caminho é conversar sobre o tema com a família em busca de um arranjo que seja mais confortável para todos. Ou falar com alguém de confiança: parentes, amigos, profissionais de saúde ou voluntários do CVV. Você não precisa esperar a situação se complicar ou estar pensando em suicídio ou para buscar ajuda.
O luto incompleto - Em média, cerca de 5.000 pessoas morreram por dia, 35 mil por semana e 150 mil por mês. O Brasil foi um dos países mais atingidos. A primeira morte foi registrada em São Paulo no dia 12 de março. Desde então, mais de 200 mil pessoas morreram. O total de mortos só é menor do que o dos Estados Unidos, com 375 mil óbitos. A presença da morte mudou — e a forma como nos relacionamos com ela também.
“O luto também mudou”, diz Batista. “Pessoas que perderam pessoas e comparecem aos enterros, que agora são limitados. Assim, as pessoas não conseguem oferecer apoio de forma presente e de alguma forma não se despedem (como antes) da pessoa que perderam.”
Segundo o voluntário do Centro de Valorização da Vida, “o luto hoje acontece de forma diferente”. “Parece que falta a despedida”, diz. “É uma despedida que você tem sem ver. Ela acontece pela notícia que você recebe, mas muitas vezes você não pode estar junto oferecendo o seu apoio.”
“São formas diferentes de luto e nós precisamos nos adaptar.”
Falta de separação entre profissional e doméstico. O sonho do “home-office”, ou trabalho de casa, se tornou, na prática, um pesadelo para muitos. A mesa de jantar vira escritório, a cadeira é desconfortável, o vizinho (ou o quarto ao lado) é barulhento, as contas ficaram mais caras, as refeições acontecem em meio a computadores e documentos. “Às vezes, a pessoa está realizando seu trabalho profissional em sua casa e de repente acontece uma invasão com um assunto familiar”, exemplifica Batista.
Essas experiências vão se acumulando e podem chegar ao ponto de gerar sofrimento real entre familiares. Ele recomenda cuidado. “É preciso cuidar para que os horários estejam organizados para que se possa ter foco profissional, ou nos afazeres domésticos.” Muitas vezes as coisas se “atropelam” e as pessoas não pensam com clareza no impacto dessa falta de limites claros. Mais uma vez, a sugestão é conversar — seja entre familiares ou com chefes e colegas de trabalho.
Ansiedade - Quando as primeiras
notícias sobre o novo vírus chegaram, muitos pessimistas lamentaram que a
"vida mudaria nos próximos meses".
Mais de um ano depois,
mesmo com o desenvolvimento promissor de vacinas, a pandemia está longe de um
desfecho e o que se entendia como "vida normal" não deve voltar a
acontecer tão cedo, segundo especialistas.
"Depois de tomar
a vacina, é preciso voltar para casa, manter o isolamento social, aguardar a
segunda dose e depois esperar pelo menos 15 dias para que a vacina atinja o
nível de eficácia esperado", explicou há algumas semanas a bióloga Natália
Pasternak, presidente do Instituto Questão de Ciência, em entrevista à BBC News
Brasil.
"E mesmo depois, é preciso esperar que boa parte da população já tenha sido imunizada para a vida voltar ao normal." Além disso, imunizar a maioria dos 7,8 bilhões de habitantes do mundo será uma tarefa imensa. Nada nesta escala foi tentado antes. As vacinas e seus equipamentos — como os frascos para transportá-las — precisam ser fabricados em grandes quantidades. O fornecimento de vacinas pode não ser suficiente para atender a demanda por algum tempo.
"Está demorando muito para passar. Parece que no início havia uma expectativa de que duraria alguns meses, mas não está passando. E as pessoas começam a ficar irritadas", conta o voluntário. "O jovem, por exemplo, está mais presente no chat e no e-mail (em comparação ao telefone). Ele se sente mais à vontade — quem tem 14, 15, 16, 20 anos. E eles falam sem esperança de vida. Tem um bom percentual que toca no tema que a vida não tem sentido, toca no tema suicídio como uma coisa presente, como se não vissem uma possibilidade de perspectiva", diz.
"É um sinal de
desesperança. E, às vezes, o jovem fala das dificuldades com a família e da
própria agressividade interna com a qual eles passam a conviver, às vezes por
discussões com os pais. Quando iam para a escola, eles tinham um fator
atenuante. Eles sentem falta de retornar à escola, de ter contato com seus
pares, e com professores. No chat e no email, essa linguagem é bem
explícita", diz o profissional.
"É preciso falar de uma forma que valoriza a pessoa, não ter receio de se aproximar e conversar com ela: "Olha a vida está tão difícil, você já pensou em suicídio?". Mas no sentido de reconhecer que é uma pessoa que está sofrendo e que às vezes não sabe que pode pedir ajuda. Para que ela possa elaborar e falar. Isso pode fazer a diferença na vida dessas pessoas."
Economia - Já entre adultos, conversas sobre temas ligados à economia têm sido frequentes no último ano. "Não só o desemprego, mas também a perda de negócios", diz Batista.
Ele dá exemplos. "Pessoas que estavam em um crescente, que investiram e de repente têm que fechar. Ou, às vezes, sofrem por como se relacionar com empregados e ter que dispensar empregados. Ou o sacrifício de manter os empregados. A incerteza." Até o fim do ano, o Ministério da Economia calculava que o impacto de medidas econômicas adotadas na pandemia equivale a 8,6% do PIB (Produto Interno Bruto), a soma dos bens e serviços produzidos neste ano.
Um baque recente e
rumoroso aconteceu na segunda-feira (11/1), quando a Ford anunciou que fechará
suas três fábricas no país — em Camaçari (BA), Taubaté (SP) e Horizonte (CE).
Como resultado, quase 5.000 trabalhadores da Ford perderão o emprego. Mas,
segundo cálculos de governos locais, com as empresas agregadas, que prestam
serviços para a Ford, serão mais cerca de 7.000 empregos afetados: 12 mil sem
empregos no total, fora o impacto no comércio que girava em torno da empresa.
A ansiedade que o momento gera pode ser amenizada com uma simples conversa, sugere o voluntário do CVV. "A gente não para dois minutos para falar sobre o trabalho. Abrir um diálogo de um, dois minutos sem interferir, e se mostrar interessado em como a pessoa está naquele momento. É como regar uma planta — cada contato de bom dia, uma conversa, é como um antídoto para a semente crescer, e ir florindo."
"O silêncio comunica algo - eu liguei, tenho algo para falar e não consigo falar." GETTY IMAGES
Ele explica. "Nós entendemos que o silêncio é uma forma de comunicação. E, nesse silêncio, eu preciso me fazer presente e compreender, porque em silencio (o interlocutor) está dizendo algo: que mesmo ligando, ela não consegue ainda falar sobre a dor ou o que motivou a ligar."
"Essas ligações silenciosas são um desafio porque eu preciso me fazer presente e ao mesmo tempo respeitar o tempo da pessoa, que não consegue nem se expressar."]É preciso ficar atento aos sinais, conta o experiente voluntário. "Às vezes é uma respiração ofegante, às vezes se balbucia algumas palavras não claras, às vezes vem o choro. O silêncio comunica algo - eu liguei, tenho algo para falar e não consigo falar."
Ele conta que o caminho nessas horas é se mostrar presente e respeitar o tempo do interlocutor. "A gente não consegue puxar, a gente consegue acolher. Porque se você puxa, a pessoa se fecha, desliga, vai embora. É como se eu não respeitasse o tempo dela e todos nós para elaborar alguma coisa precisamos de um tempo", ele diz. "Eu me mantenho presente e disponível." Fonte: https://www.bbc.com/portuguese/
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