Abismo entre ricos e pobres cria sociedades menos coesas e produtivas e mais violentas e angustiada
30.jan.2021 às 23h15 por Alexandre Kalache
Presidente
do Centro Internacional da Longevidade no Brasil (ILC-BR)
Quem sustentará um país que em breve terá mais avós que netos? Como
envelhecerão os jovens de hoje que nem estudam nem trabalham? Terão eles
condições de cuidar de seus pais?
O número de desempregados e desalentados atingiu
níveis recordes mesmo antes da pandemia —e continua aumentando. Trabalho
precário, no setor informal, sem proteção social, condena milhões de cidadãos
com 50 anos ou mais à vulnerabilidade, com chance remota de volta ao mercado de
trabalho formal.
No ranking da desigualdade, sempre estivemos entre as dez piores
colocações. No final de 2019, a desigualdade por renda havia crescido
pelo 19º trimestre consecutivo. A pandemia só tem feito aumentar o golfo que
separa os que estão no topo da pirâmide daqueles que integram a base inchada,
mesmo levando em consideração o auxílio dado pelo governo —por definição, emergencial.
Em meio à pandemia, a pobreza é especialmente cruel com os idosos, apontados como principal grupo de risco da Covid-19 - Alfredo Henrique - 22.mar.2020/Folhapress
Marcelo Neri, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), observou que entre 2014 e 2019 a renda da metade mais pobre da população diminuiu 17,1%, enquanto a do 1% mais rica aumentou em 10,1%. Isso num contexto em que os 5% de brasileiros no topo da pirâmide acumulam bens equivalentes aos demais 95%. No entanto, a pandemia não impediu um aumento do número de bilionários no país.
Enquanto outros países começam a ver os frutos da 4ª Revolução Industrial,
milhões de brasileiros ainda não se beneficiaram das inovações das três
primeiras: domínio da energia, produção em massa e digitalização. Podem até ter
um smartphone na mão, mas os pés estão no esgoto, inexistente para mais da
metade da população.
É como se o que o escritor Stefan Zweig proclamou há décadas, “Brasil, o
País do Futuro”, pareça-se mais com um país do passado.
Nossa produção industrial em 2020 não chegou a 10% do PIB (Produto
Interno Bruto), a menor fatia desde 1947. O abismo da exclusão digital tem
crescido durante a pandemia. Dados do Instituto Mobilidade e Desenvolvimento
Social (IMDS) mostram que 55% dos filhos de pais sem instrução não têm acesso à
internet, comparados a 4,9% daqueles cujos pais têm instrução superior.
Como competir uns com outros se o ensino passou a ser essencialmente
virtual? Não é à toa que a abstenção no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) tenha
sido superior a 50%. Para que tentar se você se sente tão despreparado?
A Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento
Econômico (OCDE), o clube dos países ricos, publicou em 2017 o
relatório “Prevenir o Envelhecimento Desigual”. Não preveni-lo prejudica tanto
pobres quanto ricos. Não só a economia se torna insustentável como aumenta a
incidência de doenças que poderiam ser prevenidas, assim como o nível de
ansiedade e estresse, com consequências negativas para a saúde de todos, física
e mental.
Sociedades menos desiguais são mais coesas e produtivas e menos
violentas e angustiadas, além de apresentarem níveis muito mais baixos de
disfunção social.
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