Em tempos de globalização, a discussão sobre os objetivos da educação é fundamental para a definição do modelo de país em que viverão as próximas gerações.
Em cada sociedade, a educação deve ser concebida para atender, ao mesmo tempo, ao interesse social e ao interesse dos indivíduos. É da combinação desses interesses que emergem os seus princípios fundamentais e são estes que devem nortear a elaboração dos conteúdos do ensino, as práticas pedagógicas e a relação da escola com a comunidade e com o mundo.
O interesse social se inspira no
papel que a educação deve jogar na manutenção da identidade nacional, na idéia
de sucessão das gerações e de continuidade da nação, na vontade de progresso e
na preservação da cultura. O interesse individual se revela pela parte que é
devida à educação na construção da pessoa, em sua inserção afetiva e
intelectual, na sua promoção pelo trabalho, levando o indivíduo a uma
realização plena e a um enriquecimento permanente. Juntos, o interesse social e
o interesse individual da educação devem também constituir a garantia de que a
dinâmica social não será excludente.
Em todos os casos a sociedade será
sempre tomada como um referente, e, como ela é sempre um processo e está sempre
mudando, o contexto histórico acaba por ser determinante dos conteúdos da
educação e da ênfase a atribuir aos seus diversos aspectos, mesmo se os
princípios fundamentais permanecem intocados ao longo do tempo. Foi dessa forma
que se deu a evolução da idéia e da prática da educação durante os últimos
séculos, paralelamente à busca de formas de convivência civilizada, alicerçadas
em uma solidariedade social cada vez mais sofisticada.
As modalidades sucessivas da
democracia como regime político, social e econômico levaram, no após guerra, à
social-democracia. A história da civilização se confundiria com a busca, sempre
renovada, e o encontro das formas práticas de atingir aqueles mencionados
princípios fundamentais da educação, sempre a partir de uma visão filosófica e
abrangente do mundo.
Esse esforço, para o qual
contribuíram filósofos, pedagogos e homens de Estado, acaba por erigir como
pilares centrais do sistema educacional: o ensino universal (isto é, concebido
para atingir a todas as pessoas), igualitário (como garantia de que a educação
contribua a eliminar desigualdades), progressista (desencorajando preconceitos
e assegurando uma visão de futuro).
Daí, os postulados indispensáveis de
um ensino público, gratuito e leigo (esta última palavra sendo usada como
sinônimo de ausência de visões particularistas e segmentadas do mundo) e, dessa
forma, uma escola apta a formar concomitantemente cidadãos integrais e
indivíduos fortes. Aliás, foram essas as bases da educação republicana, na
França e em outros países europeus, baseada na noção de solidariedade social exercida
coletivamente como um anteparo, social e juridicamente estabelecido, às
tentações da barbárie.
A globalização, como agora se
manifesta em todas as partes do planeta, funda-se em novos sistemas de
referência, em que noções clássicas, como a democracia, a república, a
cidadania, a individualidade forte, constituem matéria predileta do marketing
político, mas, graças a um jogo de espelhos, apenas comparecem como retórica,
enquanto são outros os valores da nova ética, fundada num discurso enganoso, mas
avassalador.
Em tais circunstâncias, a idéia de
emulação é compulsoriamente substituída pela prática da competitividade, o
individualismo como regra de ação erige o egoísmo como comportamento quase
obrigatório, e a lei do interesse sem contrapartida moral supõe como corolário
a fratura social e o esquecimento da solidariedade.
O mundo do pragmatismo triunfante é o
mesmo mundo do “salve-se quem puder”, do “vale-tudo”, justificados pela busca
apressada de resultados cada vez mais autocentrados, por meio de caminhos
sempre mais estreitos, levando ao amesquinhamento dos objetivos, por meio da
pobreza das metas e da ausência de finalidades. O projeto educacional
atualmente em marcha é tributário dessas lógicas perversas. Para isso, sem
dúvida, contribuem: a combinação atual entre a violência do dinheiro e a
violência da informação, associadas na produção de uma visão embaralhada do
mundo; a perplexidade diante do presente e do futuro; um impulso para ações
imediatas que dispensam a reflexão, essa cegueira radical que reforça as
tendências à aceitação de uma existência instrumentalizada.
É nesse campo de forças e a partir
dessa caldo de cultura que se originam as novas propostas para a educação, as
quais poderíamos resumir dizendo que resultam da ruptura do equilíbrio, antes
existente, entre uma formação para a vida plena, com a busca do saber
filosófico, e uma formação para o trabalho, com a busca do saber prático.
Esse equilíbrio, agora rompido,
constituía a garantia da renovação das possibilidades de existência de
indivíduos fortes e de cidadãos íntegros, ao mesmo tempo em que se preparavam
as pessoas para o mercado. Hoje, sob o pretexto de que é preciso formar os
estudantes para obter um lugar num mercado de trabalho afunilado, o saber
prático tende a ocupar todo o espaço da escola, enquanto o saber filosófico é
considerado como residual ou mesmo desnecessário, uma prática que, a médio
prazo, ameaça a democracia, a República, a cidadania e a individualidade.
Corremos o risco de ver o ensino reduzido a um simples processo de treinamento,
a uma instrumentalização das pessoas, a um aprendizado que se exaure
precocemente ao sabor das mudanças rápidas e brutais das formas técnicas e
organizacionais do trabalho exigidas por uma implacável competitividade.
Daí, a difusão acelerada de propostas
que levam a uma profissionalização precoce, à fragmentação da formação e à
educação oferecida segundo diferentes níveis de qualidade, situação em que a
privatização do processo educativo pode constituir um modelo ideal para
assegurar a anulação das conquistas sociais dos últimos séculos. A escola
deixará de ser o lugar de formação de verdadeiros cidadãos e tornar-se-á um
celeiro de deficientes cívicos.
É a própria realidade da globalização
-tal como praticada atualmente- que está no centro desse debate, porque com ela
se impuseram idéias sobre o que deve ser o destino dos povos, mediante
definições ideológicas sobre o crescimento da economia, como a chamada
competitividade entre os países. As propostas vigentes para a educação são uma consequência,
justificando a decisão de adaptá-la para que se torne ainda mais instrumental à
aceleração do processo globalitário. O debate deve ser retomado pela raiz,
levando a educação a reassumir aqueles princípios fundamentais com que a
civilização assegurou a sua evolução nos últimos séculos -os ideais de
universalidade, igualdade e progresso-, de modo que ela possa contribuir para a
construção de uma globalização mais humana, em vez de aceitarmos que a
globalização perversa, tal como agora se verifica, comprometa o processo de
formação das novas gerações.
Imagem; https://averdade.org.br/ Fonte para o Blog: www.revistaprosaversoearte.com/
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