Papai Noel, neve e frio são símbolos impostos pela propaganda até mesmo em países tropicais como o Brasil
Então é Natal. A data cristã
celebrada por grande parte dos brasileiros costuma, na teoria, propagar o
espírito natalino carregado de solidariedade e senso de comunhão. Porém, outro
espírito permeia cada vez mais essa época do ano: o consumismo. Será que quando
se tornarem adultas, as crianças de hoje irão se lembrar dos momentos em
reunião com familiares e amigos ou apenas do brinquedo que ganharam ou deixaram
de ganhar? O Natal perdeu sua essência? Afinal, qual é o verdadeiro significado
dessa data?
Para Taynã Bonifácio, coordenadora da
Comunidade Mundial para Meditação Cristã, infelizmente o consumismo alterou a essência e o significado do Natal.
“A secularização e o materialismo fizeram com que esse período fosse muitas
vezes resumido à superficialidade do verbo comprar”, lamenta ela que também
comanda o projeto brincando de meditar em algumas escolas da
capital paulista.
“Certa vez, ouvi no rádio uma
propaganda de um shopping que dizia que esse era o momento de transformar os
nossos sentimentos em presentes. E na verdade, deveríamos fazer exatamente o
oposto, deixar um pouco de lado a superficialidade dos presentes para entrarmos
verdadeiramente em contato com nossos familiares num ritual com maior
significado. No Natal, devemos nos preocupar mais com estar presente do que dar presente”, aconselha Bonifácio.
O professor do Instituto de
Psicologia da USP Cristian Dunker analisa que o Natal vinculado ao consumo nega
ponto a ponto os valores originários do cristianismo. “São eles: o altruísmo, e
não a cobiça com os presentes; a sobriedade, e não a ostenção de árvores, luzes
e enfeites; a felicidade imaterial gerada pelo amor como renúncia, e não o
prazer material; e a comunidade de iguais e fraternos diante do Senhor, e não o
individualismo e a concorrência entre diferentes modalidades, mais ricas ou
mais pobres de convivialidade”.
O Natal vinculado ao consumo nega ponto a ponto os valores originários do cristianismo
Já para o antropólogo e professor da Unesp de Bauru Cláudio Bertolli, não é que a sociedade abandonou os valores, mas ela os deixou submetidos aos interesses e aspirações materiais. “Os valores estão presentes, mas de uma maneira pouco clara para os próprios indivíduos, tendendo a ganhar maior reconhecimento nos momentos de crise. Por exemplo, se o indivíduo está bem, com a vida equilibrada, as celebrações de Natal e Ano Novo confundem-se com a troca de presentes, comilanças e festas; se, pelo contrário, o indivíduo não está bem, ele fica ainda mais depressivo, tomando consciência que tal período deveria ser pautado por solidariedade, troca de gentilezas e expressões de sentimentos fraternos mais do que troca de presentes”, observa Bertolli.
Caridade marcada pelo consumismo - “Nessa época do ano, as pessoas ‘adotam’ sacolinhas de crianças, ficam mais generosas, existem as ‘caixinhas’ de final de ano. Isso por si só não é problema. O problema é achar que o espírito de caridade deve ser vivido pontualmente nessa fase do ano”, critica Taynã Bonifácio.
Para Dunker, a solução para tanto consumo não está em demonizar os objetos como se eles fossem a fonte da corrupção moral, assim, estaríamos colocando-os no lugar de “outros deuses”. “Não é a posse de nenhum objeto que vai nos tornar virtuosos, mas apenas a autonomia, a separação e ‘bom uso’ que conseguirmos criar diante desses objetos, como mediadores e enriquecedores de nosso encontro com o outro”, afirma o psicanalista.
Afinal, o que é o Natal? - O Natal certamente é um dos eventos mais importantes do ano para um católico. A data celebra o nascimento de Jesus como encarnação do filho de Deus. Como citado no evangelho de João (1: 1-2 /14): “No princípio era o Verbo, e o Verbo estava junto de Deus e o Verbo era Deus. E o Verbo se fez carne e habitou entre nós.”
“O Natal marca a humildade de Deus e
sua vontade de estar próximo a nós. É um evento muito significativo o que
vivemos nessa época do ano e que chamamos de advento. O advento (do latim adventus:
que significa 'chegada') é o período que antecede o Natal. Esse é um tempo de
preparação e alegria no qual esperamos o nascimento do menino Jesus”, explica
Bonifácio.
Segundo ela, o que acontece é que muitos católicos acabam por se preocupar mais com os preparativos da ceia e com os presentes do que em vivenciar o advento. “As pessoas dedicam tempo e energia para planejar a ceia de Natal, o que cada um deve levar, na casa de quem, sorteio do amigo secreto e tudo mais. E com isso, também dedicam grande parte do tempo em filas de estacionamentos, lojas e supermercados. Afinal, é preciso comprar os presentes, o tender, chester e todos esses ‘artigos’ natalinos. E assim, o grande problema é que um evento de enorme magnitude deixa de ser vivido em sua essência”, diz.
Papai Noel - É comum em algumas famílias católicas levar o mito adiante e colocar o tio, primo ou conhecido para se fantasiar de Papai Noel. Para quem segue a brincadeira, é possível apreciar os olhinhos brilhantes das crianças à espera daquele que trará uma sacola abarrotada com brinquedos. Infelizmente, nem todos os pequenos que esperam por ele recebem sua visita fictícia. Mas o fato é que esse personagem habita o imaginário de muitas crianças brasileiras. Como isso surgiu?
O símbolo do 'bom velhinho' perdura séculos, mas sofreu significativas transformações ao longo dos anos“A figura do Papai Noel, inspirada em
um papa medieval foi criada por volta do século 16 para expressar, sobretudo, o
amor ao próximo e a doação de bens a este mesmo próximo, sem preocupação de
receber retribuição por atos bondosos”, conta Bertolli. Com o passar do tempo e
com as mudanças históricas, a imagem e o sentido dado ao Papai Noel sofreram
transformações. “A partir do século 20, destacou-se o ‘bom velhinho’ como
símbolo de festas e troca de presentes. Isto não quer dizer que o sentido
original dele tenha sido extinto, o que aconteceu foi apenas a exaltação do
símbolo como emblema de festança e comilança”, explica o antropólogo.
Bertolli relata que na década de 1930, o personagem Papai Noel foi adotado como garoto propaganda natalino da marca de refrigerante Coca-Cola. Foi aí que o personagem ganhou o formato atual, incluindo a vestimenta vermelha, que antes era verde.
Culto à cultura alheia - Como garoto propaganda, a figura do Papai Noel passou a ser explorada pela marca em escala mundial. As campanhas publicitárias, inicialmente nos meios impressos, ganharam maior visibilidade com o advento da televisão. Assim, o personagem criado na Europa e adotado nos Estados Unidos, regiões onde parte do território é tomada pela neve no inverno durante o Natal, foi incorporado em vários países.
Essa peculiaridade geográfica da região de origem do personagem acabaria disseminada pelo mundo no formato de publicidade. Isso, por sua vez, gerou cenários e situações estranhas, nas quais personagens com trajes invernais são usados como símbolos do Natal mesmo em países tropicais como o Brasil, onde, em dezembro, o calor prevalece.
São muito distantes da nossa cultura tropical os trajes do Papai Noel incorporados de países do hemisfério Norte
“Nesses termos, falamos também em uma
forte dependência cultural. Mais do que o inverno, o Papai Noel sempre é um
personagem branco, mesmo nos países nos quais a população é constituída
majoritariamente por não brancos. Incorporar símbolos de outras culturas, tanto
nos espaços públicos quanto nos recintos domésticos, constitui-se no culto à
cultura alheia.
Em outras palavras, acabamos
celebrando mais o Natal como festa e como culto à cultura alheia do que como um
momento de reflexão sobre a própria existência individual e coletiva”, analisa
Bertolli.
Essa importação está espalhada pelos
centros comerciais das cidades brasileiras homens de barba branca que, em pleno
verão, vestem gorro, roupa vermelha com punhos de lã e botas. Aqui, os papais
Noel passam muito calor em poltronas cercadas por neve falsa e renas de
mentira. Nada mais distante e alheio à nossa cultura do que essa imagem
publicitária.
A versão mais abrasileirada do Papai
Noel é o Pelznickel (Papai Noel do Mato), personagem folclórico do Natal em
Guabiruba, em Santa Catarina, onde imigrantes alemães criaram uma figura com
chifres, que se veste com folhas e capim e que anda carregando um cajado
pontiagudo. Esse, pelo menos, não é produto de uma empresa de refrigerantes.
Foto 1: www.metropoles.com/ Foto 2: Cláudio Santos/ Agência Pará (13/12/2014)
Desenho Google Fonte artigo: https://namu.com.br/
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