Por Wagner Ivan Fonsêca de Oliveira,
Docente do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do
Norte (IFRN), Natal, RN, Brasil. e Kenio Costa de Lima, Editor da Revista
Brasileira de Geriatria e Gerontologia e professor titular na Universidade
Federal do Rio Grande do Norte, Natal, RN, Brasil.
Em entrevista, o autor fala da materialização de uma educação emancipatória associada à participação e controle social que são instrumentos preponderantes para assegurar o fortalecimento das políticas de proteção social à pessoa idosa. É preciso repensar as políticas públicas para que não se tornem apenas um anteparo ideológico e simbólico e, portanto, inefetivo que encarece o poder legislativo. A compreensão dos mecanismos de poder sutis e aparentemente desinteressados que modelam nossa trajetória de vida é imprescindível para transformarmos a realidade e garantirmos uma velhice digna. Confira:Wagner Ivan Fonsêca de Oliveira, é doutorando em Saúde Coletiva pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte e docente do Instituto Federal do Rio Grande do Norte. Atua na área de qualidade dos serviços em saúde com ênfase na dimensão Atenção Centrada na Pessoa Idosa e políticas públicas. Publicou 3 livros, sendo 2 na área da qualidade dos serviços em saúde e um outro relacionado às questões que envolvem o controle social da pessoa idosa pelas políticas de saúde, além de outras publicações em periódicos científicos.
1. Como a pessoa idosa é vista nas políticas públicas que tratam de aspectos que impactam diretamente nas suas vidas? A ideologia da velhice nas políticas públicas se dá pelas concessões legais a partir das prerrogativas do Estado, subordinadas à uma racionalidade biomédica que determinam biografias a partir de um receituário voltado para aspectos estritamente biológicos. As políticas reforçam a imagem equivocada de uma velhice homogênea, ignorando todas as outras dimensões do ser humano, inclusive sua própria história. Dessa forma, legitimam a culpa da condição de saúde da pessoa idosa à sua própria negligência e evidencia a necessidade de seguir padrões para uma velhice ajustada aos interesses capitalistas, conforme Debert (2004). Negar a velhice e despolitizar as pessoas são instrumentos que autorizam a (des)responsabilização do Estado na garantia do cuidado de qualidade para com os idosos.
2. Como você avalia o controle social na consecução das políticas públicas relacionadas ao envelhecimento? O controle social é a melhor forma de garantir uma gestão participativa e monitoramento das ações públicas descentralizadas, pois é realizada pelos principais interessados no processo, a comunidade e os próprios idosos. Porém, tem representado apenas mais um instrumento social ideológico e simbólico, pois mesmo presente na constituição e regulamentado em lei (BRASIL, 1990) não se configura como um fator de transformação social. É preciso uma mobilização ampla, a começar por instituições públicas representativas da população, como Ministério Público, Conselhos de Direitos, Conselhos de Saúde entre outros e, principalmente, de uma consciência política populacional representativa. Essa só é possível a partir de uma educação emancipatória ao longo de toda uma vida, sobretudo ao considerarmos que as questões impostas pela velhice não são exclusivas dos indivíduos que envelhecem. Assim, o tratamento digno ao envelhecimento não pode ser uma política de governo, mas de Estado e envolver toda sociedade.
3. Em quais alternativas você tem se envolvido para legitimar os direitos das pessoas idosas?Primeiramente por considerar o modo de vida das pessoas como uma expressão política e, portanto, na promoção da consciência política como um meio para legitimar os direitos das pessoas idosas no cotidiano, sendo ainda mais relevante quando grande parte desse contingente populacional tenha sido silenciado por um sistema político disciplinador como a ditadura militar. Outro aspecto importante é no desenvolvimento do primeiro instrumento válido internacionalmente para avaliar a qualidade do cuidado na Atenção Primária à saúde, também chamada de Atenção Básica no Brasil, a partir da dimensão Atenção Centrada na Pessoa que garante que os valores individuais dos usuários possam orientar todas as decisões de saúde (INSTITUTE OF MEDICINE COMMITTEE ON QUALITY OF HEALTH CARE IN AMERICA, 2001). O instrumento ficará disponível para preenchimento nas Unidades Básicas de Saúde (UBS) por todos os entes sociais envolvidos no processo de cuidado para com o idosos, desde eles próprios aos gestores das UBS. Favorecerá assim, o protagonismo sociopolítico das pessoas idosas nos espaços decisórios societários e, por conseguinte, o fortalecimento das políticas de proteção a esse grupo social. Permitirá também uma gestão participativa e democrática devido a um envolvimento heterogêneo dos diferentes entes sociais, possibilitando uma melhor compreensão das singularidades e contextos presentes nos territórios da vida cotidiana da pessoa idosa.
4. Qual a relação existente entre a imagem da pessoa idosa nas políticas públicas e o contexto atual na perspectiva da saúde da pessoa idosa? Por meio das políticas públicas somos convocados a negar o envelhecimento em nome da idealização de uma juventude eterna a ser incessantemente perseguida. A velhice aparece como uma espécie de segredo vergonhoso. Para Laranja (2004), pode-se ter idade igual ou superior a 60 anos, mas não se deve deixar isso transparecer para não evidenciar a proximidade de uma “inutilização” ou outra forma de utilização enquanto sujeitos produtores de capital. A homogeneização da imagem da pessoa idosa produtiva e útil evidencia a necessidade do idoso se adequar aos padrões estabelecidos para não serem marginalizados e isolados socialmente. Os interesses hegemônicos do modo capitalista de produção desnaturalizam o envelhecimento e ocultam a realidade vivida da pessoa idosa durante toda a trajetória de sua vida, pondo termo ao que é denominado problemática social da velhice.
5. Quais as
perspectivas para futuras políticas públicas voltadas às pessoas
idosas? Como defende Neves (2011), os
direitos à velhice digna previstos na constituição e um protagonismo
sociopolítico somente poderão se tornar realidade a partir de uma profunda
transformação social. É importante pensarmos novas políticas para proteção
social da pessoa idosa, mas mais do que isso, precisamos pensar em sua
concretude para não a tornar mais uma lei simbólica e inefetiva. A lei não pode
ser apenas um anteparo ideológico que encarece o poder legislativo em busca de
um reconhecimento social. Para tanto, deve haver uma mudança cultural relacionada
a uma crença instrumentalista nos efeitos da lei, pela qual se atribui à
legislação a solução dos problemas sociais, o que cotidianamente desmentimos
tal afirmação. Outro ponto crucial é a participação
dos principais interessados no processo de construção das leis, no caso os
próprios idosos, pois facilitará a compreensão das reais necessidades e
expectativas desse grupo populacional, além de fortalecer a capacidade
gerencial, construção de consciência coletiva e responsabilização dos
envolvidos. Ademais, é imprescindível criar pautas políticas próprias de forma
ascendente município à federação, para que os municípios não sejam apenas
executores de políticas ministeriais e possam ampliar as possibilidades de
singularizar o cuidado às pessoas idosas nas comunidades.
Referências
NEVES, M. A constitucionalização simbólica.
São Paulo: Martins Fontes, 2011.
Links externos Revista Brasileira de Geriatria e Gerontologia –
RBGG: www.scielo.br/rbgg
Sobre os Autores
Facebook: https://www.facebook.com/RevistaBGG
Youtube: https://www.youtube.com/RBGG
BRASIL. Lei nº 8080/90, de 19 de setembro 1990. Dispõe sobre as
condições para promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o
funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 19 de setembro de
1990.
INSTITUTE OF MEDICINE. COMMITTEE ON QUALITY OF HEALTH CARE IN AMERICA. Crossing the quality chasm: a new health system for the
21st century. Washington, D.C.: National Academy Press, 2001.
DEBERT, G.G. A reinvenção da velhice:
socialização e processos de reprivatização do envelhecimento. São Paulo:
Fapesp, 2004.
LARANJA, A L. Estatuto do idoso: ampliação e alargamento dos
direitos humanos na sociedade brasileira. In: LEMOS, M.T.T.B. and ZAGAGLIA, R.
A. (Orgs.) A arte de envelhecer: saúde,
trabalho, afetividade, Estatuto do Idoso. Aparecida: Idéias & Letras, 2004.
p. 35-50.
Wagner Ivan Fonsêca de Oliveira é docente do Instituto Federal de Educação,
Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte. Mestre e doutorando em Saúde
Coletiva pelo Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte. Atua na área de Saúde Coletiva com ênfase em
avaliação e qualidade em serviços de saúde.
E-mail: wagner.fonseca@ifrn.edu.br Lattes: lattes.cnpq.br/2677598074510049
Kenio Costa de Lima é docente da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte, pós-doutor pela Agência de Saúde Pública de Barcelona (ASPB) e
atua na área de Saúde Pública, discutindo, sobretudo, temas relativos à
Epidemiologia, ao Envelhecimento, às doenças infecciosas. Sua principal linha
de pesquisa é Envelhecimento e saúde.
E-mail: limke@uol.com.br Lattes: http://lattes.cnpq.br/583567338501457
Como citar este post [ISO 690/2010]:
OLIVEIRA, W. I. F. de and LIMA, K. C. de Políticas
e iniciativas de cuidado a partir do protagonismo da pessoa idosa na Atenção
Básica [online]. SciELO em Perspectiva: Humanas,
2020 [viewed 12 November 2020]. Available from:
https://humanas.blog.scielo.org/blog/2020/06/26/politicas-e-iniciativas-de-cuidado-a-partir-do-protagonismo-da-pessoa-idosa-na-atencao-basica/
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