O ponto focal da conversa foi pautado acerca das desigualdades raciais, de gênero e sociais no envelhecimento do Centro Internacional da Longevidade.
1. Quanto o racismo é responsável pela menor expectativa de vida do negro? - Muito. É difícil precisar um valor aproximado porque ainda não tivemos no Brasil um estudo cujo foco tenha sido esse. O que se pode afirmar é que a trajetória de uma pessoa negra (preta ou parda) já começa em situação de desigualdade ainda antes de nascer, quando já se observa a qualidade e quantidade das consultas pré-natais de mulheres negras, passando pelas causas de mortalidade na fase jovem e adulta da pessoa negra e, quando todas essas barreiras são ultrapassadas, o envelhecimento não será semelhante ao de outros grupos de idosos.
2. O fato de ser uma pessoa idosa aumenta a percepção do racismo? - Sim, em uma análise que fiz com dados do Estudo Longitudinal da Saúde dos Idosos (artigo em andamento), os idosos pretos tiveram uma maior percepção quando comparado a idosos brancos e até pardos de que a cor da pele e a idade aumentam a discriminação percebida nos locais onde reside. Isso pode gerar diversas repercussões na vida social, no corpo, nos aspectos emocionais, trabalho e aprendizado ao longo da vida.
3. O negro que chega a ser idoso tem as mesmas condições de acessar o sistema de assistência social que os não negros? - Desconheço alguma pesquisa que tenha investigado esse aspecto com maior profundidade. O que posso deduzir é que provavelmente sim, considerando a redução de recursos físicos dos serviços sociais, principalmente em territórios das periferias. Há também a baixa escolaridade dos idosos negros, a insuficiência familiar que reduz o auxílio para a busca desses serviços e, infelizmente, práticas institucionais que invisibilizam as demandas específicas de idosos negros.
4. A diversidade cultural do negro idoso é respeitada na Instituição de Longa Permanência para Idoso (ILPI)? - Na grande maioria das vezes, não. Considerando os perfis das ILPI que costumam receber idosos negros, há muita precariedade na oferta de serviços e de atendimento humanizado e individualizado. Já constatei ILPI que compartilhavam itens pessoais de acordo com o biotipo de residentes. Isso chega a ser violento. Não são espaços promotores do envelhecimento ativo.
5. Os profissionais estão aptos a lidar com pessoas vítimas de racismo a vida inteira, ou a supremacia da branquitude considera a pauta negra vitimista? - Entendo que a maioria não está apta. Tivemos um processo de democratização no qual o racismo foi um dos seus pilares, infelizmente, e não apagou as marcas da escravização no Brasil. Estruturamos uma sociedade e suas instituições com práticas que discriminam o tempo todo (no trabalho, no ensino, na conjugalidade, no lazer e por aí vai). Algumas instituições já avançaram na tentativa de desconstruir práticas racistas e rever o privilégio da branquitude. Mas ainda temos muito o que mudar, pois nas posições de tomada de decisão e de gestão da economia, do trabalho, da saúde e da previdência ainda há muitas práticas racistas que se manifestam pela omissão ou redirecionamento de investimento ou de narrativas unilaterais, sem o protagonismo e escuta da voz do idoso negro também. É incorreto e desrespeitoso chamar de “vitimismo” a voz do outro (aqui, o negro) que reivindica seus direitos e oportunidades.
Kenio Costa de Lima, Editor da Revista Brasileira de Geriatria e Gerontologia e professor titular na Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, RN, Brasil
Referências
BATISTA, L.E.; ESCUDER, M.M.L. and PEREIRA, J.C.R. A cor da morte: causas de óbito segundo características de raça no Estado de São Paulo, 1999 a 2001. Rev. Saúde Pública [online]. 2004, vol. 38, no. 5, pp. 630-636, ISSN: 1518-8787 [viewed 3 June 2020]. DOI: 10.1590/S0034-89102004000500003. Available from: http://ref.scielo.org/799cvg
SILVA, A. da, et al. Iniquidades raciais e envelhecimento: análise da coorte 2010 do Estudo Saúde, Bem-Estar e Envelhecimento (SABE). Rev. bras. epidemiol. [online]. 2018, vol. 21, suppl. 2, e180004, ISSN: 1980-5497 [viewed 3 June 2020]. DOI: 10.1590/1980-549720180004.supl.2. Available from: http://ref.scielo.org/yfjzz9
WERNECK, J. Racismo institucional e saúde da população negra. Saude soc. [online]. 2016, vol. 25, no. 3, pp. 535-549, ISSN: 1984-0470 [viewed 3 June 2020]. DOI: 10.1590/s0104-129020162610. Available from: http://ref.scielo.org/vx8bbx
WILLIAMS, D.R. and PRIEST, N. Racismo e Saúde: um corpus crescente de evidência internacional. Sociologias [online]. 2015, vol. 17, no. 40, pp. 124-174, ISSN: 1807-0337 [viewed 3 June 2020]. DOI: 10.1590/15174522-017004004. Available from: http://ref.scielo.org/35jm7x
Fonte: humanas.blog.scielo.org/blog/2020/06/24/Sobre o Autor
Alexandre da Silva é professor, pesquisador, gerontólogo e sanitarista. Atua nas áreas da saúde coletiva, gerontologia, fisioterapia, bioestatística, epidemiologia, metodologia científica, reabilitação, saúde do trabalhador, políticas de saúde e saúde da população negra.
E-mail: alexandre.geronto@gmail.com Lattes:lattes.cnpq.br/5413333001883835
Comentários
Postar um comentário