Kenio Costa de Lima, Editor da Revista Brasileira de Geriatria e Gerontologia e professor titular na Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, RN, Brasil. Karla Cristina Giacomin, Ponto focal do International Longevity Center, Belo Horizonte, MG, Brasil.
A doutora Karla Giacomin é médica geriatra, com larga experiência em saúde da pessoa idosa, consultora da Organização Mundial de Saúde para políticas de saúde e envelhecimento, ponto focal do International Longevity Center – Brasil e membro pesquisador do Núcleo de Estudos em Saúde Pública e Envelhecimento da Fiocruz Minas.
Durante a pandemia da COVID-19, a Dra. Karla coordenou a produção de um e-book “Instituições de Longa Permanência para Idosos e o enfrentamento da pandemia de COVID-19: subsídios para a Comissão de Defesa dos Direitos do Idoso da Câmara Federal”. Este material está servindo de subsídio para gestores públicos e profissionais no cuidado a idosos institucionalizados, em todo o país. Pela sua contribuição nesse momento de incertezas, a autora conta nesta entrevista como este documento apresenta as estratégias de Educação, de forma a disseminar conhecimentos para a Formação e Capacitação de Gestores, em especial da Saúde, Assistência Social, Direitos Humanos, e demais Recursos Humanos, que atuam em Instituições de Longa Permanência para Pessoas Idosas, bem como domicílios coletivos, familiares e toda a sociedade. Confira:
1. Quais são as vulnerabilidades das pessoas idosas institucionalizadas? É importante compreender a heterogeneidade da população idosa institucionalizada e das instituições de longa permanência no Brasil. Aqui também a desigualdade social se manifesta. Raríssimas instituições no Brasil foram construídas para ser uma instituição de longa permanência. A maioria funciona em imóveis grandes que foram sendo adaptados para receber pessoas. Dessa forma, há algumas instituições de alto padrão de qualidade em termos de serviços, cuidado e hotelaria, enquanto muitas outras sequer conseguem cumprir as regras sanitárias estabelecidas. Portanto, são muitas as fragilidades: algumas ligadas à senescência, como as alterações que reduzem a imunidade, o funcionamento renal, a massa muscular e a mobilidade; outras relacionam-se com a presença de comorbidades, o que aumenta muito a chance de adoecimento e óbito; e ainda aquelas relacionadas com o local de moradia que podem favorecer a aglomeração e a transmissão da doença. Contudo, isso fica ainda mais agravado pela força de trabalho das Instituições de Longa Permanência para Idosos (ILPIs) que não conta com a qualificação adequada, nem com o acesso a equipamentos de proteção individual e a testes para identificar precocemente aqueles infectados. A dificuldade de acesso a testes também compromete o cuidado das pessoas idosas institucionalizadas.
2. Na sua opinião, e a partir do trabalho da Frente de Fortalecimento às ILPIs (FN-ILPI), qual o estado atual da proteção social às pessoas idosas institucionalizadas? Acredito que a Frente de Fortalecimento – Instituição de Longa Permanência para Idoso (FN-ILPI) conseguiu mobilizar pessoas do Brasil inteiro em favor dessa questão. Trouxe para a cena a necessidade de apoio das políticas públicas para uma população usualmente invisível. Desde 2007, o per capita do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) não é revisto. Com isso cada instituição credenciada ao SUAS recebe cerca de R$ 90,00 por mês por pessoa idosa institucionalizada. Está claro que esse valor não seria suficiente antes da pandemia, imagine agora… Ainda assim, de modo muito positivo, SUS e SUAS estão produzindo normatizações comuns (NOTA TÉCNICA Nº 23/2020 que trata da articulação local entre SUS e SUAS, no contexto de pandemia pela COVID-19). O Ministério da Cidadania por meio da Secretaria Nacional de Assistência Social emitiu a Portaria 369/2020 que garante repasse financeiro emergencial de recursos federais para a execução de ações socioassistenciais e estruturação da rede do SUAS e considerou ILPIs de cunho filantrópico e também privadas. A questão é permitir de uma forma mais perene e não apenas emergencial o apoio sistemático do poder público para uma população sabidamente vulnerável.
3. Na atual situação de pandemia da COVID-19, como você acha que o Estado pode apoiar as ILPIs? Garantindo testes para detecção precoce, acesso a equipamentos de proteção individual (EPI), definindo fluxos sistemáticos para o cuidado na ILPI e fora dela. Imagine que se está difícil para os hospitais a aquisição de EPI, o que dizer para uma instituição que assiste 10, 15 ou 20 idosos. Todo o processo de cuidado foi onerado pela pandemia. Em muitas ILPIs os funcionários precisaram ser afastados e outros tiveram que ser contratados. Em contrapartida as doações, no caso de ILPI filantrópicas, caíram mais da metade. As ILPIs privadas lidam com a questão da inadimplência, pois muitas pessoas perderam empregos ou rendimentos durante este momento. Daí a necessidade de o Estado cumprir seu papel de proteção social.
4. Como abordar a naturalização das mortes de pessoas idosas que residem em ILPIs? Creio que o importante é reconhecer que toda morte por COVID-19 é uma morte que não ocorreria se não houvesse a pandemia. Por isso mesmo, ela não deixa de ser prematura, ainda que atinja pessoas idosas. Nenhuma morte é banal ou desimportante. Cada pessoa, de qualquer idade, tem o seu valor e a vida humana não perde em valor quando a idade aumenta. Penso que é importante discutir esta lógica do ser humano descartável. Inescrupulosa e injusta com as histórias de vida de cada pessoa. Isso me fez lembrar Gabriel García-Márquez no seu livro “Memórias de minhas putas tristes” em que ele se vê às voltas com a inapetência de um gato velho que ganhara por ocasião dos 90 anos e que ao ser levado ao veterinário, foi-lhe indicado o sacrifício. E ele pergunta: “Por quê? Porque já está muito velho (…). Pensei com raiva que também podiam muito bem me assar vivo num forno de gatos. (…) Em que parte o manual dizia isso?” Acho que esta é a questão: em que parte do manual da vida humana está escrito que a morte de alguém porque está velho é permitida? Não há dúvidas da necessidade de assegurar dignidade à vida e à morte de qualquer ser humano, de qualquer idade. Banalizar a morte de idosos por COVID-19 em ILPIs é admitir o gerontocídio como algo razoável. Uma ideia absolutamente eugenista e indefensável.
5. Como a Frente de Fortalecimento às ILPIs pretende dar continuidade ao seu trabalho? Nossa grande luta é a construção de uma política nacional de cuidados continuados. O Estudo ELSI-Brasil demonstrou que 1/3 das pessoas que cuidam param de estudar ou trabalhar para cuidar; que as mulheres são as que mais prestam e as que menos recebem cuidados. Hoje já são cerca de 5 milhões de pessoas idosas no Brasil morando sozinhas. Quem vai cuidar? É preciso pensar que somos seres que demandamos cuidados a vida toda. Por isso a política de cuidados deve abranger pessoas de todas as idades. Isso inclui a oferta cuidados em ILPIs, que poderão ter diferentes graus de complexidade de cuidados, mas também a possibilidade de assegurar cuidados no domicílio das pessoas, com estratégias de respiro para os cuidadores familiares, como forma de apoio às famílias que precisam continuar cuidando, mas também precisam estudar, trabalhar, viver.
Kenio Costa de Lima é docente da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, pós-doutor pela Agência de Saúde Pública de Barcelona (ASPB) e atua na área de Saúde Pública, discutindo, sobretudo, temas relativos à Epidemiologia, ao Envelhecimento, às doenças infecciosas. Sua principal linha de pesquisa é Envelhecimento e saúde.
E-mail: limke@uol.com.br Lattes: http://lattes.cnpq.br/5835673385014578
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