Pular para o conteúdo principal

Envelhecimento, aposentadoria e modo de vida

Dois artigos que tratam sobre a questão da longevidade chamaram-me muita atenção, não só pelo conteúdo, mas por sua total diversidade.

Comentário do Blog: A frase em destaque e o artigo é de Denise Massaferro a quem tive a alegria de conhecer ontem e ocupar alguns minutos do seu tempo numa agradável troca. Denise foi uma das palestrantes no evento de lançamento do livro Maturidade um tempo novo, organizado por Silvia Gusmão, aqui na Caixa Cultural, no Recife/PE No rodapé, deste artigo informações sobre Denise. Lembro que o artigo, aqui publicado foi escrito em 2015. Entretanto, atualíssimo.

O jornal Valor Econômico publicou uma matéria com o título “Risco de ficar sem dinheiro assusta mais que a morte”, na qual trazia dados de uma pesquisa realizada pela companhia de serviços financeiros Allianz com pessoas na faixa dos 40 anos, constatando que 77% temiam durar mais que seu dinheiro na aposentadoria, temendo a falta de dinheiro até mais até do que a própria morte.

A mesma matéria menciona que planejadores financeiros como Rose Swanger, da Advice Finance de Knoxville, Tennessee, ouvem sobre esse medo extremo o tempo todo. Mas ela diz não acreditar que as pessoas queiram de fato morrer, elas apenas não sabem o que fariam se seu dinheiro acabasse antes do previsto. “Então, elas ficam apavoradas, paralisadas, e começam a pensar irracionalmente”.

Essa matéria nos coloca diante da recorrente equação de como estaremos em nossa aposentadoria já que os números em todo mundo da previdência não fecham e cada dia mais se distanciam do que seria ideal em função do aumento da expectativa de vida e diminuição das taxas de natalidade.

Do outro lado da moeda, ou até mesmo podemos dizer em outro mundo, o jornal argentino La Nacion publicou a matéria cujo título: “Icaria: a incrível ilha aonde a população se esquece de morrer”. A diferença do tom dos títulos já me despertou uma imensa curiosidade – de que lado vamos falar agora?

Icaria é uma ilha com 255 km2, que surge imponente nas águas cristalinas do mar Egeu, aonde seus 10.000 habitantes tem três vezes mais chances de chegar aos 100 anos do que qualquer outro povo do mundo. Um em cada três icarianos chega aos 90 anos de idade, eles tem 20% menos chance de padecer de câncer e 50% menos doenças cardiovasculares, não conhecem depressão, demência, etc.

Os icarianos simplesmente não vem necessidade de reger suas vidas com o relógio. Smagarda Karimali, nascida em 20 de junho de 1921, 93 anos, conta um pouco da vida que tinha com o marido, falecido em 2011, com quem viveu 65 anos: “Nós levantávamos de madrugada, tomávamos café da manhã e saíamos para o trabalho. Voltávamos na hora do almoço, comíamos, e fazíamos uma siesta de meia hora. Depois retornávamos ao trabalho. Os finais de semana sempre foram dedicados a nos reunirmos em família, visitar e receber amigos. Sempre comemos o que produzimos. Para o café da manhã – leite de cabra, depois vinho caseiro, chá de salvia, café grego, mel e pão caseiro...”

Os especialistas que estudam Icaria apontam para alguns fatores além da localização e boa alimentação da população em geral: grande sociabilização e gosto pela vida em comunidade, senso de pertencimento, fortes relações intergeracionais (não se vê uma mesa de um restaurante na qual não tenham jovens e velhos juntos), profunda tradição de solidariedade.

Outro fato histórico apontado é que depois da primeira guerra mundial muitos esquerdistas e comunistas foram banidos para Icaria, o que sustenta ideologicamente a tendência dos icarianos de dividir e compartilhar.

Duas abordagens, duas matérias, dois olhares sob o mesmo fenômeno, o envelhecimento. Em uma, o modelo capitalista extremamente reforçado no qual é melhor morrer a ficar sem recurso ou a depender do outro. E com isso instaura-se o medo, o pânico que nos incita, atualmente, a trabalhar e guardar, trabalhar e guardar.

E em nenhum momento, mesmo com esse panorama, falamos de felicidade, de vontade de viver.

No outro, a vontade de viver, de compartilhar, de usar do mundo os recursos necessários para termos uma vida plena e simples, e neste aparece a vontade de longeviver, de ser, de pertencer a um lugar e a um modo de vida.

Dois casos, dois olhares tão distantes, que me remetem a importância da existência de um projeto de vida para a aposentadoria, mas também de como ele deve estar inserido na sua cultura, na sua experiência de vida.

Será que Icaria é uma experiência única na qual o senso comunitário, impulsionado por outras vantagens climáticas, corroboram para um longeviver mais saudável?

O estresse das grandes metrópoles, o cotidiano que valoriza o individualismo, o tempo agitado corroboram para um temor tão grande em relação ao não depender do outro que seria melhor morrer?

Se envelhecemos como vivemos, a construção do nosso projeto está no HOJE, no AGORA, e depende de cada um construir ou não, uma Icaria para viver seu AMANHÃ.

Denise Morante Mazzaferro - Mestre em Gerontologia PUC - SP, Pós graduação em Marketing ESPM. Sócia da Angatu IDH. Membro da Rede de Colaboradores do Portal do Envelhecimento.

Email:dmazzaferro@angatuidh.com.brwww.angatuidh.com.br


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O Dente-de-Leão e o Viva a Velhice

  A belíssima lenda do  dente-de leão e seus significados Segundo uma lenda irlandesa, o dente-de-leão é a morada das fadas, uma vez que elas eram livres para se movimentarem nos prados. Quando a Terra era habitada por gnomos, elfos e fadas, essas criaturas viviam livremente na natureza. A chegada do homem os forçou a se refugiar na floresta. Mas   as fadas   tinham roupas muito chamativas para conseguirem se camuflar em seus arredores. Por esta razão, elas foram forçadas a se tornarem dentes-de-leão. Comentário do Blog: A beleza  do dente-de-leão está na sua simplicidade. No convívio perene com a natureza, no quase mistério sutil e mágico da sua multiplicação. Por isso e por muito mais  é que elegi o dente-de-leão  como símbolo ou marca do Viva a Velhice. Imagem  Ervanária Palmeira   O dente-de-leão é uma planta perene, típica dos climas temperados, que espontaneamente cresce praticamente em todo o lugar: na beira de estrada, à beira de campos de cultivo, prados, planícies, colinas e

‘Quem anda no trilho é trem de ferro, sou água que corre entre pedras’ – Manoel de Barros

  Dirigido pelo cineasta vencedor do Oscar, Laurent Witz, ‘Cogs’ conta a história de um mundo construído em um sistema mecanizado que favorece apenas alguns. Segue dois personagens cujas vidas parecem predeterminadas por este sistema e as circunstâncias em que nasceram. O filme foi feito para o lançamento internacional da AIME, uma organização de caridade em missão para criar um mundo mais justo, criando igualdade no sistema educacional. O curta-animação ‘Cogs’ conta a história de dois meninos que se encontram, literalmente, em faixas separadas e pré-determinadas em suas vidas, e o drama depende do esforço para libertar-se dessas limitações impostas. “Andar sobre trilhos pode ser bom ou mau. Quando uma economia anda sobre trilhos parece que é bom. Quando os seres humanos andam sobre trilhos é mau sinal, é sinal de desumanização, de que a decisão transitou do homem para a engrenagem que construiu. Este cenário distópico assombra a literatura e o cinema ocidentais. Que fazer?  A resp

Poesia

De Mario Quintana.... mulheres. Aos 3 anos: Ela olha pra si mesma e vê uma rainha. Aos 8 anos: Ela olha para si e vê Cinderela.   Aos 15 anos: Ela olha e vê uma freira horrorosa.   Aos 20 anos: Ela olha e se vê muito gorda, muito magra, muito alta, muito baixa, muito liso, muito encaracolado, decide sair mas, vai sofrendo.   Aos 30 anos: Ela olha pra si mesma e vê muito gorda, muito magra, muito alta, muitobaixa, muito liso muito encaracolado, mas decide que agora não tem tempo pra consertar então vai sair assim mesmo.   Aos 40 anos: Ela se olha e se vê muito gorda, muito magra, muito alta, muito baixa, muito liso, muito encaracolado, mas diz: pelo menos eu sou uma boa pessoa e sai mesmo assim.   Aos 50 anos: Ela olha pra si mesma e se vê como é. Sai e vai pra onde ela bem entender.   Aos 60 anos: Ela se olha e lembra de todas as pessoas que não podem mais se olhar no espelho. Sai de casa e conquista o mundo.   Aos 70 anos: Ela olha para si e vê sabedoria, ri

A velhice em poesia

Duas formas de ver a velhice. Você está convidado a "poetizar" por aqui . Sobre o tema que lhe agradar. Construiremos a várias mãos "o domingo com poesia". A Velhice Pede Desculpas - Cecília Meireles, in Poemas 1958   Tão velho estou como árvore no inverno, vulcão sufocado, pássaro sonolento. Tão velho estou, de pálpebras baixas, acostumado apenas ao som das músicas, à forma das letras. Fere-me a luz das lâmpadas, o grito frenético dos provisórios dias do mundo: Mas há um sol eterno, eterno e brando e uma voz que não me canso, muito longe, de ouvir. Desculpai-me esta face, que se fez resignada: já não é a minha, mas a do tempo, com seus muitos episódios. Desculpai-me não ser bem eu: mas um fantasma de tudo. Recebereis em mim muitos mil anos, é certo, com suas sombras, porém, suas intermináveis sombras. Desculpai-me viver ainda: que os destroços, mesmo os da maior glória, são na verdade só destroços, destroços. A velhice   - Olavo Bilac Olha estas velhas árvores, ma

Não se lamente por envelhecer

  Não se lamente por envelhecer: é um privilégio negado a muitos Por  Revista Pazes  - janeiro 11, 2016 Envelhecer  é um privilégio, uma arte, um presente. Somar cabelos brancos, arrancar folhas no calendário e fazer aniversário deveria ser sempre um motivo de alegria. De alegria pela vida e pelo o que estar aqui representa. Todas as nossas mudanças físicas são reflexo da vida, algo do que nos podemos sentir muito orgulhosos. Temos que agradecer pela oportunidade de fazer aniversário, pois graças a ele, cada dia podemos compartilhar momentos com aquelas pessoas que mais gostamos, podemos desfrutar dos prazeres da vida, desenhar sorrisos e construir com nossa presença um mundo melhor… As rugas nos fazem lembrar onde estiveram os sorrisos As rugas são um sincero e bonito reflexo da idade, contada com os sorrisos dos nossos rostos. Mas quando começam a aparecer, nos fazem perceber quão efêmera e fugaz é a vida. Como consequência, frequentemente isso nos faz sentir desajustados e incômodos