Pular para o conteúdo principal

Todos somos ou seremos vítimas do preconceito etário

Amamos os mais velhos e esperamos envelhecer, então por que esse interesse pessoal não se traduz em políticas públicas?

Em instituições para cuidados a idosos é possível vê-los sentados em salas de cor neutra em frente a uma TV – que, na maioria das vezes, não é assistida. Uns estão dormindo, outros sedados e alguns cognitivamente debilitados. É difícil lembrar que eles já foram jovens, autônomos e independentes. Mas difícil mesmo é pensar que um dia você poderá estar no lugar deles.

“A equipe de cuidadores não os chama pelos nomes”, diz um visitante de uma destas instituições. Talvez não seja por desrespeito, mas privar alguém de um nome é apenas um exemplo da desumanização inconsciente que ocorre frequentemente no tratamento aos idosos.

Algumas pessoas tomam medidas extremas para evitar este cenário: ingressam na Exit International (organização sem fins lucrativos que defende a legalização da eutanásia voluntária e do suicídio assistido) ou se permitem terminar com suas vidas no momento escolhido.

Por que não conseguimos fazer mais e melhor pelos idosos que precisam de cuidados? Por que nos conformamos com condições que deixam muitos deles entediados, solitários e mal alimentados de uma maneira que nunca toleraríamos para nós mesmos?

Uma causa não aparente pode ser o preconceito que temos contra os idosos: o preconceito etário ou idadismo. Geralmente começa com a linguagem que usamos. Segundo a escritora Ashton Applewhite, se diminuímos nossa consideração pelos seniores verbalmente, é provável que façamos o mesmo quando estruturamos políticas públicas em defesa destes cidadãos: removemos sua dignidade em generalizações condescendentes tratando-os como vulneráveis e dependentes ao invés de resilientes e independentes.

Até mesmo o termo “os idosos” é problemático para Applewhite: “O que implica um grupo homogêneo, quando nada poderia estar mais longe disto. Prefiro os termos “mais velhos” e “mais jovens”, que são neutros em termos de valor e enfatizam que a idade é um espectro”.

“Não sinto que posso usar “anciãos”, pois isso não faz parte da minha cultura e, além disso, não gosto do modo como isso implica que a idade confere valor ou autoridade. Temos que desistir da falsa visão binária do mundo jovem/antigo”.

Ao contrário de outros preconceitos, como o racismo e o sexismo, que são manifestações de medo do outro, o preconceito de idade é único que se direciona, no futuro, a nós mesmos. “Nenhum preconceito é racional”, diz Applewhite, “mas com o idadismo, nós o internalizamos. Temos sido cúmplices de nossa própria marginalização e isso exigirá conscientização ativa para ser corrigido, assim como o movimento das mulheres”.

“Quando você reconhece isso em si mesmo e então percebe que pode se juntar a outros para efetuar mudanças sociais, isso o radicaliza. O sociólogo da Universidade de Stanford, Doug McAdam, chama isso de liberação cognitiva. O próximo passo é a ação coletiva. As recompensas são reais. Eu ouço regularmente de pessoas que começaram a rejeitar a vergonha que sentem imediatamente aliviados e empoderados”, completa a escritora.

Uma das razões pelo idadismo ser tão incorporado em nossa cultura e de difícil erradicação pode ser o fato de expressar décadas de medo acumulado e profundo.

O consumismo nos pede que “combatamos” o envelhecimento como se fosse uma batalha que pudéssemos vencer. Em nossos corações sabemos que isso é uma mentira. Mantras como “70 é o novo 50” enfatizam a necessidade de sermos vigorosos pelo maior tempo possível, mas não oferecem cenários alternativos para aqueles com doenças degenerativas, perda de cognição ou sofrimento de solidão.

A última fase da vida, para aqueles que podem pagar é comercializada como um “estilo de vida” prometendo comunidades fechadas, onde os residentes jogam cartas e intermináveis ​​partidas de golfe com novas amizades. Para o que não podem pagar, queremos que sejam colocados fora de nossas vistas. Além de nos dissociamos de suas necessidades, delegando seus destinos a trabalhadores mal pagos. Para os que têm pais em lares de idosos há uma tentativa de conforto com o pensamento de que suas necessidades básicas de segurança e higiene estão sendo atendidas. Não se pensa, no entanto, como eles passam os dias.

Nos despertamos, quando as manchetes sobre negligência, maus-tratos ou abuso de idosos aparecem na mídia; nosso alarme interno soa e nos perguntamos o que será diferente quando chegar a nossa vez.

Applewhite se entusiasma pelo crescente interesse em iniciativas como habitações intergeracionais e de amigos. Ela está otimista “porque os jovens cresceram em um mundo mais misto e sabem que a diversidade está aqui para ficar e que isso é uma coisa boa. Não é muito pedir a eles que incluam idade na busca por justiça social para todos”.

“Até Hollywood está melhorando; estamos vendo as pessoas mais velhas serem retratadas como mais ativas, positivas e sexualizadas”, diz ela, admitindo que uma comédia como O Estagiário (The Intern), estrelada por Robert De Niro como um viúvo de 70 anos retornando ao trabalho em uma empresa de moda online, abordou questões importantes. “O local de trabalho é onde a consciência do idadismo está definitivamente em ascensão. Há desafios para a força de trabalho seja de idade mista. Pesquisas mostram que os mais velhos são mais eficazes, especialmente nas indústrias criativas”.

O artigo de Caroline Baum foi originalmente publicado no The Guardian em www.theguardian.com/

Fonte: www.maturijobs.com/  em 28/11/2018 Tradução: Walter Alves

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O Dente-de-Leão e o Viva a Velhice

  A belíssima lenda do  dente-de leão e seus significados Segundo uma lenda irlandesa, o dente-de-leão é a morada das fadas, uma vez que elas eram livres para se movimentarem nos prados. Quando a Terra era habitada por gnomos, elfos e fadas, essas criaturas viviam livremente na natureza. A chegada do homem os forçou a se refugiar na floresta. Mas   as fadas   tinham roupas muito chamativas para conseguirem se camuflar em seus arredores. Por esta razão, elas foram forçadas a se tornarem dentes-de-leão. Comentário do Blog: A beleza  do dente-de-leão está na sua simplicidade. No convívio perene com a natureza, no quase mistério sutil e mágico da sua multiplicação. Por isso e por muito mais  é que elegi o dente-de-leão  como símbolo ou marca do Viva a Velhice. Imagem  Ervanária Palmeira   O dente-de-leão é uma planta perene, típica dos climas temperados, que espontaneamente cresce praticamente em todo o lugar: na beira de estrada, à beira de campos de cultivo, prados, planícies, colinas e

‘Quem anda no trilho é trem de ferro, sou água que corre entre pedras’ – Manoel de Barros

  Dirigido pelo cineasta vencedor do Oscar, Laurent Witz, ‘Cogs’ conta a história de um mundo construído em um sistema mecanizado que favorece apenas alguns. Segue dois personagens cujas vidas parecem predeterminadas por este sistema e as circunstâncias em que nasceram. O filme foi feito para o lançamento internacional da AIME, uma organização de caridade em missão para criar um mundo mais justo, criando igualdade no sistema educacional. O curta-animação ‘Cogs’ conta a história de dois meninos que se encontram, literalmente, em faixas separadas e pré-determinadas em suas vidas, e o drama depende do esforço para libertar-se dessas limitações impostas. “Andar sobre trilhos pode ser bom ou mau. Quando uma economia anda sobre trilhos parece que é bom. Quando os seres humanos andam sobre trilhos é mau sinal, é sinal de desumanização, de que a decisão transitou do homem para a engrenagem que construiu. Este cenário distópico assombra a literatura e o cinema ocidentais. Que fazer?  A resp

Poesia

De Mario Quintana.... mulheres. Aos 3 anos: Ela olha pra si mesma e vê uma rainha. Aos 8 anos: Ela olha para si e vê Cinderela.   Aos 15 anos: Ela olha e vê uma freira horrorosa.   Aos 20 anos: Ela olha e se vê muito gorda, muito magra, muito alta, muito baixa, muito liso, muito encaracolado, decide sair mas, vai sofrendo.   Aos 30 anos: Ela olha pra si mesma e vê muito gorda, muito magra, muito alta, muitobaixa, muito liso muito encaracolado, mas decide que agora não tem tempo pra consertar então vai sair assim mesmo.   Aos 40 anos: Ela se olha e se vê muito gorda, muito magra, muito alta, muito baixa, muito liso, muito encaracolado, mas diz: pelo menos eu sou uma boa pessoa e sai mesmo assim.   Aos 50 anos: Ela olha pra si mesma e se vê como é. Sai e vai pra onde ela bem entender.   Aos 60 anos: Ela se olha e lembra de todas as pessoas que não podem mais se olhar no espelho. Sai de casa e conquista o mundo.   Aos 70 anos: Ela olha para si e vê sabedoria, ri

Não se lamente por envelhecer

  Não se lamente por envelhecer: é um privilégio negado a muitos Por  Revista Pazes  - janeiro 11, 2016 Envelhecer  é um privilégio, uma arte, um presente. Somar cabelos brancos, arrancar folhas no calendário e fazer aniversário deveria ser sempre um motivo de alegria. De alegria pela vida e pelo o que estar aqui representa. Todas as nossas mudanças físicas são reflexo da vida, algo do que nos podemos sentir muito orgulhosos. Temos que agradecer pela oportunidade de fazer aniversário, pois graças a ele, cada dia podemos compartilhar momentos com aquelas pessoas que mais gostamos, podemos desfrutar dos prazeres da vida, desenhar sorrisos e construir com nossa presença um mundo melhor… As rugas nos fazem lembrar onde estiveram os sorrisos As rugas são um sincero e bonito reflexo da idade, contada com os sorrisos dos nossos rostos. Mas quando começam a aparecer, nos fazem perceber quão efêmera e fugaz é a vida. Como consequência, frequentemente isso nos faz sentir desajustados e incômodos

A velhice em poesia

Duas formas de ver a velhice. Você está convidado a "poetizar" por aqui . Sobre o tema que lhe agradar. Construiremos a várias mãos "o domingo com poesia". A Velhice Pede Desculpas - Cecília Meireles, in Poemas 1958   Tão velho estou como árvore no inverno, vulcão sufocado, pássaro sonolento. Tão velho estou, de pálpebras baixas, acostumado apenas ao som das músicas, à forma das letras. Fere-me a luz das lâmpadas, o grito frenético dos provisórios dias do mundo: Mas há um sol eterno, eterno e brando e uma voz que não me canso, muito longe, de ouvir. Desculpai-me esta face, que se fez resignada: já não é a minha, mas a do tempo, com seus muitos episódios. Desculpai-me não ser bem eu: mas um fantasma de tudo. Recebereis em mim muitos mil anos, é certo, com suas sombras, porém, suas intermináveis sombras. Desculpai-me viver ainda: que os destroços, mesmo os da maior glória, são na verdade só destroços, destroços. A velhice   - Olavo Bilac Olha estas velhas árvores, ma