A armadilha que impedirá aumentos expressivos na expectativa de vida
Esperar as pessoas adoecerem para tratá-las em hospitais e unidades de pronto atendimento é política suicida. Não há saída: ou investimos na prevenção ou, cada vez mais, só os privilegiados terão acesso à medicina moderna.
A vida do homem na Terra nunca foi um mar de rosas. Seis milhões de anos atrás, ao perceber que em cima das árvores não havia alimentos suficientes, nossos antepassados não encontraram alternativa senão enfrentar os perigos do bipedismo, nas savanas da África.
Primatas com menos de um metro de altura, frágeis se comparados às feras carnívoras da vizinhança, os primeiros hominídeos foram obrigados a formar grupos para se defender, necessidade que forjaria o comportamento das gerações que chegaram até nós.
Os primeiros bandos habitaram cavernas. Não fazia sentido construir moradias para abandoná-las quando a caça rareasse e as frutas e os tubérculos chegassem ao fim. Milhões de anos de nomadismo fincaram raízes tão sólidas, que esse estilo de vida predominou até insignificantes 10 mil anos atrás, com o surgimento da agricultura.
No decorrer desses milhões de anos, a seleção natural impôs ao corpo humano adaptações radicais. Ficamos mais altos, nosso córtex cerebral se desenvolveu, aprendemos a nos comunicar por meio da fala, da escrita e da eletrônica, fizemos revoluções na agricultura e na tecnologia de preservação de alimentos e construímos cidades gigantescas.
Enquanto os trogloditas que nos antecederam viviam em média 20 anos, a expectativa atual ultrapassou 70 anos, na maioria dos países.
Esses avanços trouxeram problemas inesperados, no entanto. A explosão demográfica, a poluição e o aquecimento global colocam em risco não apenas a saúde dos habitantes, mas a própria vida na Terra.
Na hipótese de contrariarmos os estudiosos do clima e sobrevivermos às intempéries planetárias, a oferta abundante de alimentos de boa qualidade acessíveis a grandes massas populacionais e os confortos da vida moderna continuarão ameaçando a saúde individual e coletiva. Comida farta e sedentarismo criaram uma armadilha que impedirá aumentos expressivos na expectativa de vida dos nossos filhos.
Pela primeira vez na história de nossa espécie, foi-nos oferecida a possibilidade de comer à larga em todas as refeições e de ganhar a vida sentados o dia inteiro. Obesidade e sedentarismo se tornaram as principais epidemias nos países de renda média e alta, nos quais a praga mortífera do tabagismo começa a ser a duras penas controlada.
Na esteira dessas duas pandemias caminham a passos apressados: hipertensão arterial, diversos tipos de câncer, diabetes, doenças cardiovasculares, problemas ortopédicos, articulares, renais e outras complicações que sobrecarregam o sistema de saúde, encarecem o atendimento e fazem sofrer milhões de pessoas.
Nas capitais, 19% dos brasileiros adultos estão obesos e outros 35% têm sobrepeso (Vigitel, 2017), ou seja, menos da metade da população cai na faixa do peso considerado saudável.
A fila de candidatos à cirurgia bariátrica aumenta mais depressa do que as nossas condições para operá-los; muitos morrem enquanto aguardam. Nesse ritmo, daqui a pouco estaremos como os americanos: 40% de adultos obesos; quase outro tanto com sobrepeso (CDC, 2018).
A demanda por atendimento médico de uma população que envelhece rapidamente é trágica para o SUS e insuportável para os planos de saúde. O SUS não vai à falência, porque, quando falta disponibilidade, o atendimento é negado, expediente com o qual não conta a saúde suplementar.
Na contramão de outros ramos da economia, a incorporação de tecnologia na área médica aumenta o custo do produto final. A assistência a uma população que envelhece mal como a brasileira exigirá recursos que não dispomos no SUS nem na saúde suplementar.
Esperar as pessoas adoecerem para tratá-las em hospitais e unidades de pronto atendimento é política suicida. Não há saída: ou investimos na prevenção ou, cada vez mais, só os privilegiados terão acesso à medicina moderna.
O ministério e as secretarias de Saúde, escolas, associações comunitárias, imprensa, empresas, a sociedade inteira precisa se envolver na divulgação e na aplicação prática da principal mensagem de saúde pública, no Brasil atual: “Não dá para passar o dia sentado comendo tudo o que oferecem”.
Nos anos 1960, cerca de 60% dos nossos adultos fumavam, hoje não passam de 10%. Se conseguimos resultado tão impressionante com a dependência química mais feroz que a medicina conhece, não é impossível convencer mulheres, crianças e homens a comer um pouco menos e a andar míseros 40 minutos num dia de 24 horas.
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