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Gripe ou resfriado, diferenças que precisamos saber

Essa banalização do que é a gripe tem inconveniente sério, pois não se trata de uma doença com a benignidade que a maioria imagina. Em crianças, pessoas idosas ou imunodeprimidas, pode ser uma moléstia grave e até causar a morte.

Gripe e resfriados são doenças virais e vão muito além de um simples espirro. Embora os sintomas sejam semelhantes, os da gripe são bem mais intensos. Há até uma regra prática para distinguir uma enfermidade da outra. Se a pessoa foi trabalhar apesar do nariz escorrendo, do peso na cabeça e da irritação na garganta, não está com gripe, está resfriada. A gripe derruba a pessoa, deixa-a de cama, sem a menor condição de sair de casa e trabalhar.

SINTOMAS DIFERENCIAIS: Drauzio – Por que você acha que, no Brasil, espirro é sinônimo de gripe?

João Silva de Mendonça – Confundir espirro com gripe é uma tradição cultural do brasileiro que, muitas vezes, usa a palavra gripe para designar o resfriado comum ou uma simples rinite alérgica, que nem doença infecciosa é. Essa concepção equivocada faz com que a gripe seja considerada uma doença relativamente leve que não demanda muitos cuidados e preocupação.

Drauzio – Como distinguir os sintomas da rinite alérgica e do resfriado?

João Silva de Mendonça – A rinite alérgica é muito comum em São Paulo por causa dos alérgenos soltos na poluição ambiental. Os sintomas se manifestam especialmente no nariz que fica obstruído, com secreção, entupido, como se diz vulgarmente, e a pessoa espirra várias vezes durante certo período de tempo.
No resfriado, os sintomas são parecidos com os da rinite alérgica, mas vão além. Ele pode vir acompanhado de uma faringite branda, ou seja, uma leve dor de garganta (o paciente diz que a garganta arranha ou arde um pouco), uma discreta febrícula (37º e fração) e um pequenino mal-estar. Quem está resfriado apresenta essa sintomatologia durante três ou quatro dias e ela vai desaparecendo espontaneamente; quem está resfriado não interrompe suas atividades, sejam elas de caráter físico ou intelectual. Apenas o desconforto do nariz incomoda e exige pausas para a higiene nasal adequada.

Drauzio – E os sintomas da gripe, quais são?

João Silva de Mendonça – Na gripe, o quadro é diferente. A pessoa obrigatoriamente tem febre que não ocorre em picos isolados e ultrapassa 38,5º, às vezes chegando aos 40º. Quem está com gripe fica vários dias com febre e tem um comprometimento geral importante. Dores no corpo, popularmente descritas como quebradeira, sensação de mal-estar muito intensa, cabeça levemente torporosa comprometem a atividade física e intelectual.
E mais: o vírus da gripe não se manifesta apenas na rinofaringe, mas em toda a árvore respiratória, ou seja, na traqueiabrônquios e eventualmente nos pulmões. Portanto, trata-se de uma doença de maior extensão e intensidade, sobretudo para as pessoas debilitadas. A gripe pode causar complicações graves e, eventualmente, morte, o que não ocorre nos casos de resfriados e rinite alérgica.

VÍRUS DO RESFRIADO: Drauzio –  O resfriado é uma doença provocada por inúmeros tipos de vírus. Há mais de 200 vírus implicados nesse processo infeccioso.

João Silva de Mendonça – Entre os vírus que provocam resfriado, estão os rinovírus (só este grupo tem mais de 100 tipos diferentes), os coronavírus e alguns dos mais antigos e conhecidos vírus da medicina.
Somando todos os que provocam resfriados, existem algumas centenas de vírus de sorte que, no transcorrer da vida, podemos ser acometidos por dezenas ou talvez por mais de uma centena de resfriados. Contra esses vírus, vamos adquirindo imunidade, mas permanecemos com potencial para desenvolver a doença se entrarmos em contato com qualquer um dos demais.

Drauzio – Por isso as crianças têm mais resfriados do que os adultos?

João Silva de Mendonça – Elas têm mais resfriados porque não são imunes, ou seja, ainda não adquiriram defesas específicas contra esses vírus. À medida que vão crescendo, adquirem imunidade contra parte deles e o número de episódios diminui, embora o resfriado possa manifestar-se do nascimento à velhice, em qualquer faixa etária.

Drauzio – Quer dizer que montamos uma resposta imunológica contra o resfriado que acabamos de ter, mas vamos ficar resfriados outras vezes, porque virão vírus contra os quais não temos defesas.

João Silva de Mendonça – Exatamente. Existem algumas centenas de vírus e não desenvolvemos imunidade cruzada. Ela é específica para o rinovírus que provocou aquele determinado resfriado. Se entrarmos em contato com um rinovírus diferente, teremos outro episódio da doença.

VÍRUS DA GRIPE: Drauzio  É mais ou menos a mesma coisa que acontece com a gripe que também é provocada por muitos vírus diferentes.

João Silva de Mendonça – Os vírus que causam a gripe têm um nome específico. São chamados de vírus influenza. Há até uma história interessante a respeito desse nome. A gripe é uma doença com a qual a humanidade convive há milênios. Em tempos muito antigos, não se conhecia a causa da doença, mas na Itália se percebeu que havia uma relação clara entre os episódios que chamamos hoje de gripe em situação epidêmica e a época do frio. A cada inverno se repetiam verdadeiras epidemias da doença. Os italianos diziam que isso era influenza di freddo, isto é, influência do frio. Dessa expressão derivou influenza, o nome dado ao vírus da gripe. Nos países de língua inglesa, ele se reduziu a flu, apenas.

Os vírus da influenza se caracterizam por estar em permanente mutação ou por sofrerem um fenômeno que tecnicamente chamamos de recombinação genética. Quando ocorre mutação, surge um vírus primo do anterior e nós temos alguma defesa contra o novo porque conhecemos o mais antigo.
Nos casos de recombinação genética, aparece um vírus totalmente novo, contra o qual não temos defesa nenhuma e que pode causar uma pandemia, ou seja, uma epidemia de gripe, às vezes muito grave, que pode espalhar-se por toda a humanidade.

Drauzio  Nós temos experiências tristes de pandemias no passado. A gripe espanhola, por exemplo.

João Silva de Mendonça – No século 20, foram registrados três episódios de pandemia. O mais grave e mais famoso foi a gripe espanhola em 1918 e 1919. Em 1957, ocorreu a gripe asiática e em 1968, a gripe de Hong Kong. Tudo leva a crer que a humanidade não está livre dessas pandemias. Elas poderão voltar a qualquer momento, com toda a gravidade e mortalidade que trazem consigo.
Um fato curioso é que, durante a gripe espanhola, criou-se o hábito de dizer “saúde” para a pessoa que espirrava. Dentro daquele contexto, a saudação expressava o voto de que ela não fosse infectada pelo vírus de uma gripe que matou tanta gente. Esse costume continua arraigado na população brasileira. Um espirro e o amigo do lado, às vezes até um desconhecido, diz prontamente: Saúde!

FRIO COMO CAUSA DA GRIPE: Drauzio – Você falou da influência do frio no aparecimento dos casos de gripe. Isso para as mães é um terror. Elas agasalham em demasia os filhos e, de todas as formas, procuram evitar que saiam no sereno ou tomem vento, especialmente vento encanado nas costas. Na verdade, gripes e resfriados são doenças virais. Se não existir o vírus, não há vento nem frio que faça uma pessoa pegar gripe.

João Silva de Mendonça – Na transmissão da gripe, o problema não é o frio propriamente dito, mas as aglomerações que se formam em ambientes fechados quando baixa a temperatura. A proximidade entre as pessoas facilita a transmissão do vírus. Portanto, o frio não é causa da gripe, apenas cria condições para maior disseminação do vírus em lugares não ventilados onde as pessoas tossem, espirram, ou falam muito perto umas das outras.

Drauzio  Já que as gotículas de saliva ou de secreção respiratória que eliminamos quando falamos, tossimos ou espirramos carregam o vírus da gripe, qual a distância segura entre uma pessoa e outra para evitar a contaminação?

João Silva de Mendonça – Nas doenças de transmissão respiratória em que a partícula que transporta o vírus é pesada – e isto é uma regra não só para gripes e resfriados – o natural é ela se precipitar e pousar no solo como rege a lei da gravidade. Para que alcance outra pessoa, é preciso que a proximidade entre ela e a que transmitiu o vírus pela tosse ou pelo espirro seja menor do que 90cm ou 1m.

TRANSMISSÃO DO VÍRUS: Drauzio  É costume entre os brasileiros, numa reunião social, a pessoa gripada ou resfriada afastar o rosto para não ser beijada e oferecer a mão, gesto protetor mas pouco eficiente para evitar a transmissão do vírus.

João Silva de Mendonça – Esse é um dos muitos conceitos arraigados no ideário popular que demonstram falta de conhecimento sobre o mecanismo de transmissão do vírus.
A mão pode ser veículo de transmissão do vírus não só da gripe e do resfriado, mas de outras moléstias infecciosas. Não há como fazer uma higiene cuidadosa da secreção nasal sem contaminar as mãos. A não ser que sejam lavadas cuidadosamente cada vez que a pessoa assoa o nariz, o vírus fica viável durante algum tempo e passará no aperto de mão para outra pessoa que, sem querer, coçará o nariz e fechará o ciclo.

Drauzio – O que se faz é exatamente o oposto do que deveria ser feito. Seria melhor dar um beijinho no rosto do que apertar as mãos.

João Silva de Mendonça – Há outro hábito cuidadoso que deveria ser sempre respeitado. Ao tossir ou espirrar, a pessoa deveria afastar-se e cobrir a boca e o nariz com um lenço para evitar a disseminação do vírus entre os presentes.

TRATAMENTO DE GRIPES E RESFRIADOS: Drauzio – Como a pessoa deve agir quando está com gripe ou resfriado? Tem gente que toma injeção, xarope e outros medicamentos. Isso resolve?

João Silva de Mendonça – Assim que apareciam os sintomas de gripe ou resfriado, os brasileiros tinham o costume de ir à farmácia e tomar injeções, de preferência na veia. As mais usadas tinham coloração esverdeada e traziam aroma de eucalipto para a respiração. Embora se sentissem reconfortados e desconsiderando o fator psicológico, esses medicamentos não tinham efeito absolutamente nenhum sobre a doença. Além disso, representaram um problema bastante sério. Na época, não era rotina utilizar seringas descartáveis e houve muita transmissão do vírus da hepatite por injeções tomadas na farmácia com seringas e agulhas que eram fervidas e reaproveitadas.

Felizmente, essa tendência de procurar uma injeção para aliviar os sintomas respiratórios quase desapareceu por completo. Na verdade, o que o indivíduo com gripe precisa é de repouso e boa hidratação oral para umedecer as secreções a fim de que sejam mais facilmente expelidas. Além disso, deve buscar alívio sintomático. Pode tomar analgésicos e antitérmicos, com recomendação para evitar o ácido acetilsalicílico e dar preferência ao paracetamol e à dipirona, se tiver febre e dor. Pode também usar descongestionantes nasais para afastar o desconforto do nariz obstruído e, na fase de tosse produtiva, xaropes que fluidifiquem a secreção para facilitar sua eliminação.

Drauzio – A hidratação é fundamental. Muito do mal-estar da gripe e resfriado pode ser atribuído à má hidratação. A pessoa tem dor de garganta e deixa de tomar líquidos.

João Silva de Mendonça – É isso mesmo. E não é só a dor de garganta que influi. A febre alta aumenta a perda de líquido pela transpiração. Por isso, a pessoa tem de se cuidar e hidratar-se adequadamente. Pode ser com água, sucos e outros líquidos que, além de boa hidratação, deem um mínimo de suporte calórico.

AÇÃO DA VITAMINA C: Drauzio  Os laboratórios promovem extensa publicidade na mídia sugerindo que a vitamina C previne gripes e resfriados. Qual é sua opinião sobre o assunto?

João Silva de Mendonça – Essa é uma história muito complexa porque na liderança de defesa do uso maciço de vitamina C no combate ao resfriado está um cientista que recebeu o prêmio Nobel e contrapor-se a um prêmio Nobel não é lá muito fácil.

Drauzio  Na verdade, o Linus Carl Pauling recebeu dois prêmios Nobel: o de Química, em 1954 e o da Paz, em 1962. Não desmerecendo seu valor, prêmio de Medicina não recebeu nenhum.

João Silva de Mendonça – Toda a investigação metodologicamente conduzida com vitamina C para evitar a gripe ou aliviar sua virulência apresentou resultados negativos. Ou seja, a Medicina não conseguiu dar suporte científico para essa indicação. A última revisão metodológica sobre o assunto saiu publicada há poucos anos numa revista de enorme prestígio na área médica, a “New England Journal of Medicine”, da Universidade de Harvard, em Boston (EUA) e a conclusão foi a mesma: não foi encontrado fundamento sólido que justificasse indicar vitamina C nos casos de gripes e resfriados.

Fonte: drauziovarella.uol.com.br/      Por: Maria Helena Varella Bruna
Revisado em  06/03/2018   Imagem; Portal UP Cuesta

Comentários

  1. Muito boa a entrevista e a explanação, feita com clareza e simplicidade, acessivel a todos.

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  2. Heloisa, boa noite! Gosto das entrevistas do Dr. Drauzio exatamente pela objetividade e simplicidade. Abraço.

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