Essa tal de meia idade mais parece uma reviravolta na vida. De uma hora para outra o tempo nos vira do avesso e eu, longe de parecer a Garota de Ipanema que envelhece como musa, faço esforços sobre-humanos para me adaptar a essa nova forma de caminhar pela vida e na velhice.
Nestes últimos tempos a música garota de Ipanema não me sai da cabeça. A mais conhecida canção da bossa nova, composta em 1962 por Vinicius de Moraes e Tom Jobim tornou-se um hino à graça e aos atributos femininos lindamente representados por Helô Pinheiro, que na época, com 17 anos, encantou os compositores que, sentados à mesa de um bar, a viam passar a caminho do mar. A garota de Ipanema chamava atenção não só por sua jovialidade e beleza, mas também por desfilar um balançado que era bem mais que um poema, como já dizia a canção. O encanto de seus passos foram transformados em uma música mundialmente conhecida e eu, ultimamente, cantarolo sua melodia numa tentativa de elaboração dos fatos.
Atualmente, estou passando por uma fase onde o choque de realidade tem me tirado o prumo. Estou virando algo muito similar a uma pata choca e isso é fato. A imagem de uma pessoa que andava de maneira graciosa vai aos poucos se desmanchando e dando espaço a um mancar que indica uma falta total de molejo nos quadris e em toda e qualquer junta do meu corpo. Não consigo mais levantar de uma cadeira sem que pareça estar voltando de uma luta onde, obviamente, fui nocauteada. Meus movimentos que, um dia foram harmônicos, sofreram uma metamorfose e transformaram o meu caminhar em algo, diria, no mínimo estranho.
Hoje foi um dia marcante, pois sentada na sala de espera, recusei-me a olhar o celular e resolvi então ficar observando as pessoas que entravam e saíam do saguão. De repente o caminhar de uma senhora de sessenta e poucos anos me chamou a atenção por sua completa falta de charme. Ficarei como ela? Com certeza, ela seria a presidenta do clube das pata chocas, caso houvesse um. Mancava mais do que minha mãe antes de colocar a prótese no quadril e isso, em meio a um nada fazer, comum nas esperas, me fez fazer uma retrospectiva dos gingados da minha vida.
Quando criança, meus passos eram saltitantes e cheios de energia. Pulava como uma bolinha de tênis “quicando” em meio a uma partida. Tudo era diversão e os problemas da vida não me pertenciam já que tive a sorte de ter uma infância abençoada por um viver alegre e cheio de afeto.
O tempo foi passando e com ele fui percebendo que “quicar” não era a maneira mais charmosa de andar. Era fundamental adquirir um molejo capaz de seduzir ao mesmo tempo em que elevava minha autoestima. Os hormônios tomavam conta dos meus passos e mesmo sem nunca ter tido o dom para saltos altos, passarelava pela vida num andar encantador. Com o avanço do tempo os passos foram adquirindo firmeza e os propósitos do viver estavam ali num compasso fortemente ritmado.
Com os filhos, ganhei uma leveza que invejaria qualquer top model magrela. A vida passou a ser lúdica, acima de qualquer coisa. As brincadeiras desenhavam os dias e não tive dificuldade alguma em entrar no faz de conta que eles propunham. Fingíamos ser, de príncipes e princesas às bruxas, bruxos e animais de todos os tipos. Neste momento, minha profissão havia ficado em segundo plano. Brincar era mais importante e era assim que caminhava pela vida.
Quando chegou o momento de trilhar novamente por caminhos que seriam meus, havia aprendido a dar passos firmes, mas, sem perder a ternura jamais. Escolhi a Arte como companheira de jornada. Aprendendo a me impor um pouquinho mais, fui desbravando a Arte e a vida e aos pouco me apropriando delas. Andava a passos largos, afinal, finalmente sabia exatamente aonde queria chegar.
Um dia precisei tirar a tireoide e foi aí que percebi na pele que não somos nada além de hormônios. Vi a vida perder a graça e passei a me vestir de bege, numa total falta de cor. Numa tentativa de normalizar a situação acabei indo do Hipo ao Hiper e enlouqueci todos a minha volta. Neste instante comecei a sentir o corpo e as juntas travarem curiosamente como se anunciassem uma nova era. Nada mais seria como antes.
Essa tal de meia idade mais parece uma reviravolta na vida. De uma hora para outra o tempo nos vira do avesso e eu, longe de parecer a Helô Pinheiro que envelhece como musa, faço esforços sobre-humanos para me adaptar a essa nova forma de caminhar pela vida.
Portanto, ou se calça a luva e não se põe o anel, ou se põe o anel e não se calça a luva! Quem sobe nos ares não fica no chão, quem fica no chão não sobe nos ares.
Sigo vivendo. Eu e o avanço do tempo, senhor todo poderoso, que tudo transforma. Meus passos são mancos e é cambaleando que sigo em frente com o corpo e a mente em uma disputa acirrada. É preciso envelhecer com flexibilidade e mesmo com a situação não favorável, levo para o meu viver e para o meu envelhecer o tal molejo perdido. Precisamos ser criativos para repor o estrógeno desaparecido com atitudes positivas. Não é fácil, mas é possível. A Arte tem ajudado e deixo aqui meu convite a todos que fazem parte da meia-idade e que estranham não estar nem aqui, nem ali. A vida pede posicionamento e a Arte é um exercício constante de criatividade e beleza. Portanto, vamos arregaçar as mangas e pintar, desenhar, colar, lixar, esculpir e ser feliz.
Que a velhice possa um dia chegar e quem sabe encantar com essa nova maneira de perceber a vida que dói e incomoda mas que traz, na essência, a graça e molejo um dia existente na nossa maneira de existir. Mesmo que a passos arrastados, amparados por bengalas, andadores ou braços entrelaçados. Seja lá como for o caminhar, que seja sempre no sentindo adiante.
Avante! Na velhice e em toda e qualquer idade, os sonhos estarão sempre ali na frente.
Esperançosa, percebo que mais um pouco deixarei de ser meio para ser inteira. E mesmo dolorida, conformada, sigo cantarolando: Para cantar junto ....
Ah, por que estou tão sozinho? Ah, por que tudo é tão triste?Ah, a beleza que existe A beleza que não é só minha
Que também passa sozinha Ai se ela soubesse que quando ela passa
O mundo inteirinho se enche de graça E fica mais lindo por causa do amor
Por causa do amor Por causa do amor
Ou isto ou aquilo, de Cecília Meireles
Ou se tem chuva e não se tem sol,
ou se tem sol e não se tem chuva!
Ou se calça a luva e não se põe o anel,
ou se põe o anel e não se calça a luva!
Quem sobe nos ares não fica no chão,
quem fica no chão não sobe nos ares.
É uma grande pena que não se possa
estar ao mesmo tempo nos dois lugares!
Ou guardo o dinheiro e não compro o doce,
ou compro o doce e gasto o dinheiro.
Ou isto ou aquilo: ou isto ou aquilo…
e vivo escolhendo o dia inteiro!
Não sei se brinco, não sei se estudo,
se saio correndo ou fico tranqüilo.
Mas não consegui entender ainda
qual é melhor: se é isto ou aquilo.
Fonte: http://www.portaldoenvelhecimento.com.br/
Por: Cristiane T. Pomeranz - Arteterapeuta, entusiasta da vida e da arte, e mestre em Gerontologia Social pela PUC-SP. E-mail: crispomeranz@gmail.com
Boa tarde, Juraci, tudo bem?
ResponderExcluirMeu nome é Dirceu Neto, sou jornalista, trabalho para a Vivo e estou entrando em contato, pois gostaria de fazer uma reportagem com a senhora, para que a senhora conte um pouco de como surgiu a ideia do blog, fale um pouco do conteúdo e também incentive outras pessoas a usarem mais a internet e criarem seu próprio blog.
Teria algum número de telefone com que a gente possa conversar?
Obrigado
Dirceu Neto - (11) 98316-2696
Dirceu, boa noite.
ResponderExcluirMinhas desculpas por responder somente agora. Fui tão bem monitorada que já conversei via mensagem com Ricardo Sacardo.
O número do telefone celular é (81)997571851.
Surpreendente mesmo. Quando coisas parecidas com essa me acontecem logo lembro disto: "Quem diria... Greta garbo acabou no Irajá."
Fico agradecida pelo contato e espero não decepcionar e em verdade contribuir. Abraço.
Abraço.