O filme Tal mãe, tal filha, traz à luz as múltiplas famílias contemporâneas, a casa como um ambiente compartilhado, a inversão de papeis, a família que se desfaz e se refaz.
A comédia francesa Tal mãe, tal filha, debate os papeis familiares atuais, pois vivemos atualmente uma pluralidade e diversidade de famílias. Vivenciamos um período de mudanças, de comportamentos e de saberes em que os papeis ficam cada vez mais fluidos. A família não é mais binária, ou isso ou aquilo, mas um “caldeirão” de culturas, de desejos, de afetos e de disjunções. Mas, afinal, qual o nosso papel na construção de família?
Esse foi o mote da discussão realizada pelos participantes logo após a sessão de cinema Itaú Viver Mais no shopping Frei Caneca, em São Paulo, espaço em que mensalmente há um filme seguido de debate realizado por membros do Portal do Envelhecimento.
Debate que se repete em diversos cinemas do país afora. No mês de julho o filme foi Tal mãe, tal filha, com roteiro e direção de Noémie Saglio (Beijei Uma Garota), que apresentou Avril (Camille Cottin), uma mulher de 30 anos, casada, bem-sucedida na vida pessoal e profissional, toda certinha, como o inverso de sua mãe, uma cinquentona desempregada, enxuta, Mado (Juliette Binoche, do famoso filme “O Paciente Inglês”) que se recusa a amadurecer. As duas vivem juntas no apartamento da filha com o genro e a relação delas que nunca foi das mais tranquilas se torna insustentável quando ambas ficam grávidas ao mesmo tempo.
A primeira pergunta feita aos presentes foi: qual é o modelo de família que existe em nossas cabeças?
É claro que a resposta já foi dada pelo saudoso Belchior, que cantava que “Ainda somos os mesmos como nossos pais”. E ele não deixa de ter razão, pois o incômodo causado pelo filme Tal mãe, tal filha, foi geral, só pelo fato da inversão de papeis. No filme a filha, super séria e responsável, era quem cuidava da mãe imatura, tanto econômica quanto afetivamente. Aliás, este tipo de inversão de cuidados vem se apresentando mais frequente do que se imagina, com o aumento do número de pessoas mais velhas e a tendência delas desenvolverem a Doença de Alzheimer. E aí a pergunta seria: numa família, quem cuida de quem?, muito bem colocada por uma telespectadora.
Não é o caso do filme, em que a mãe ocupa o papel de adolescente, irresponsável, aventureira, livre, espontânea; e a filha o papel de ranzinza, provedora e cuidadora, uma jovem pesada. Uma imagem que não se encaixava nos padrões em que fomos educados e que foi discutida por alguns participantes do cinema como não estando certo a filha cuidar da mãe com todos os atributos de uma jovem que não amadureceu. E aqui coube outra pergunta: está certo a mãe cuidar de um filho adulto que usa a casa e é um eterno adolescente?
Aprendemos que cabe aos pais cuidarem de seus filhos, inclusive até a vida adulta. Que aos jovens lhes é permitido ser livres, irresponsáveis, bagunceiros, que cuidar da família é um valor aceito naturalmente, desde que os papeis não se invertam…Eis que o filme Tal mãe, tal filha, desconstrói essa imagem, desfazendo modelos de famílias, os mais diversos possíveis, instaurando um caos, ou um lugar desconfortável de se estar, afinal, por um breve momento nos deparamos com a família que temos, e que o contexto social, econômico e cultural influenciam a construção de valores, crenças e atitudes. A começar pelos modelos de famílias existentes no filme: a família livre, libertária, poeta; a família católica, pesada e cheia de preconceitos; a cultura de uma família do continente africano cuja mulher grávida deve ser carregada pelo homem; e a família que estava em construção, onde cabia à mulher prover a casa e não o marido. Enfim, um pequeno retrato de nossas famílias de cada dia.
Famílias que mostraram a que vieram, cujos papeis foram o da escuta, a que olha e vê a necessidade de seus membros (sejam pais, filhos, sogros), e a que consegue falar e assim se aceitar pois percebe que acima de tudo o que está em questão é o afeto que permite um aceitar o outro, independente de classe, cultura, religião, família patriarcal, família matriarcal, família centrífuga, família disfuncional… famílias!
Fotos: Rodrigo Gueiros Fonte:Trailer:
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