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Rubem Alves e a velhice

Em 2008 na Folha de São Paulo, Rubem Alves, excelente cronista que é tratou pessoal e carinhosamente o tema velhice. A crônica sobre quando se deparou com a velhice pela primeira vez nos faz refletir sobre o tratamento com os idosos, velhos, pessoas na melhor idade, velhinhos, maduros…  Em  by marinalimao

Gestos amorosos “Idoso” é palavra de fila de banco e de supermercado; “velho”, ao contrário, pertence ao universo da poesia

DEI-ME CONTA DE que estava velho cerca de 25 anos atrás. Já contei o ocorrido várias vezes, mas vou contá-lo novamente. Era uma tarde em São Paulo. Tomei um metrô. Estava cheio. Segurei-me num balaústre sem problemas. Eu não tinha dificuldades de locomoção. Comecei a fazer algo que me dá prazer: ler o rosto das pessoas. Os rostos são objetos oníricos: fazem sonhar. Muitas crônicas já foram escritas provocadas por um rosto -até o mesmo o nosso- refletido no espelho.

Estava eu entregue a esse exercício literário quando, ao passar de um livro para outro, isto é, de um rosto para outro, defrontei-me com uma jovem assentada que estava fazendo comigo aquilo que eu estava fazendo com os outros. Ela me olhava com um rosto calmo e não desviou o olhar quando os seus olhos se encontraram com os meus. Prova de que ela me achava bonito. Sorri para ela, ela sorriu para mim… Logo o sonho sugeriu uma crônica: “Professor da Unicamp se encontra, num vagão de metrô, com uma jovem que seria o amor de sua vida…”

Foi então que ela me fez um gesto amoroso: ela se levantou e me ofereceu o seu lugar… Maldita delicadeza! O seu gesto amoroso me humilhou e perfurou o meu coração… E eu não tive alternativas. Como rejeitar gesto tão delicado! Remoendo-me de raiva e sorrindo, assentei-me no lugar que ela deixara para mim. Sim, sim, ela me achara bonito. Tão bonito quanto o seu avô…

Aconteceu faz mais ou menos um mês. Era a festa de aniversário de minha nora. Muitos amigos, casais jovens, segundo minha maneira de avaliar a idade. Eu estava assentado numa cadeira num jardim observando de longe. Nesse momento chegou um jovem casal amigo. Quando a mulher jovem e bonita me viu, veio em minha direção para me cumprimentar. Fiz um gesto de levantar-me. Mas ela, delicadíssima, me disse: “Não, fique assentadinho aí…” Se ela me tivesse dito simplesmente “Não é preciso levantar”, eu não teria me perturbado. Mas o fio da navalha estava precisamente na palavra “assentadinho”. Se eu fosse moço, ela não teria dito “assentadinho”.

Foi justamente essa palavra que me obrigou a levantar para provar que eu era ainda capaz de levantar-me e assentar-me. Fiquei com dó dela porque eu, no meio de uma risada, disse-lhe que ela acabava de dar-me uma punhalada…

Contei esse acontecido para uma amiga, mais ou menos da minha idade. E ela me disse: “Estou só esperando que alguém venha até mim e, com a mão em concha, bata na minha bochecha, dizendo: “Mas que bonitinha…” Acho que vou lhe dar um murro no nariz…”

Vem depois as grosserias a que nós, os velhos, somos submetidos nas salas de espera dos aeroportos. Pra começar, não entendo por que “velho” é politicamente incorreto. “Idoso” é palavra de fila de banco e de fila de supermercado; “velho”, ao contrário, pertence ao universo da poesia. Já imaginaram se o Hemingway tivesse dado ao seu livro clássico o nome de “O idoso e o mar”? Já imaginaram um casal de cabelos brancos, o marido chamando a mulher de “minha idosa querida”?

Os alto-falantes nos aeroportos convocam as crianças, as gestantes, as pessoas com dificuldades de locomoção e a “melhor idade”… Alguém acredita nisso? Os velhos não acreditam. Então essa expressão “melhor idade” só pode ser gozação.

Fonte: https://balacobaco.wordpress.com/2008/05/



Comentários

  1. Ontem, na fila do banco.

    - A senhora pode passar à minha frente.

    - Obrigada, não tenho pressa. Não é preciso. Tenho todo o tempo do mundo.

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  2. Heloisa, essa senhora deve pensar como eu: o que é o tempo? será que ele existe ... ou somos escravos do calendário gregoriano, do relógio, ou melhor das ampulhetas modernas.

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