Você já deu “uma bola fora” com os 60+?
"O pior de tudo é que virei a “Dona bonitinha, boazinha, velhinha, inha inha”… A moça do mercado sempre fala que é pra ” deixar a senhorinha passar na frente”. Isso me aborrece um tanto...."
Comentário do Blog: O diminutivo na língua portuguesa possui mais funções do que imaginamos. Afinal, o usamos em várias situações, sem mesmo percebermos. Veja só:
a) Mãezinha, traz um copo d’água para mim?
b) Era uma mocinha encantadora.
c) Dá-me um pedacinho bem pequeno.
d) O que você vai fazer para aquele homenzinho?
Observe que cada oração acima tem um sentido próprio: a primeira passa afetividade; a segunda, amabilidade; a terceira, modéstia, reforçada com o seguido “bem pequeno” e a quarta, desprezo. Vê-se que o diminutivo é muito utilizado para que nos expressemos de diferentes modos. Por isso, não deve ser desconsiderado, mas usado com cautela, atenção e respeito. Vejamos um fato real.
Por Gabriela Goldstein que é Fisioterapeuta, professora universitária, especialista em Gerontologia Social e escreve no Blog LongeViver, veja:
– Boa tarde dona Maria Lúcia, tudo bem com a senhora?
– Tudo bem sim “doutora” mas quero melhorar.
– Sim, vejo aqui em seu prontuário que a senhora tem uma dor lombar crônica e trabalha como costureira em uma oficina de costura. Me fale um pouco mais da senhora e do seu trabalho.
– Bom eu trabalho com costura desde os 28 anos de idade, nos últimos anos deixei de costurar e supervisiono as costureiras, não passo mais tanto tempo sentada e na mesma posição, por que sei que isso não faz bem, mas mesmo assim minha coluna dói muito. Só que isso não é o que mais me incomoda.
– E o que é então Dona Maria Lucia?
– Sabe, eu tenho 70 anos e a minha rotina é a mesma de quando eu tinha 40, 50 e 60. Acordo no mesmo horário, vou trabalhar, fico umas 8h no trabalho, volto pra casa, cuido de tudo e vou dormir, só que de uns tempos pra cá todo mundo vem me tratando diferente.
– Diferente como?
– Como se eu não pudesse fazer mais nada, sabe? Me tratam bem, mas querem me poupar de tudo, “ não pegue peso”, “não vá sozinha no banco”, “ Deixa eu te ajudar a descer a escada”, “ não te contei pra não te deixar nervosa”, “não vá ali”, “não suba nisso”, poxa… se eu precisar, peço ajuda. Se eu perceber que não consigo, eu aviso. Estou ficando muito irritada e isso está aumentando minha dor nas costas. O pior de tudo é que virei a “Dona bonitinha, boazinha, velhinha, inha inha”… A moça do mercado sempre fala que é pra ” deixar a senhorinha passar na frente”. Isso me aborrece um tanto, mas a senhora nem tem que escutar meus aborrecimentos, vou falar da minha dor nas costa. Ela está comigo desde os 45 anos mas agora resolveu piorar.
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É! A Dona Maria Lúcia que recentemente passou em uma consulta comigo relatou fatos que acontecem com muita gente, todo tempo. Ela fez 70 anos e é ativa, trabalha, cuida da casa e mantém as mesmas atividades que faz há 30 anos, mas percebe mudanças que a deixam desconfortáveis.
O discurso dela nos faz refletir a respeito: Por que se usa tanto o diminutivo para falar com os idosos? Você já se percebeu fazendo isso? Já viu alguém tratar um 60+ assim? E se após ouvir a queixa de Dona Lucia eu falasse pra ela: ” Bom vamos lá então, “levanta o bracinho lá no alto”, “ vamos tirar o sapatinho dona Maria?” , ela provavelmente sairia da consulta mais aborrecida do que entrou. E por que fazemos isso? Queremos ser simpáticos? Bonzinhos? Carinhosos? Mas eu não gosto quando me chamam de “bonitinha”, lindinha”, “queridinha”… por que eles gostariam? E vocês, gostariam?
Outra bola fora que damos frequentemente, sem a intenção de restringir, pelo contrário, queremos proteger, mas na verdade o que fazemos muitas vezes é invadir a autonomia da pessoa. Dizer o que ela deve ou não deve fazer, como e quando deve fazer, sem saber a opinião dela. Interferimos nas suas decisões e tiramos a autonomia daqueles que são bem mais experientes do que nós.
É claro que quando nos preocupamos com uma pessoa devemos cuidar, mas acredito que o diálogo, a comunicação e a empatia é o que vai garantir a proteção na medida certa sem tirar a independência e autonomia da pessoa.
Dona Lucia, ao final da consulta ainda me disse: “Eu faço tudo o que fazia antes, claro que no meu tempo, demoro um pouco mais, mas é o meu tempo, ainda é, me deixem levar o tempo que eu precisar e não precisarão fazer por mim”. É isso mesmo Dona Lucia! Cada um de nós tem um tempo para fazer as coisas. Devemos exercitar a nossa paciência e respeitar o espaço do outro. Além do que, nosso excesso de zelo e cuidado pode gerar um comportamento de dependência daquele que está apto a fazer diversas atividades, mesmo que de forma mais vagarosa, as vezes adaptada. Cada um de nós é singular, temos uma história e precisamos evitar as comparações e o estereótipo atribuído aos 60+, isso traz muita angustia para todos.
Vamos refletir e tentar fazer algumas mudanças para não dar “uma bola fora” com os 60+?
Fonte: https://longeviver.wordpress.com/o-termo-longeviver/
Imagem: joaovitorfontes1.wix.com
Definitivamente, é ultrajante. Ser velho não é perder a identidade e o tratamento que certos "jovenzinhos" dão aos mais idosos é um atestado de falta de sensibilidade. Se alguém pedir para segurar o meu "bracinho" ao atravessar a "ruazinha", dou-lhe uma bengalada na cabeça idiota. Se até lá eu usar bengala o que não é o meu propósito. :-)
ResponderExcluirSabes que os adultos com mais de 60 também usam diminutivos para tratar o velhos? Pois os velhos são os outros, eu não.Nisso está, também, a dificuldade que temos de ver a própria velhice.
ResponderExcluirTeruska! estamos juntas nessa caminhada cheia de surpresas e aprendizado. Vivamos a velhice!!!!
Em tempo: usar bengala pode ser elegante!!!