Impossível ignorar o que acontece com as políticas sociais. Publico uma entrevista da economista Denise Gentil que comenta as conclusões a que chegou em sua tese de Doutorado. Ao final tem um link para a entrevista completa.
Denise Gentil, entrevistada por Coryntho Baldez (*)
Aos poucos, à medida em que se
aprofunda o “ajuste fiscal” brasileiro, um velho bordão volta à cena: o do
suposto “déficit da Previdência. Nos jornais, “especialistas” brandem números
sem se preocupar em explicá-los. Benefícios supostamente “exagerados” teriam
tornado o sistema previdenciário inviável. Não haveria outra saída exceto
reduzir direitos. Mas uma economista disseca os cálculos que fabricam a “crise”
e contra-ataca: objetivo do discurso é transferir à aristocracia financeira
fundos que garantem direitos sociais.
Em sua primeira entrevista do ano, a presidente Dilma Roussef
propôs abertamente elevar a idade mínima para aposentadoria. Que se esconde por
trás destes números e argumentos? Por desconfiar de ambos, a economista Denise
Gentil, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, dedicou seu doutorado ao
tema. Suas conclusões essenciais merecem amplo debate:
a) Para falar de “déficit” da Previdência é preciso realizar uma
conta bizarra. Implica excluir da receita do sistema previdenciário tributos
que a Constituição destina expressamente a ele: por exemplo, a Cofins
(Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social), a CSLL (Contribuição
sobre o Lucro Líquido) e a CPMF (que deverá ser recriada em breve). Basta
incluir estes tributos para que surja, em vez do déficit, um vistoso superávit
(RS 1,2 bilhões em 2006, por exemplo).
b) O cálculo artificial esconde um interesse: deixar de ver os
benefícios previdenciários (aposentadorias, pensões, assistência aos acidentes
de trabalho, seguro-desemprego e tantos outros) como direitos que o Estado deve
assegurar, por meio da arrecadação de tributos. Segundo este ponto de vista
restritivo, e ao contrário do que diz a própria Constituição, as únicas
receitas do sistema previdenciário seriam as contribuições descontadas dos
salários da população formalmente empregada.
c) Do ponto de vista da - exceto quando se distorcem os cálculos -
destroça os mitos oficiais que encobrem a realidade da Previdência Social
no Brasil. Em primeiro lugar, uma gigantesca farsa contábil transforma em
déficit o superávit do sistema previdenciário, que atingiu a cifra de R$ 1,2
bilhões em 2006, segundo a economista.
d) O objetivo último é facilmente previsível. Quem alardeia o
“déficit” quer, no fundo, desviar para o pagamento de juros recursos que são
claramente previdenciários. Em outras palavras, destinar à aristocracia
financeira o dinheiro que a Constituição manda usar para os direitos sociais —
inclusive dos mais necessitados.
Leita parte da entrevista em que Denise Gentil expõe em detalhes
suas conclusões:
A ideia de crise do sistema previdenciário faz
parte do pensamento econômico hegemônico desde as últimas décadas do século
passado. Como essa concepção se difundiu e quais as suas origens?
A ideia de falência dos sistemas previdenciários públicos e os
ataques às instituições do welfare state (Estado de Bem- Estar Social)
tornaram-se dominantes em meados dos anos 1970 e foram reforçadas com a crise
econômica dos anos 1980. O pensamento liberal-conservador ganhou terreno no
meio político e no meio acadêmico. A questão central para as sociedades
ocidentais deixou de ser o desenvolvimento econômico e a distribuição da renda,
proporcionados pela intervenção do Estado, para se converter no combate à
inflação e na defesa da ampla soberania dos mercados e dos interesses
individuais sobre os interesses coletivos. Um sistema de seguridade social que
fosse universal, solidário e baseado em princípis redistributivistas conflitava
com essa nova visão de mundo. O principal argumento para modificar a
arquitetura dos sistemas estatais de proteção social, construídos num período
de crescimento do pós-guerra, foi o dos custos crescentes dos sistemas
previdenciários, os quais decorreriam, principalmente, de uma dramática
trajetória demográfica de envelhecimento da população. A partir de então, um
problema que é puramente de origem sócio-econômica foi reduzido a um mero
problema demográfico, diante do qual não há solução possível a não ser o corte
de direitos, redução do valor dos benefícios e elevação de impostos. Essas idéias
foram amplamente difundidas para a periferia do capitalismo e reformas
privatizantes foram implantadas em vários países da América Latina.
No Brasil, a concepção de crise financeira da
Previdência vem sendo propagada insistentemente há mais de 15 anos. Os dados
que você levantou em suas pesquisas contradizem as estatísticas do governo.
Primeiramente, explique o artifício contábil que distorce os cálculos oficiais.
Tenho defendido a ideia de que o cálculo do déficit previdenciário
não está correto, porque não se baseia nos preceitos da Constituição Federal de
1988, que estabelece o arcabouço jurídico do sistema de Seguridade Social. O
cálculo do resultado previdenciário leva em consideração apenas a receita de
contribuição ao Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) que incide sobre
a folha de pagamento, diminuindo dessa receita o valor dos benefícios pagos aos
trabalhadores. O resultado dá em déficit. Essa, no entanto, é uma equação
simplificadora da questão. Há outras fontes
de receita da Previdência que
não são computadas nesse cálculo, como a Cofins (Contribuição para o
Financiamento da Seguridade Social), a CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro
Líquido), a CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira) e a
receita de concursos de prognósticos. Isso está expressamente garantido no
artigo 195 da Constituição e acintosamente não é levado em consideração.
A que números você chegou em sua pesquisa?
Fiz um levantamento da situação financeira do período 1990-2006.
De acordo com o fluxo de caixa do INSS, há superávit operacional ao longo de
vários anos. Em 2006, para citar o ano mais recente, esse superávit foi de R$
1,2 bilhões.
O superávit da Seguridade Social, que abrange o conjunto da Saúde,
da Assistência Social e da Previdência, é muito maior. Em 2006, o excedente de
recursos do orçamento da Seguridade alcançou a cifra de R$ 72,2 bilhões.
Uma parte desses recursos, cerca de R$ 38 bilhões, foi desvinculada
da Seguridade para além do limite de 20% permitido pela DRU (Desvinculação das
Receitas da União).
Há um grande excedente de recursos no orçamento da Seguridade
Social que é desviado para outros gastos. Esse tema é polêmico e tem sido muito
debatido ultimamente. Há uma vertente, a mais veiculada na mídia, de
interpretação desses dados que ignora a existência de um orçamento da
Seguridade Social e trata o orçamento público como uma equação que envolve
apenas receita, despesa e superávit primário. Não haveria, assim, a menor
diferença se os recursos do superávit vêm do orçamento da Seguridade Social ou
de outra fonte qualquer do orçamento.
Interessa apenas o resultado fiscal, isto é, o quanto foi
economizado para pagar despesas financeiras com juros e amortização da dívida
pública.
Por isso o debate torna-se acirrado. De um lado, estão os que
advogam a redução dos gastos financeiros, via redução mais acelerada da taxa de
juros, para liberar recursos para a realização do investimento público
necessário ao crescimento. Do outro, estão os defensores do corte lento e
milimétrico da taxa de juros e de reformas para reduzir gastos com benefícios
previdenciários e assistenciais. Na verdade, o que está em debate são as
diferentes visões de sociedade, de desenvolvimento econômico e de valores
sociais.
Leia a entrevista completa Aqui
Para detalhes, leia também, na íntegra, sua tese Aqui “A falsa crise
da Seguridade Social no Brasil: uma análise financeira do período 1990 – 2005”
(*)Denise Gentil foi entrevistada por Coryntho Baldez, no Jornal
da UFRJ
Fonte para o Blog:http://www.portaldoenvelhecimento.com/direitos-e-politicas/item/3917-a-grande-fraude-deficit-da-previdencia
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