Fonte: http://www.publico.pt/temas/jornal/velhos-nao-somos-todos-contemporaneos-26809407
14/07/2013 , Portugal
14/07/2013 , Portugal
A discriminação em relação à idade é a principal forma de
discriminação sentida pelos portugueses. E tem um nome: idadismo. "Dá a
impressão de que se não fossem os velhos o país estava bem"
Jorge Cabral, 68 anos,
estava a atravessar a estrada. Um carro conduzido por um homem de meia-idade
acompanhado por três crianças passou por ele. Talvez nesse momento andasse mais
devagar do que o normal porque de dentro do carro o homem berrou-lhe:
"Sacana do velho! Já deves anos à cova."
Só há três ou quatro anos é
que descobriu que era velho. Nessa altura ainda exercia advocacia e era
professor universitário. Enquanto esperava na fila do bar da Universidade
Lusófona, ouviu uma aluna perguntar a uma colega: "O velhote de Penal já
chegou?" O velhote de Penal era ele. Durante os 38 anos que ensinou
Direito Penal não se lembra de ouvir alguém perguntar pelo "jovem de
Penal". "Terei perdido o nome?", pensou. Jorge Cabral não se
sente velho e não percebe por que é que se fala de velhos e novos quando
"somos todos contemporâneos".
"Está a criar-se um
gueto. É como se de um lado estivessem as pessoas e do outro uma raça à parte -
a dos velhos."
Jorge Cabral nunca tinha
ouvido o termo "idadismo", mas foi disso que falou. À semelhança de
conceitos como o racismo ou o sexismo, o idadismo refere-se às atitudes e
práticas de discriminação (geralmente negativa) dos indivíduos com base numa
característica - a idade. A discriminação pode afectar diferentes grupos
etários.
De acordo com Sibila Marques, psicóloga social e autora do livro Discriminação na Terceira Idade, em países como o Reino Unido, o idadismo é sobretudo contra as pessoas mais jovens, enquanto em Portugal atinge as pessoas mais velhas. Alguns autores preferem usar os termos "velhismo" ou "gerontismo" para classificar as atitudes de discriminação em relação às pessoas mais velhas. Estas atitudes assumem três formas: a tendência para olharmos para as pessoas idosas como parte de um grupo homogéneo e indiferenciado; o preconceito, o desdém e a atitude paternalista face aos mais velhos e, por fim, o abuso e os maus tratos.
De acordo com Sibila Marques, psicóloga social e autora do livro Discriminação na Terceira Idade, em países como o Reino Unido, o idadismo é sobretudo contra as pessoas mais jovens, enquanto em Portugal atinge as pessoas mais velhas. Alguns autores preferem usar os termos "velhismo" ou "gerontismo" para classificar as atitudes de discriminação em relação às pessoas mais velhas. Estas atitudes assumem três formas: a tendência para olharmos para as pessoas idosas como parte de um grupo homogéneo e indiferenciado; o preconceito, o desdém e a atitude paternalista face aos mais velhos e, por fim, o abuso e os maus tratos.
A análise dos resultados
referidas no capítulo Idadismo do European Social Survey (ESS) de
2009 mostra que quando questionados directamente os portugueses afirmam-se como
não preconceituosos contra as pessoas idosas. No entanto, de acordo com este
estudo, a discriminação em relação à idade é a principal forma de discriminação
sentida pelos portugueses (17%). Para Sibila Marques, a sociedade portuguesa é
essencialmente idadista "nas formas mais subtis", predominando um
preconceito mais paternalista em relação aos mais velhos: "Achamos que as
pessoas idosas não são muito competentes mas são muito simpáticas - dizemos bem
mas pensamos que são um fardo."
Esta percepção dos mais
velhos como um fardo tem várias dimensões. De uma maneira geral, existe a
convicção de que os trabalhadores mais velhos roubam lugares aos mais novos. Em
economia chama-se "lump of labour falacy" e sugere que há um
número fixo de postos de trabalho na economia e que, por isso, em tempos de
desemprego elevado, a única maneira de permitir que os jovens possam entrar no
mercado de trabalho é facilitar a saída dos trabalhadores mais velhos, explica
Amílcar Moreira, investigador no Instituto do Envelhecimento da Universidade de
Lisboa. "A ideia é falsa. Não há um numero fixo de empregos numa economia
e expulsar os trabalhadores seniores do mercado de trabalho não abre
necessariamente caminho à entrada de trabalhadores jovens no mercado de
trabalho. De uma forma geral, os trabalhadores seniores possuem qualificações e skills diferentes das dos trabalhadores mais
jovens, e portanto estes não concorrem entre si no mercado de trabalho",
diz o investigador.
Outra ideia feita é que os
cidadãos seniores poderão usar o seu peso eleitoral para tentar condicionar a
distribuição de despesa social em favor das políticas que os beneficiam
directamente - como as pensões ou o sistema de saúde - mesmo que à custa da
diminuição do investimento em políticas que beneficiam as grupos mais jovens -
como o subsídio de desemprego ou o rendimento social de inserção. No entanto,
de acordo com Amílcar Moreira, a evidência científica não confirma essa ideia e
sugere duas possíveis razões para que tal não aconteça. Por um lado, os
reformados, como fazem parte do grupo de indivíduos que depende do
Estado-providência, poderão estar menos inclinados a apoiar qualquer tipo de
corte nos apoios sociais, explica o investigador. Por outro, os cidadãos
seniores - naquilo a que se chama "altruísmo dinástico" - poderão
estar inclinados a apoiar ajudas que, apesar de não os beneficiarem
directamente, beneficiam os seus filhos e netos.
Para além disso, há ainda a
questão dos gastos com a população sénior. Em 2012, havia 1,5 pessoas activas
por cada pensionista. No estudo do European Social Survey, referido
anteriormente, 53% dos portugueses consideravam que as pessoas com mais de 70
anos contribuem pouco para a economia e 39% pensavam que os idosos constituem
um peso para os serviços de saúde.
"Culpa-se os velhos de
tudo: dos problemas na segurança social, de conduzirem em contramão...",
lamenta Jorge Cabral, que vê a discriminação contra os idosos em todo o lado -
"na comunidade, na família, no trabalho". Num dos últimos julgamentos
que fez antes de se reformar, pediu às testemunhas para falarem mais alto e
ouviu da juíza uma resposta que considerou arrogante e ofensiva: "Senhor
advogado, por que é que não põe um aparelho nos ouvidos?" São pequenos
pormenores. Subtilezas. Jorge Cabral tem vários exemplos. É a infantilização
dos mais velhos nos serviços de saúde: "O velho é tratado como uma
criança. Dizem-lhes - "Dê cá a sua mãozinha, o seu pezinho e o seu
rabinho." Não percebem que estão perante pessoas com história de vida, com
valores e que provavelmente não gostam nada de ouvir "o seu rabinho"."
É a uniformização das actividades nos lares: "É como se fosse um menu -
"Hoje é dia de bife com batatas e fandango." Como se todos os
velhotes gostassem de dançar o fandango." E são todos os mitos associados
à terceira idade - "o velho que cheira mal. O velho que é pedófilo e
libidinoso".
Jorge Cabral tem
conhecimento de casos "gravíssimos" de violência física contra os
mais velhos. Uma vez, viu uma fotografia tirada por técnicas de um lar que
aproveitaram o momento do banho de um idoso para o excitarem. Para além dessas
histórias que muitas vezes não chegam aos tribunais, o ex-advogado diz que
"basta ser velho e andar na rua" para sentir a discriminação. Ainda
que muitas vezes as vítimas não se apercebam do que está a acontecer porque
interiorizaram que é assim que as coisas são.
À entrada do Jardim da
Estrela, do lado da Basílica, há um pequeno redondo com alguns bancos de
madeira. Aí sentam-se todos os dias homens e mulheres, na sua maioria
reformados. Conversam, jogam às cartas, refrescam-se das altas temperaturas.
José tem essa rotina há 19 anos, desde o dia em que deixou de trabalhar, com 60
anos. "Respeito toda a gente para ser sempre respeitado." Os amigos
que se sentam a seu lado assentem e acrescentam: "Nunca fui maltratado"
ou "gosto muito da juventude". Falam como se tivessem as frases
preparadas. Depois, José diz qualquer coisa que muda o tom da conversa.
"Às vezes, a gente ouve umas coisas, mas não podemos ligar." O que é
que ouvem? José responde: "No outro dia, passou aí um grupo de jovens que
disse assim: "A maior parte do tempo os bancos estão ocupados por esta
velhada do..." e usaram aquele palavrão que começa por ca..." Os
amigos de José assentem novamente: "Ah, isso ouve-se muitas vezes, mas
pronto, a gente não liga..."
Ao lado está Luís Amadeu
Mendonça Neves, 80 anos, que acabou há pouco a aula de ginástica no Jardim.
Luís acha que há uma separação grande entre os jovens e os idosos e tem pena.
"Eu admiro a juventude. Tenho de estar ligado à juventude." Um dia um
homem disse-lhe assim: "Olha para esse velho!" Luís passa a mão pela T-shirt azul, esticada na zona da barriga:
"Acho que estava a dizer que eu era barrigudo." Há uns tempos, viu
dois jovens a discutir, um pouco enervados. Um dos rapazes olhou para ele e
declarou: "Os velhos deviam morrer todos." Luís desvaloriza tudo
isto: "Quando vejo jovens que não sabem estar, desvio-me porque senão já
sei que como pela medida grande."
Sibila Marques explica que
muitas vezes estas situações não são vistas como um problema porque desde cedo
as crianças se habituam a ver os mais velhos de uma forma inferior:
"Aqueles que agora são idosos estão no lugar que eles próprios já estavam
à espera de ocupar." Esta resignação afecta a saúde objectiva da população
sénior, alerta a psicóloga social, e tem efeitos na ansiedade, na auto-estima,
aumenta os níveis de stress e até a velocidade com que se anda. De acordo com
Sibila Marques, a mudança desta mentalidade tem de ocorrer logo nas escolas,
uma vez que há estudos que demonstram que desde muito cedo interiorizamos
ideias negativas associadas ao envelhecimento.
"Temos de ensinar a
criança a olhar para a pessoa. Quando dizemos às crianças que hoje é dia de
irem visitar os velhinhos, isto fica marcado na cabeça delas. Começam a pensar
que há lugares onde se põem os velhinhos, como se fossem peças de museu",
critica Jorge Cabral.
De acordo com Sibila
Marques, parte deste problema também está relacionado com o facto de haver uma
certa segregação social - as crianças estão na escola, os pais estão no
trabalho e os idosos estão nos lares. Para Maria João Valente Rosa, demógrafa e
directora da Pordata (uma base de dados organizada pela Fundação Francisco
Manuel dos Santos), numa sociedade inteligente, "todos se encontram sem
andarem em faixas. Não importa se és velho, novo, se és homem ou mulher".
Mas para que isto aconteça
algo tem de mudar no discurso e nas atitudes dos governantes. Amílcar Moreira
acha que "Portugal é um caso claro de aged-based
politics", com alguns partidos a usar a idade como factor de diferenciação
política. No entanto, e apesar de o discurso político poder criar algumas
clivagens, o investigador pensa que há poucas probabilidades de haver um
conflito intergeracional: "Não estamos a observar os jovens a vir para a
rua porque as famílias estão a servir de almofada." A demógrafa Maria João
Valente Rosa defende que o discurso político é "totalmente idadista"
e que isso ajuda a alimentar alguma crispação, que neste momento é resolvida
junto da família, mas que tende a aumentar porque com o tempo o número de
activos por pensionistas será menor e as redes familiares transformar-se-ão.
Jorge Cabral está
convencido de que a posição do idoso na sociedade sofreu mais com esta crise e
com as políticas do Governo: "Esta exaltação da juventude e do
empreendedorismo... Dá a impressão de que se não fossem os velhos o país estava
bem."
Sibila Marques pensa que se
fosse repetido hoje o inquérito do ESS, os valores do idadismo estariam mais
elevados.
O envelhecimento
demográfico tem sido entendido como uma catástrofe, o que ajuda a explicar a
questão. No livro O
Envelhecimento da Sociedade Portuguesa, Maria João Valente Rosa defende que
o verdadeiro problema não está no envelhecimento da população, mas no
envelhecimento da sociedade, ou seja, naquilo que as sociedades não mudaram
desde que começaram a envelhecer. A socióloga considera ser necessário mudar a
forma como pensamos o papel dos mais velhos e como encaramos o trabalho e a
formação ao longo da vida. "Temos de pensar: "Vou viver mais tempo,
provavelmente terei mais do que uma carreira e tenho de investir na formação ao
longo da vida"." Também os empregadores têm de se adequar e olhar
para o indivíduo e não para a sua data de nascimento: "Nos tempos
modernos, precisamos de pessoas com capacidade, independentemente da
idade."
"Temos de mudar o
discurso. Se estamos todos a envelhecer e achamos que os velhos não têm valor,
o que é que isso diz sobre o futuro do país? Que o país vai desaparecer?",
questiona Sibila Marques.
Para Maria João Valente
Rosa, mudar o discurso é parar de falar de novos e velhos: "Quero falar de
pessoas."
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