Pular para o conteúdo principal

Erótica é a alma em Viva a Velhice

Vamos juntos exercitar o envelhecimento.

Retomando o Blog Viva a Velhice agora, com a mão na massa.
Para um bom começo escolhi a nobreza de um texto de Adélia Prado. Outros textos serão buscados e aqui apresentados. Dos  escritores, poetas e cientistas compartilharei o conteúdo que, em acordo com meus valores, será um valioso contributo para o alcance do propósito deste blog que é o de bem Viver a Velhice.

Começo com Adélia Prado com "Erótica é a Alma".

"Todos vamos envelhecer... Querendo ou não, iremos todos envelhecer. As pernas irão pesar, a coluna doer, o colesterol aumentar. A imagem no espelho irá se alterar gradativamente e perderemos estatura, lábios e cabelos. A boa notícia é que a alma pode permanecer com o humor dos dez, o viço dos vinte e o erotismo dos trinta anos. O segredo não é reformar por fora. É, acima de tudo, renovar a mobília interior: tirar o pó, dar brilho, trocar o estofado, abrir as janelas, arejar o ambiente. Porque o tempo, invariavelmente, irá corroer o exterior. E, quando ocorrer, o alicerce precisa estar forte para suportar. Erótica é a alma que se diverte, que se perdoa, que ri de si mesma e faz as pazes com sua história. Que usa a espontaneidade pra ser sensual, que se despe de preconceitos, intolerâncias, desafetos. Erótica é a alma que aceita a passagem do tempo com leveza e conserva o bom humor apesar dos vincos em torno dos olhos e o código de barras acima dos lábios. Erótica é a alma que não esconde seus defeitos, que não se culpa pela passagem do tempo. Erótica é a alma que aceita suas dores, atravessa seu deserto e ama sem pudores. Aprenda: bisturi algum vai dar conta do buraco de uma alma negligenciada anos a fio."

E a continuidade vem com um texto, de 2014, onde Jocê Rodrigues nos fala sobre  A natureza múltipla de Adélia Prado.
Aos 78 anos, a poeta Adélia Prado continua a encantar com seu jeito único de descrever grandiosamente as pequenas coisas, em uma espécie de exercício metafísico das palavras e das coisas, e de abordar temas tão duros como a morte e a culpa com incrível finesse.
Parece que tudo começa já pelo nome do lugar onde nasceu: Divinópolis. Foi nessa cidade de nome sugestivo que nasceu uma mulher que fez da poesia sua poderosa ferramenta ontológica para o desvelamento do mundo e da natureza humana – grosso modo, no existencialismo do filósofo Martin Heidegger, o desvelamento é como a verdade se deixa ver por inteira, como uma janela que antes estivesse por trás de uma cortina e que é então revelada quando os tecidos dela se afastam; esse desvelar é possível somente se houver um ser descobridor, ou seja, alguém que esteja em busca dessa verdade. Uma mulher que narra com cuidado e extrema sensibilidade os mistérios que dormem nos afazeres domésticos e nas entrelinhas do êxtase é esse “descobridor”.
Não seria exagero dizer que foi com Adélia que aprendi a amar a mulher em sua plenitude. A profunda complexidade e o sagrado feminino não me foram apresentados por tratados sobre símbolos ou escritos etnográficos. Foi ela, essa divinopolitana, que desde Bagagem, seu livro de estreia, harmonizava as esferas do sexual e sagrado de um jeito singelo e arrebatador. O tom erótico de muitos poemas chega a desconcertar quem procura em seus versos os extremos entre a natureza e a graça agostiniana.
Ao contrário do que haveria de supor qualquer parco conhecimento sobre o pensamento cristão mais sério, o corpo comunga com a vida de maneira inextrincável e a sua negação é como negar também a natureza divina da qual o homem advém, mas da qual está irrevogavelmente separado. O embate moral entre desejo e culpa é diluído na poética adeliana quando esta é voltada para as miudezas do cotidiano e da vida conjugal, sem com isso perder a sua força e estruturação nas veredas da fé e da sexualidade. Para ela, a poesia é um fenômeno religioso por natureza e, da mesma forma que a fé, traz consolo e alegria para nossas vidas. Os pessimistas radicais que me perdoem, mas a beleza, aquele mesmo padrão que imperou na Grécia Antiga e que moldou nossa civilização, ainda é e talvez sempre seja essencial para a nossa ainda tão frágil espécie. Se levarmos em conta o que Blaise Pascal dizia sobre a insuficiência da razão diante das “razões do coração”, encontraremos em Adélia um desenho perfeito desse vasto universo da condição humana.
Em uma entrevista para o Estadão, a poeta fala sobre a ligação entre religião e poesia da seguinte forma:
No texto de um poeta ateu, o substrato de sua poesia é o mesmo no de um poeta crente. Porque o fenômeno poético é religioso em sua natureza. A poesia, independentemente da crença ou não crença do poeta, nos liga a um centro de significação e sentido, assim como o faz a fé religiosa. Por isso é que a poesia é tão consoladora, dá tanta alegria. Minha formação é religiosa, confesso o que creio e é impossível que nossas profundas convicções desapareçam quando escrevemos. Seria esquizofrênico. Mística e poesia são braços do mesmo rio. Deus me deu o segundo, mas a fonte é a mesma, o Espírito Divino. A despeito de si mesmo, o poeta ateu entrega o ouro em sua poesia. É simples, rigorosamente ninguém é o criador da Beleza (poesia). Ela vem, eu diria como Guimarães Rosa, da terceira margem da alma. O poeta é só o “cavalo do Santo”, queira ou não. Às vezes, somos tentados a desistir quando descobrimos que ela, a poesia, é muito melhor que seu autor. É a tentação do orgulho. Que Deus nos livre dela.
Em Miserere, seu último livro até o momento, a autora navega por águas mais turvas, calcada na experiência do envelhecimento e da morte, com um lirismo afiado e humores mais sérios. No entanto, ainda é indubitavelmente Adélia, com todo o seu brilho e singularidade, uma força que move a palavra para o céu da boca – terreno sagrado mais próximo que se estende no campo daquilo que é dito. Em seus versos o leitor encontra chaves e senhas para adentrar espaços onde é possível dialogar alma e carne, desejo e moral, uma experiência que nos aproxima uns dos outros e de nós mesmos na medida em que descobrimos os desafios de nossa tão bonita e decadente natureza.
Para encerrar, deixo o vídeo de uma bonita entrevista concedida para o programa Imagem da Palavra, onde Adélia aborda temas importantes e recorrentes da sua poesia:
Parte 1-20/12/2012 - O Imagem da Palavra exibe programa especial de Natal com Adélia Prado. A escritora, que é um dos principais nomes da literatura nacional, conversou com Guga Barros sobre seu novo livro, A Duração do dia, seu processo criativo, a influência da religião em suas obras e a posição feminina na literatura.
Nota: autor do artigo Jocê Rodrigues é Escritor, jornalista musical e poeta (autor do livro As Máquinas de Deus, ed. Multifoco); criador e editor-chefe da revista Vermelho!, atua como crítico para diversos sites e publicações.

Parte 1 em 20/12/2012 - O Imagem da Palavra exibe programa especial de Natal com Adélia Prado. A escritora, que é um dos principais nomes da literatura nacional, conversou com Guga Barros sobre seu novo livro, A Duração do dia, seu processo criativo, a influência da religião em suas obras e a posição feminina na literatura

Parte 2: 20/12/2012 - O Imagem da Palavra exibe programa especial de Natal com Adélia Prado. A escritora, que é um dos principais nomes da literatura nacional, conversou com Guga Barros sobre seu novo livro, A Duração do dia, seu processo criativo, a influência da religião em suas obras e a posição feminina na literatura.

Fonte:http://homoliteratus.com/natureza-multipla-em-adelia-prado/

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O Dente-de-Leão e o Viva a Velhice

  A belíssima lenda do  dente-de leão e seus significados Segundo uma lenda irlandesa, o dente-de-leão é a morada das fadas, uma vez que elas eram livres para se movimentarem nos prados. Quando a Terra era habitada por gnomos, elfos e fadas, essas criaturas viviam livremente na natureza. A chegada do homem os forçou a se refugiar na floresta. Mas   as fadas   tinham roupas muito chamativas para conseguirem se camuflar em seus arredores. Por esta razão, elas foram forçadas a se tornarem dentes-de-leão. Comentário do Blog: A beleza  do dente-de-leão está na sua simplicidade. No convívio perene com a natureza, no quase mistério sutil e mágico da sua multiplicação. Por isso e por muito mais  é que elegi o dente-de-leão  como símbolo ou marca do Viva a Velhice. Imagem  Ervanária Palmeira   O dente-de-leão é uma planta perene, típica dos climas temperados, que espontaneamente cresce praticamente em todo o lugar: na beira de estrada, à beira de campos de cultivo, prados, planícies, colinas e

‘Quem anda no trilho é trem de ferro, sou água que corre entre pedras’ – Manoel de Barros

  Dirigido pelo cineasta vencedor do Oscar, Laurent Witz, ‘Cogs’ conta a história de um mundo construído em um sistema mecanizado que favorece apenas alguns. Segue dois personagens cujas vidas parecem predeterminadas por este sistema e as circunstâncias em que nasceram. O filme foi feito para o lançamento internacional da AIME, uma organização de caridade em missão para criar um mundo mais justo, criando igualdade no sistema educacional. O curta-animação ‘Cogs’ conta a história de dois meninos que se encontram, literalmente, em faixas separadas e pré-determinadas em suas vidas, e o drama depende do esforço para libertar-se dessas limitações impostas. “Andar sobre trilhos pode ser bom ou mau. Quando uma economia anda sobre trilhos parece que é bom. Quando os seres humanos andam sobre trilhos é mau sinal, é sinal de desumanização, de que a decisão transitou do homem para a engrenagem que construiu. Este cenário distópico assombra a literatura e o cinema ocidentais. Que fazer?  A resp

Poesia

De Mario Quintana.... mulheres. Aos 3 anos: Ela olha pra si mesma e vê uma rainha. Aos 8 anos: Ela olha para si e vê Cinderela.   Aos 15 anos: Ela olha e vê uma freira horrorosa.   Aos 20 anos: Ela olha e se vê muito gorda, muito magra, muito alta, muito baixa, muito liso, muito encaracolado, decide sair mas, vai sofrendo.   Aos 30 anos: Ela olha pra si mesma e vê muito gorda, muito magra, muito alta, muitobaixa, muito liso muito encaracolado, mas decide que agora não tem tempo pra consertar então vai sair assim mesmo.   Aos 40 anos: Ela se olha e se vê muito gorda, muito magra, muito alta, muito baixa, muito liso, muito encaracolado, mas diz: pelo menos eu sou uma boa pessoa e sai mesmo assim.   Aos 50 anos: Ela olha pra si mesma e se vê como é. Sai e vai pra onde ela bem entender.   Aos 60 anos: Ela se olha e lembra de todas as pessoas que não podem mais se olhar no espelho. Sai de casa e conquista o mundo.   Aos 70 anos: Ela olha para si e vê sabedoria, ri

Não se lamente por envelhecer

  Não se lamente por envelhecer: é um privilégio negado a muitos Por  Revista Pazes  - janeiro 11, 2016 Envelhecer  é um privilégio, uma arte, um presente. Somar cabelos brancos, arrancar folhas no calendário e fazer aniversário deveria ser sempre um motivo de alegria. De alegria pela vida e pelo o que estar aqui representa. Todas as nossas mudanças físicas são reflexo da vida, algo do que nos podemos sentir muito orgulhosos. Temos que agradecer pela oportunidade de fazer aniversário, pois graças a ele, cada dia podemos compartilhar momentos com aquelas pessoas que mais gostamos, podemos desfrutar dos prazeres da vida, desenhar sorrisos e construir com nossa presença um mundo melhor… As rugas nos fazem lembrar onde estiveram os sorrisos As rugas são um sincero e bonito reflexo da idade, contada com os sorrisos dos nossos rostos. Mas quando começam a aparecer, nos fazem perceber quão efêmera e fugaz é a vida. Como consequência, frequentemente isso nos faz sentir desajustados e incômodos

A velhice em poesia

Duas formas de ver a velhice. Você está convidado a "poetizar" por aqui . Sobre o tema que lhe agradar. Construiremos a várias mãos "o domingo com poesia". A Velhice Pede Desculpas - Cecília Meireles, in Poemas 1958   Tão velho estou como árvore no inverno, vulcão sufocado, pássaro sonolento. Tão velho estou, de pálpebras baixas, acostumado apenas ao som das músicas, à forma das letras. Fere-me a luz das lâmpadas, o grito frenético dos provisórios dias do mundo: Mas há um sol eterno, eterno e brando e uma voz que não me canso, muito longe, de ouvir. Desculpai-me esta face, que se fez resignada: já não é a minha, mas a do tempo, com seus muitos episódios. Desculpai-me não ser bem eu: mas um fantasma de tudo. Recebereis em mim muitos mil anos, é certo, com suas sombras, porém, suas intermináveis sombras. Desculpai-me viver ainda: que os destroços, mesmo os da maior glória, são na verdade só destroços, destroços. A velhice   - Olavo Bilac Olha estas velhas árvores, ma